sábado, 31 de agosto de 2013
CONTO
MARCELINO FREIRE*
Totonha
Capim sabe
ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em
quê? Não quero aprender, dispenso. Deixa pra gente que é moço. Gente que tem
ainda vontade de doutorar. De falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só
precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do
fogão é que fico. Tô bem.
Já viu
fogo ir atrás de sílaba? O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o
presidente. E o vale-doce e o vale-lingüiça. Quero ser bem ignorante. Aprender
com o vento, ta me entendendo? Demente como um mosquito. Na bosta ali, da
cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que eu. A química.
Tem coisa
mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O risco da poeira?
O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Número?
Só para o
prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais esforço que o meu
esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem
melhor bê-á-bá? Assoletrar se a chuva vem? Se não vem? Morrer, já sei. Comer,
também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso de tatu. Adivinhar
quando a coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa paciência!
Será que
eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só pra mocinha aí ficar
contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me
diga honestamente. Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente. Quem está
atrás do nome não conta? No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do
Jequitinhonha. Pelo menos aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me
chamar de Totonha. Quase não mudo de roupa, quase não mudo de lugar. Sou sempre
a mesma pessoa. Que voa.
Para mim,
a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for. Não tenho
medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem
sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende? Não
preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente é que precisa
saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha cabeça para escrever. Ah,
não vou.
(In Contos Negreiros. Record,
2005)
*Marcelino
Freire nasceu em 20 de março de 1967 na cidade de Sertânia, Sertão de
Pernambuco. Vive em São Paulo desde 1991. É autor de EraOdito (Aforismos, 2ª
edição, 2002), Angu de Sangue (Contos, 2000) e BaléRalé (Contos, 2003), todos
publicados pela Ateliê Editorial. Em 2002, idealizou e editou a Coleção 5
Minutinhos, inaugurando com ela o selo eraOdito editOra. É um dos editores da
PS:SP, revista de prosa lançada em maio de 2003, e um dos contistas em destaque
nas antologias Geração 90 (2001) e Os Transgressores (2003), publicadas pela
Boitempo Editorial
POESIA
MANUEL BANDEIRA
RECIFE-PE =
1886-1968
A Morte Absoluta
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo
da carne,
a exangue máscara de cera,
cercada de flores,
que apodrecerão – felizes! – num dia,
banhada de lágrimas
nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
a exangue máscara de cera,
cercada de flores,
que apodrecerão – felizes! – num dia,
banhada de lágrimas
nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma
alma errante…
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um
risco, uma sombra,
a lembrança de uma sombra
em nenhum coração, em nenhum pensamento,
em nenhuma epiderme.
a lembrança de uma sombra
em nenhum coração, em nenhum pensamento,
em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
que um dia ao lerem o teu nome num papel
perguntem: “Quem foi?…”
que um dia ao lerem o teu nome num papel
perguntem: “Quem foi?…”
Morrer mais completamente ainda,
- sem deixar sequer esse nome.
- sem deixar sequer esse nome.
POESIA
ORLEY MESQUITA
JOÃO PESSOA-PB = 1935-2006
Consumação Do Arcanjo
"E todos se acomodaram
Naquilo que não sabiam.
Nem repararam no tempo,
Seu lume, sua alquimia;
Na face, o manso da noite;
Na alma, as vestes dos dias.
Nem um retrato guardaram,
Nem amores, nem orgias.
Envelheceram suaves
Como barcos em calmaria.
Um deles fez-se poeta.
O outro suas pedrarias
Guardou na concha dos anos
Com singular simetria.
Que não tarde a brava morte
De achar a quem procura,
Que vida e morte se ateiam
No mesmo fogo que dura
Muito mais que a juventude
Alegre, vã e perjura."
De achar a quem procura,
Que vida e morte se ateiam
No mesmo fogo que dura
Muito mais que a juventude
Alegre, vã e perjura."
POESIA = Bastos Tigre
BASTOS TIGRE
RECIFE-PE =
1882-1957
Ao Leitor
Lê meus versos alegres,
predisposto
A neles descobrir humor e graça;
E é provável que, então, se satisfaça
O teu pechoso e requintado gosto.
