domingo, 18 de junho de 2017

Conto = Stanislaw Ponte Preta

Paraíba


    Azevedo e Peçanha vestiram o paletó e desceram para a rua, na disposição de fazer uma farrinha.  Ainda no elevador, Azevedo fez ver a Peçanha que o laço de sua gravata estava um pouco frouxo. Peçanha agradeceu e ajeitou o laço.  Afinal, iam em demanda de uma aventura amorosa e a elegância era detalhe importante.
    Caminharam pela Avenida N. S. de Copacabana e foram subindo em direção ao Lido, conversando animadamente e só interrompiam a conversa quando passava uma moça.  Sozinha ou acompanhada, todas as moças que passavam por Azevedo e Peçanha ganhavam olhares pidões, tão comuns aos conquistadores baratos, de beira de calçada.
    Era sábado, dia em que se definem os que andam pela aí, caçando o amor.  Azevedo parou na esquina do Lido e perguntou para Peçanha:
    - Que tal se nós fôssemos até o “Alfredão”?
    Peçanha achou que lá havia sempre muita concorrência. As mulheres supostamente fáceis, quando há muita gente em volta, dando em cima, tornam-se superiores e esquivas, fazendo-se mais preciosas pela disputa de seus carinhos. Mas como Azevedo ponderasse que muito dos homens que vão ao “Alfredão” não chegam a ser propriamente homens. Peçanha concordou.
    Entraram no bar, Azevedo acendeu um charuto, ofereceu outro a Peçanha, que recusou com um gesto másculo.  Preferia cachimbo, que tirou do bolso e começou a encher de fumo, enquanto pediam algo para beber.  O garçom acabou partindo para ir buscar uísque puro, só com gelo e olhe lá.
    Uma garota de olheiras profundas passou pela mesa e Peçanha mexeu com ela.  A garota sorriu.  Então Azevedo convidou-a para tomar alguma coisa.  E como as demais pequenas que estavam no bar pareciam todas acompanhadas, ficou só aquela para ser dividida entre Azevedo e Peçanha.
    No fim de algum tempo, tanto Peçanha como Azevedo estavam caindo de tanta bebida.  Pagaram a conta.  Azevedo apagou o resto do charuto no cinzeiro e quis partir só, rebocando a pequena.  Peçanha estranhou a atitude de Azevedo, acabaram discutindo e começou o clássico festival de bolacha.  Entrou a turma do deixa-disso, veio o guarda e o resultado da farra ali estava: além da garota disputada a tapa, também foram parar no xadrez as duas brigonas.
    Sim, porque o nome todo de Azevedo é Maria Tereza Azevedo.  Quanto a Peçanha: Walquíria.  Walquíria Peçanha.

STANISLAW PONTE PRETA
PSEUDÔNIMO DE SÉRGIO PORTO

RIO DE JANEIRO-RJ,1923-1968

PRAIAS DE PERNAMBUCO = BRASIL























CONTO = Artur de Azevedo



As Paradas

O Norberto, que a princípio aceitou com entusiasmo as paradas dos bondes de Botafogo, é hoje o maior inimigo delas. Querem saber por quê? Eu lhes conto:
O pobre rapaz encontrou uma noite, na Exposição, a mulher mais bela e mais fascinante que os seus olhos ainda viram, e essa mulher - oh, felicidade!... oh, ventura!... -, essa mulher sorriu-lhe meigamente e com um doce olhar convidou-o a acompanhá-la.
O Norberto não esperou repetição do convite: acompanhou-a.
Ela desceu a Avenida dos Pavilhões, encaminhou-se para o portão, e saiu como quem ia tomar o bonde; ele seguiu-a, mas estava tanto povo a sair, que a perdeu de vista.
Desesperado, correu para os bondes, que uns seis ou sete havia prontos a partir, e subiu a todos os estribos, procurando em vão com os olhos esbugalhados a formosa desconhecida.
- Provavelmente foi de carro, pensou o Norberto, que logo se pôs a caminho de casa.
Deitou-se mas não pôde conciliar o sono: a imagem daquela mulher não lhe saía da mente. Rompia a aurora quando conseguiu adormecer para sonhar com ela, e no dia seguinte não se passou um minuto sem que pensasse naquele feliz encontro.
Daí por diante foi um martírio. O desditoso namorado começou a emagrecer, muito admirado de que lhe causassem tais efeitos um simples olhar e um simples sorriso.
Passaram-se alguns dias e cada vez mais crescia aquele amor singular, quando uma tarde - oh, que ventura!... oh, que felicidade!... -, uma tarde passeando no Catete, o Norberto vê, num bonde das Laranjeiras, a dama da Exposição. Ela não o viu.
O pobre-diabo fez sinal ao condutor para parar, mas por fatalidade o poste da parada estava muito longe e o bonde não parou. E não haver ali à mão um tílburi, uma caleça, um automóvel!...
O Norberto deitou a correr atrás do bonde, mas só conseguiu esfalfar-se. Que pernas humanas haverá tão rápidas como a eletricidade?
Esse novo encontro acendeu mais viva chama no peito do Norberto, e não tiveram conta os passeios que ele deu do Largo do Machado às Águas Férreas, na esperança de ver a sua amada e falar-lhe.
Oito dias depois, o Norberto percorria de bonde, pela centésima vez, as Laranjeiras, quando, nas alturas do Instituto Pasteur, viu passar - oh, felicidade!... oh, ventura!... -, viu passar na rua a mulher que tanto o sobressaltava.
- Pare! pare!... gritou ele ao condutor.
- Aqui não posso; vamos ao poste de parada!
O Norberto quis descer, mas a rapidez com que o bonde rodava era tamanha, que não se atreveu.
Chegando ao poste de parada, ele atirou-se à rua, e deitou a correr para o lugar onde vira a mulher, mas, onde estava ela? Tinha desaparecido!.
Aí está por que o Norberto é hoje o maior inimigo das paradas.