Mas se a fonte dos risos tens escassa
Ou tens, de nuvens, carregado o rosto,
Dos leves humorismos que hei composto,
Não há milagre que sorrir te faça.
De ti, que não de mim, depende o "estado
De graça" - Busca ler no instante azado
Os meus poemas brejeiros ou perversos.
Não sorris? Com teus nervos lá te avenhas!
Pois que, conforme seja o humor que tenhas,
"Terás o entendimento dos meus versos".
A neles descobrir humor e graça;
E é provável que, então, se satisfaça
O teu pechoso e requintado gosto.
Mas se a fonte dos risos tens escassa
Ou tens, de nuvens, carregado o rosto,
Dos leves humorismos que hei composto,
Não há milagre que sorrir te faça.
De ti, que não de mim, depende o "estado
De graça" - Busca ler no instante azado
Os meus poemas brejeiros ou perversos.
Não sorris? Com teus nervos lá te avenhas!
Pois que, conforme seja o humor que tenhas,
"Terás o entendimento dos meus versos".
CRÔNICA = Rubem Braga
R U B E M B R A G A
CACHOEIRO
DO ITAPEMIRIM-ES = 1913-1990
A Mulher Esperando O Homem
O tema da mulher esperando o homem há muito, muito tempo me
fascina; sei que é velho, já serviu para sonetos, contos, páginas de romance,
talvez quadro de pintura, talvez música. E eu que não sei fazer nada disso sou,
entretanto, perseguido por histórias de sua mulher esperando homem, das mais
banais às mais terríveis.
Agora mesmo, quando passou o aniversário da revolução
húngara, eu me lembre que entre todos os relatos, alguns dolorosos, horríveis,
de gente que fugiu da Hungria, havia o de uma mulher que contou com
simplicidade a sua história; e foi o que mais me impressionou quando o li, de
madrugada, no meu quarto de hotel em Nova York. O marido saíra para a revolução
e lhe disse que ela não saísse de casa de maneira alguma, esperasse sua volta.
Chegou a noite e ele não veio; no outro dia entraram na rua tanques russos
atirando, e veio outra vez a noite, e veio outro dia, e veio outra noite, e ela
esperando; cochilava um pouco sentada, acordava assustada julgando ouvir os
passos ou a voz dele, até que chegou por um parente a noticia de que ele
morrera.
Ela então saiu de casa e – “como eu não tinha mais nada que
esperar”, segundo disse – fugiu para a fronteira da Áustria.
Não sei por quê, achei que essa mulher sentiu um alívio ao
saber que não devia esperar mais; acontecera, naturalmente, o pior. Mas a
angústia de esperar cessara.
O homem ausente era como um carcereiro que a prendia no lar
transformado em câmara de torturas. Ela agora estava desgraçada, mas livre.
Mas não é preciso haver guerra nem nenhum perigo; nesta
madrugada em que escrevo, em Ipanema, quantas mulheres não estarão esperando os
maridos? Aquela pequena luz acesa em um edifício distante é talvez o apartamento
da mulher insone que já telefonou meio envergonhada para várias casas amigas
perguntando pelo marido, que já olhou o relógio vinte vezes e tomou comprimido
para dormir, ligou a Rádio Relógio, tentou ler uma revista velha, fumou quase
um maço de cigarros.
Não importa que seja a esposa vulgar de um homem vulgar; e
que no fim a história do atraso dele seja também completamente vulgar. Neste
momento ela é a mulher esperando o homem; e todas as mulheres esperando seus
homens se parecem no mundo, e se ligam por invisível túnel de solidariedade que
atravessa as madrugadas intermináveis.
Todas: a mulher do pescador, a mulher do aviador, e a do
revisor de jornal, a do milionário e a do ministro protestante…
Devia haver um santo especial para proteger a mulher
esperando o homem, devia haver uma oração forte para ela rezar; ela está
desamparada no centro de um mundo vazio.
Ela começa a odiar os móveis e as paredes; a torneira da
pia lhe parece antipática; a geladeira, que aliás precisa ser pintada, é
estúpida, porque ronca de repente e depois o silêncio é mais quieto. A cama é
insuportável.
Devia haver um número de telefone especial para a mulher
que está esperando o homem chamar, reclamar providências, ouvir promessas,
insistir, tocar outra vez, xingar, bater com o fone. Devia haver funcionários
especiais, capazes de abastecer essa mulher de esperança de quinze em quinze
minutos, jurar que todas as providências já foram tomadas, “estamos seguros que
dentro de poucos minutos teremos alguma coisa a dizer à senhora…”
E diria que pelo menos no necrotério ele não está, nem no
pronto-socorro, nem em delegacia nenhuma; mas não diria isso de uma só vez, e
sim através de informes espaçados, que fossem formando etapas de ansiedades,
que quadriculassem lentamente a insônia.
A mulher que está esperando o homem está sujeita a muitos
perigos entre o ódio e o tédio, o medo, o carinho e a vontade de vingança.
Se um aparelho registrasse tudo o que ela sente e pensa
durante a noite insone, e se o homem, no dia seguinte, pudesse tomar
conhecimento de tudo, como quem ouve uma gravação numa fita, é possível que ele
ficasse pálido, muito pálido.
Porque a mulher que está esperando o homem recebe sempre a
visita do Diabo, e conversa com ele. Pode não concordar com o que ele diz, mas
conversa com ele.
PIADAS
Quanto
custa o cafezinho?
- 50 centavos.
- E o açúcar?
- O açúcar é de graça.
- Então me vê dois quilos.
- 50 centavos.
- E o açúcar?
- O açúcar é de graça.
- Então me vê dois quilos.
Dois
bêbados acordam de manhã no xadrez:
- Tião, você sabe por que a gente tá preso aqui?
- Sei... Lembra aquele poste que a gente resolveu mijar ontem?
- Claro que me lembro!
- Pois é... não era poste, era guarda!
- Tião, você sabe por que a gente tá preso aqui?
- Sei... Lembra aquele poste que a gente resolveu mijar ontem?
- Claro que me lembro!
- Pois é... não era poste, era guarda!
No
enterro de um grande pé de cana, todos os amigos estavam lamentando a
morte dele, quando um teve uma brilhante ideia:
- Deveríamos abrir um bar neste cemitério. Só assim poderíamos nos despedir dos amigos como se deve!
Um sóbrio que estava presente pergunta:
- E como se chamaria o bar?
- A Saideira!
- Deveríamos abrir um bar neste cemitério. Só assim poderíamos nos despedir dos amigos como se deve!
Um sóbrio que estava presente pergunta:
- E como se chamaria o bar?
- A Saideira!
Um
grande apreciador de copos (cheios, é claro) vai ao medico, acompanhado de
sua mulher.
- E, doutor, sinto náuseas, dores no corpo, boca seca, e etc...
- Você fuma ?
- Uns cinqüenta cigarros por dia...
- ... Ai esta o problema, interrompeu o medico. Pare de fumar imediatamente e voltará a ter uma saúde de ferro. Pode ir. Já fora do consultório a sua mulher o interpela:
- Tu nunca fumaste um único cigarro. Por que a mentira ?
- Se eu dissesse que não fumava ele iria perguntar se eu bebia ... e ai adeus vinhos, cervejas ...
- E, doutor, sinto náuseas, dores no corpo, boca seca, e etc...
- Você fuma ?
- Uns cinqüenta cigarros por dia...
- ... Ai esta o problema, interrompeu o medico. Pare de fumar imediatamente e voltará a ter uma saúde de ferro. Pode ir. Já fora do consultório a sua mulher o interpela:
- Tu nunca fumaste um único cigarro. Por que a mentira ?
- Se eu dissesse que não fumava ele iria perguntar se eu bebia ... e ai adeus vinhos, cervejas ...