ARTUR DE AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA  =  1855 / 1908

POESIA = Bastos Tigre



O Beijo 


A namorada do Mário,
Lia - um anjo de inocência,
Para um caso de consciência
Vai consultar o vigário.

E, a face rubra de pejo,
Lhe pergunta se é pecado
Dar um beijo ao namorado,
Ou dele levar um beijo.

Diz o padre: - Um beijo apenas
É pecado, dos veniais,
Mas sendo dois, três ou mais
Merecem do inferno as penas.

Lia está de causar dó!
Pavor do inferno, bem vejo,
Ela bem sabe que o beijo
Não se dá nem leva um só...


 BASTOS TIGRE
RECIFE-PE  =  1882 / 1957

GRANDES PINTORES

ZHAO KAILIN = China, 1961












POESIA = Alberto da Cunha Melo

Temendo A Manhã


Não corras da manhã:
enquanto vivas,
ela te alcança
com sua ameaça
ou sua promessa;
enquanto vivas,
a manhã te persegue
com dedos de luz
invadindo teu quarto
por baixo da porta,
feito carta acesa,
gritos de crianças
ou buzinas da pressa,
que já te acordaram
para sua ameaça
ou sua promessa.

ALBERTO CUNHA MELO
JABOATÃO DOS GURARAPES-PE, 1942-2007


CONTO = Fernando Sabino

Conversinha Mineira


-- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo?
-- Sei dizer não senhor: não tomo café.
-- Você é dono do café, não sabe dizer?
-- Ninguém tem reclamado dele não senhor.
-- Então me dá café com leite, pão e manteiga.
-- Café com leite só se for sem leite.
-- Não tem leite?
-- Hoje, não senhor.
-- Por que hoje não?
-- Porque hoje o leiteiro não veio.
-- Ontem ele veio?
-- Ontem não.
-- Quando é que ele vem?
-- Tem dia certo não senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia que devia vir em geral não vem.
-- Mas ali fora está escrito "Leiteria"!
-- Ah, isso está, sim senhor.
-- Quando é que tem leite?
-- Quando o leiteiro vem.
-- Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê?
-- O quê: coalhada? Então o senhor não sabe de que é feita a coalhada?
-- Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite. Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade?
-- Sei dizer não senhor: eu não sou daqui.
-- E há quanto tempo o senhor mora aqui?
-- Vai para uns quinze anos. Isto é, não posso agarantir com certeza: um pouco mais, um pouco menos.
-- Já dava para saber como vai indo a situação, não acha?
-- Ah, o senhor fala da situação? Dizem que vai bem.
-- Para que Partido?
-- Para todos os Partidos, parece.
-- Eu gostaria de saber quem é que vai ganhar a eleição aqui.
-- Eu também gostaria. Uns falam que é um, outros falam que outro. Nessa mexida...
-- E o Prefeito?
-- Que é que tem o Prefeito?
-- Que tal o Prefeito daqui?
-- O Prefeito? É tal e qual eles falam dele.
-- Que é que falam dele?
-- Dele? Uai, esse trem todo que falam de tudo quanto é Prefeito.
-- Você, certamente, já tem candidato.
-- Quem, eu? Estou esperando as plataformas.
-- Mas tem ali o retrato de um candidato dependurado na parede, que história é essa?
-- Aonde, ali? Uê, gente: penduraram isso aí...

Texto extraído do livro "A Mulher do Vizinho",
Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1962, pág. 144.



 FERNANDO SABINO
BELO HORIZONTE  =  1923-2004