POESIA
AUGUSTO DOS ANJOS
CRUZ DO ESPÍRITO
SANTO-PB = 1884-1914
Apóstrofe À Carne
Quando eu pego nas carnes do meu
rosto,
pressinto o fim da orgânica batalha:
- olhos que o húmus necrófago estraçalha,
diafragmas, decompondo-se, ao sol posto…
pressinto o fim da orgânica batalha:
- olhos que o húmus necrófago estraçalha,
diafragmas, decompondo-se, ao sol posto…
E o Homem – negro e heteróclito
composto,
onde a alva flama psíquica trabalha,
desagrega-se e deixa na mortalha
o tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!
onde a alva flama psíquica trabalha,
desagrega-se e deixa na mortalha
o tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!
Carne, feixe de mônadas bastardas,
conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
a dardejar relampejantes brilhos,
a dardejar relampejantes brilhos,
dói-me ver, muito embora a alma te
acenda,
em tua podridão a herança horrenda,
que eu tenho de deixar para os meus filhos!
que eu tenho de deixar para os meus filhos!
CRÔNICA
CLARICE LISPECTOR
UCRÂNIA, 1920 – BRASIL, 1977
Por Enquanto
Como ele não tinha nada o que fazer, foi fazer pipi. E
depois ficou a zero mesmo.
Viver tem dessas coisas: de vez em quando se fica a zero. E
tudo isso é por enquanto. Enquanto se vive.
Hoje me telefonou uma moça chorando, dizendo que seu pai
morrera. É assim: sem mais nem menos.
Um dos meus filhos está fora do Brasil, o outro veio
almoçar comigo. A carne estava tão dura que mal se podia mastigar. Mas bebemos
um vinho rosé gelado. E conversamos. Eu tinha pedido para ele não sucumbir à
imposição do comércio que explora o dia das mães. Ele fez o que pedi: não me
deu nada. Ou melhor me deu tudo: a sua presença.
Trabalhei o dia inteiro. Sozinha no mundo e no espaço. E
quando telefono, o telefone chama e ninguém atende. Ou dizem: está dormindo.
A questão é saber aguentar. Pois a coisa é assim mesmo. Às
vezes não se tem nada a fazer e então se faz pipi.
Mas se Deus nos fez assim, que assim sejamos. De mãos
abanando. Sem assunto.
Sexta-feira de noite fui a uma festa, eu nem sabia que era
o aniversário do meu amigo, sua mulher não me dissera. Tinha muita gente. Notei
que muitas pessoas se sentiam pouco à vontade.
Que faço? telefono a mim mesma? Vai dar um triste sinal de
ocupado, eu sei, uma vez já liguei distraída para o meu próprio número. Como
acordo quem está dormindo? como chamo quem eu quero chamar? o que fazer? Nada:
porque é domingo e até Deus descansou. Mas eu trabalhei sozinha o dia inteiro.
Mas agora quem estava dormindo já acordou e vem me ver às
oito horas. São seis e cinco.
Estamos no chamado “veranico de maio”: grande calor. Meus
dedos doem de tanto eu bater à maquina. Com a ponta dos dedos não se brinca. É
pela ponta dos dedos que se recebem os fluidos.
Eu devia ter me oferecido para ir ao enterro do pai da
moça? A morte seria hoje demais para mim. Já sei o que vou fazer: vou comer.
Depois eu volto. Fui à cozinha, a cozinheira por acaso não está de folga e vai
esquentar comida para mim. Minha cozinheira é enorme de gorda: pensa noventa
quilos. Noventa quilos de insegurança, noventa quilos de medo. Tenho vontade de
beijar seu rosto preto e liso mas ela não entenderia. Voltei à maquina enquanto
ela esquentava a comida. Descobri que estou morrendo de fome. Mal posso esperar
que ela me chame.
Ah, já sei o que vou fazer: vou mudar de roupa. Depois eu
como, e depois volto à máquina. Até já.
Já comi. Estava ótimo. Tomei um pouco de rosé. Agora vou
tomar um café. E refrigerar a sala: no Brasil ar-refrigerado não é um luxo, é
uma necessidade. Sobretudo para pessoa que, como eu, sofre demais com o calor.
São seis e meia. Liguei meu rádio de pilha. Para a Ministério de Educação. Mas
que música triste! não é preciso ser triste para ser bem-educado. Vou convidar
Chico Buarque, Tom Jobim e Caetano Veloso e que cada um traga a sua viola.
Quero alegria, a melancolia me mata aos poucos.
Quando a gente começa a se perguntar: para quê? então as
coisas não vão bem. E eu estou me perguntando para quê. Mas bem sei que é
apenas “por enquanto”. São vinte para as sete. E para que é que são vinte para
as sete?
Nesse intervalo dei um telefonema e, para meu gáudio, já
são dez para as sete. Nunca na vida eu disse essa coisa de “para meu gáudio”. É
muito esquisito. De vez em quando eu fico meio machadiana. Por falar em Machado
de Assis, estou com saudade dele. Parece mentira mas não tenho nenhum livro
dele em minha estante. José de Alencar, eu nem lembro se li alguma vez.
Estou com saudade. Saudade de meus filhos, sim, carne de
minha carne. Carne fraca eu não li todos os livros. La chair est triste.
Mas a gente fuma e melhora logo. São cinco para as sete. Se
me descuido, morro. É muito fácil. É uma questão do relógio parar. Faltam três
minutos para as sete. Ligo ou não ligo a televisão? Mas é que é tão chato ver
televisão sozinha.
Mas finalmente resolvi e vou ligar a televisão. A gente
morre às vezes.
PIADA
Vaidade Mata
Uma mulher foi levada às pressas para o CTI de um hospital.
Lá chegando , teve a chamada 'quase morte' , que é uma situação pré-coma , e neste estado , encontrou-se com a morte:
Lá chegando , teve a chamada 'quase morte' , que é uma situação pré-coma , e neste estado , encontrou-se com a morte:
- Que é isso? - perguntou - Eu morri?
- Não , pelos meus cálculos , você morrerá daqui a 43 anos , 8
meses , 9 dias e 16 horas.
Ao voltar a si , refletindo o quanto tempo ainda tinha de vida
, resolveu ficar ali mesmo naquele hospital e fez uma lipoaspiração , uma
plástica de restauração dos seios , plástica no rosto , correção no nariz , na
barriga , tirou todos os excessos , as ruguinhas e tudo mais que podia mexer
para ficar linda e jovial.
Após alguns dias de sua alta médica , ao atravessar a rua ,
veio um veículo em alta velocidade e a atropelou , matando-a na hora.
Ao encontrar-se de novo com a morte, ela perguntou irritada:
- Puxa, você me disse que eu tinha mais 43 anos de vida. Por
que morri depois de toda aquela despesa com cirurgias plásticas!!???
E a morte aproximou-se bem dela e , olhando-a diretamente nos
olhos , respondeu:
- CRIATURAAAAAA , NÃO TE RECONHECI !!!!!!!
CONTO = Artur Azevedo
SÃO LUÍS-MA =
1855-1908
Elefantes E Ursos
Era uma delícia ouvir o coronel Ferraz
contar as suas façanhas de caça; mas ele só vibrava, e só era verdadeiramente
genial a inventar carapetões quando tinha um bom auditório, quando via em volta
de si olhos espantados e bocas abertas.
Dizem que na intimidade, conversando
com um amigo, ou mesmo dois, era incapaz de pregar uma peta.
Ora, uma ocasião estava ele no meio de
um grupo de vinte pessoas, em que estavam representados ambos os sexos e todas
as idades.
As palavras do coronel, proferidas com
aquela voz reboante e áspera, feita para comandar exércitos, eram avidamente
bebidas. Apenas um rapaz do grupo, o Miranda, o maior estróina que Deus pusera
no mundo, tinha na fisionomia um ar de mofa e parecia não tomar a sério as
proezas cinegéticas do nosso herói.
Mas isso não foi nada – dizia este
retorcendo as pontas dos seus enormes bigodes grisalhos. – Isso não foi nada à
vista do que me aconteceu numa aldeia do Ganges, aonde me levou a minha vida
aventurosa. Um casal de elefantes corria atrás de um moço que lhes maltratara o
filho, um elefantinho deste tamanho (e o coronel indicou o tamanho de um
elefantão). O macho ia atingir o moço com a tromba, quando o abati com um tiro
da minha espingarda, que nunca falhou. Mas restava a fêmea… A arma estroa
descarregada, mas eu, carioca da gema, lembrei-me do nosso jogo de capoeira, e
passei-lhe uma rasteira tão na regra, que a prostrei por terra! Antes que se
erguesse aquela pesada massa, tive tempo de carregar a espingarda e mandá-la
passear no outro mundo. O moço estava salvo.
Houve no auditório um murmúrio de
admiração. O coronel continuou:
- O moço, mal o sabia eu, era um
príncipe, filho de um rajá, ou coisa que o valha, muito estimado na localidade:
por isso, ergueram sobre o corpo do elefante macho uma espécie de trono em que
me colocaram, deram-me a beber um licor sagrado, investiram-me não sei de que
dignidade oficial, e fizeram-me assistir a umas danças intermináveis. Foi uma
festa a que concorreram mais de vinte mil pessoas.
Passado o frêmito do auditório, o
Miranda tomou a palavra:
- O coronel foi mais feliz no Ganges do
que eu em Ceilão.
- Você já esteve em Ceilão? – perguntou
o coronel.
- Ora! Onde não tenho estado? Um dia,
estando a caçar – sim, porque também sou caçador! – saiu-me pela frente um
enorme urso, que avançou para mim. Quis levar a mão à espingarda, mas tremia
tanto, que não consegui pegá-la. E o urso a avançar! Nisto, senti um bafo no
meu cachaço. Olhei para trás: era outro urso, de goela aberta e dentes
arreganhados!
- E que fez você? – perguntou o
coronel, interessado deveras.
- Não fiz nada – respondeu o Miranda. –
Fui comido!
POESIA
ARIANO SUASSUNA
JOÃO
PESSOA-PB = 1927
Falso Profeta, insone, Extraviado,
Vivo, Cego, a sondar o
Indecifrável:
e, jaguar da Sibila - inevitável,
meu Sangue traça a rota desse
Fado.
Eu, forçado a ascender, eu,
Mutilado,
busco a Estrela que chama,
inapelável.
E a pulsação do Ser, fera
indomável,
arde ao Sol do meu Pasto -
incendiado.
Por sobre a Dor, Sarça do
Espinheiro
que acende o estranho Sol, sangue
do ser,
transforma o sangue em Candelabro
e Veiro.
Por isso, não vou nunca
envelhecer:
com meu Cantar, supero o
Desespero,
sou contra a Morte e nunca hei de
morrer.
sábado, 24 de agosto de 2013
PENSAMENTOS
A cerveja e a cachaça são os piores
inimigos
do homem. Mas o homem que foge dos
seus inimigos é um covarde.
Quando se deve matar um homem,
não custa nada ser gentil.
Deus fez o homem à sua imagem e
semelhança,
este pagou-lhe na mesma moeda"
"Julgue um homem pelas suas
perguntas,
não pelas suas respostas."
Todos os homens têm o seu instinto; e
o instinto
do homem, fortalecido pela razão, leva-o
à
sociedade, como à comida e à bebida.
Há certas descidas ao fundo do abismo
que
retiram um homem do meio dos vivos.
Na maioria dos casos o estado
visionário
abate o homem, e o embrutece.
"Primeiro foi necessário
civilizar o homem em relação
ao próprio homem. Agora é necessário
civilizar o
homem em relação a natureza e aos
animais."
Deus apenas fez a água, mas o homem
fez o vinho.
CONTO
ITABIRA-MG =
1902-1987
Recalcitrante
O trocador olhou, viu, não aprovou. Daquele
passageiro, escanchado placidamente no banco lateral, escorria um fio de água
que ia compondo, no piso do ônibus, a microfigura de uma piscina.
- Ei, moço, quer fazer o favor de levantar?
O moço (pois ostentava barba e cabeleira amazônica,
sinais indiscutíveis de mocidade), nem-te-ligo.
O trocador esfregou as mãos no rosto, em gesto de
enfado e desânimo, diante de situação tantas vezes enfrentada, e murmurou:
- Estes caras são de morte.
Devia estar pensando: todo ano a mesma coisa.
Chegando o verão, chegam os problemas. Bem disse o Dario, quando fazia gol no
Atlético: problemática demais. Estava cansado de advertir passageiros que não
aprendem viajar no coletivo. Não aprendem e não querem aprender. Tendo comprado
passagem por 65 centavos, acham que compraram o ônibus e podem fazer dele
casa-da-peste. Mas insistiu:
- Moço! O moço!
Nada. Dormia? Olhos abertos, pernas cabeludas,
ocupando cada vez mais espaço, ouvia e não respondia. Era preciso tomar
providência.
- O senhor aí, cavalheiro, quer cutucar o braço do
distinto, pra ele me prestar atenção?
O cavalheiro, vê lá se ia se meter numa dessas.
Ignorou, olímpico, a marcha do caso terrestre.
Embora sem surpresa, o cobrador coçou a cabeça.
Sabia de experiência própria que passageiro nenhum quer entrar numa fria. Ficam
de camarote, espiando o circo pegar fogo. Teve pois que sair de seu trono,
pobre trono de trocador, fazendo a difícil ginástica de sempre. Bateu no ombro
do rapaz:
- Vamos levantar?
O outro mal olhou para ele, do longe de sua
distância espiritual. Insistiu:
- Como é, não levanta?
- Estou bem aqui.
- Eu sei, mas é preciso levantar.
- Levantar pra quê?
- Pra que, não. Por quê. Seu calção está molhado de
água do mar.
- Tem certeza que é água do mar?
- Tá na cara.
- Como tá na cara? Analisou?
Ferrou-se de paciência para responder:
- Olha, o senhor está de calção de banho, o senhor
veio da praia, que água pode essa que está pingando se não for água do mar? Só
se…
- Se o quê?
- Nada.
- Vamos, diz o que pensou.
- Não pensei nada. Digo que o senhor tem que
levantar porque seu calção está ensopado e vai fazendo uma lagoa aí embaixo.
- E daí?
- Daí, que é proibido.
- Proibido suar?
- Claro que não.
- Pois eu estou suando, sabe? Não posso suar
sentado, com esse calorão de janeiro? Tenho que suar de pé?
- Nunca vi suar tanto na minha vida. Desculpe, mas
a portaria não permite.
- Que portaria?
- Aquela pregada ali, não está vendo? “O
passageiro, ainda que com roupa sobre as vestes de banho molhadas, somente
poderá viajar de pé.”
- Portaria nenhuma diz que passageiro suado tem que
viajar de pé. Papo findo, tá bom?
- O senhor está desrespeitando a portaria e eu
tenho que convidar o senhor a descer do ônibus.
- Eu, descer porque estou suado? Sem essa.
- O ônibus vai parar e eu chamo a polícia.
- A polícia vai me prender porque estou suando?
- Vai botar o senhor pra fora porque é um…
recalcitrante.
O passageiro pulou, transfigurado: – O quê? Repita,
se for capaz.
- Re… calcitrante.
- Te quebro a cara, ouviu? Não admito que ninguém
me insulte!
- Eu? Não insultei.
- Insultou, sim. Me chamou de réu. Réu não sei o
quê, calcitrante, sei lá o que é isso. Retira a expressão, ou lá vai bolacha.
- Mas é a portaria! A portaria é que diz que o
recalcitrante…
- Não tenho nada com a portaria. Tenho é com você,
seu cretino. Retira já a expressão, ou…
Retira, não retira, o ônibus chegou ao meu destino
e eu paro infalivelmente no meu destino. Fiquei sem saber que conseqüências
físicas e outras teve o emprego da palavra “recalcitrante”.
Fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond de- De Notícias & Não-Notícias Faz-se a Crônica
-RJ: José Olympio, 1975.
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