sábado, 22 de fevereiro de 2014

VÍDEO = Camille Saint Saëns


GRANDES PINTORES = Fernando Botero

FERNANDO BOTERO = Colômbia, 1932
 FERNANDO BOTERO 
FERNANDO BOTERO 
 FERNANDO BOTERO
 FERNANDO BOTERO
 FERNANDO BOTERO
 FERNANDO BOTERO
 FERNANDO BOTERO
FERNANDO BOTERO
FERNANDO BOTERO = Colômbia, 1932


PENSAMENTO-IMAGEM = Fernando Pessoa


PIADA = A Empregada


A patroa, depois de aguentar muitos desaforos, vira-se para a empregada:
- Cremilda, você está despedida!

- Mas, por que, dona Lúcia?

- O seu trabalho está cada dia pior. O pouco que faz, faz mal feito. Eu já estou farta disso. Toma aqui o seu dinheiro e vá embora!
A empregada pega o dinheiro, agradece e antes de sair tira uma nota de R$10 e joga para o cachorro.

- Mas que atrevimento! - brada a patroa - Jogar dinheiro para o cachorro.
- É que ele fez por merecer, dona Lúcia, já faz mais de um mês que é ele quem lava a louça!

POESIA = Olegário Mariano


 

Água Corrente 

Água corrente! Água de um rio quieto
Cortando a alma ignorada do sertão!
Levas à tona, aspecto por aspecto,
Os aspectos da vida em refração.

Água que passa... Sonho predileto
Do lavrador que lavra o duro chão.
Trazes-me sempre a evocação de um teto...
Água! Sangue da terra! Religião...

Há na tua bondade humana e leal,
Quando a roda maior moves do Engenho,
Qualquer bafejo sobrenatural...

Ouvindo ao longe, o teu magoado som,
Água corrente! eu me enterneço e tenho
Uma imensa vontade de ser bom...

OLEGÁRIO MARIANO
RECIFE-PE  =  1889-1958

 

 

CONTO = Rubem Fonseca


O Outro


Eu chegava todo dia no meu escritório às oito e trinta da manhã. O carro parava na porta do prédio e eu saltava, andava dez ou quinze passos, e entrava.
Como todo executivo, eu passava as manhãs dando telefone­mas, lendo memorandos, ditando cartas à minha secretária e me exasperando com problemas. Quando chegava a hora do almoço, eu havia trabalhado duramente. Mas sempre tinha a impressão de que não havia feito nada de útil.
Almoçava em uma hora, às vezes uma hora e meia, num dos restaurantes das proximidades, e voltava para o escritório. Havia dias em que eu falava mais de cinqüenta vezes ao telefone. As cartas eram tantas que a minha secretária, ou um dos assistentes, assinava por mim. E, sempre, no fim do dia, eu tinha a impressão de que não havia feito tudo o que precisava ser feito. Corria contra o tempo. Quando havia um feriado, no meio da semana, eu me irritava, pois era menos tempo que eu tinha. Levava diariamente trabalho para casa, em casa podia produzir melhor, o telefone não me chamava tanto.
Um dia comecei a sentir uma forte taquicardia. Aliás, nesse mesmo dia, ao chegar pela manhã ao escritório surgiu ao meu lado, na calçada, um sujeito que me acompanhou até a porta dizendo "doutor, doutor, será que o senhor podia me ajudar?". Dei uns trocados a ele e entrei. Pouco de­pois, quando estava falando ao telefone para São Paulo, o meu coração disparou. Durante alguns minutos ele bateu num ritmo fortíssimo, me deixando extenuado. Tive que deitar no sofá, até passar. Eu estava tonto, suava muito, quase desmaiei.
Nessa mesma tarde fui ao cardiologista. Ele me fez um exame minucioso, inclusive um eletrocardiograma de esforço, e, no final, disse que eu precisava diminuir de peso e mudar de vida. Achei graça. Então, ele recomendou que eu parasse de trabalhar por algum tempo, mas eu disse que isso, também, era impossível. Afinal, me prescreveu um regime alimentar e mandou que eu caminhasse pelo menos duas vezes por dia.
No dia seguinte, na hora do almoço, quando fui dar a caminhada receitada pelo médico, o mesmo sujeito da véspera me fez parar pedindo dinheiro. Era um homem branco, forte, de cabelos castanhos compridos. Dei a ele algum dinheiro e prossegui.
O médico havia dito, com franqueza, que se eu não tomasse cuidado poderia a qualquer momento ter um enfarte. Tomei dois tranqüilizantes, naquele dia, mas isso não foi suficiente para me deixar totalmente livre da tensão. À noite não levei trabalho para casa. Mas o tempo não passava. Tentei ler um livro, mas a minha atenção estava em outra parte, no escritório. Liguei a televisão mas não consegui agüentar mais de dez minutos. Voltei da minha caminhada, depois do jantar, e fiquei impaciente sentado numa poltrona, lendo os jornais, irritado.
Na hora do almoço o mesmo sujeito emparelhou comigo, pedindo dinheiro. "Mas todo dia?", perguntei. "Doutor", ele respondeu, "minha mãe está morrendo, precisando de remédio, não conheço ninguém bom no mundo, só o senhor." Dei a ele cem cruzeiros.
Durante alguns dias o sujeito sumiu. Um dia, na hora do almoço, eu estava caminhando quando ele apareceu subitamente ao meu lado. "Doutor, minha mãe morreu”. Sem parar, e apressando o passo, respondi, "sinto muito". Ele alargou as suas passadas, mantendo-se ao meu lado, e disse "morreu". Tentei me desvencilhar dele e comecei a andar rapidamente, quase correndo. Mas ele correu atrás de mim, dizendo "morreu, morreu, morreu", estendendo os dois braços contraídos numa expectativa de esforço, como se fossem colocar o caixão da mãe sobre as palmas de suas mãos. Afinal, parei ofegante e perguntei, "quanto é?". Por cinco mil cruzeiros ele enterrava a mãe. Não sei por que, tirei um talão de cheques do bolso e fiz ali, em pé na rua, um cheque naquela quantia. Minhas mãos tremiam. "Agora chega!”, eu disse.
No dia seguinte eu não saí para dar a minha volta. Almocei no escritório. Foi um dia terrível, em que tudo dava errado: papéis não foram encontrados nos arquivos, uma importante concorrência foi perdida por diferença mínima; um erro no planejamento financeiro exigiu que novos e complexos cálculos orçamentários tivessem que ser elaborados em regime de urgência. À noite, mesmo com os tranqüilizantes, mal consegui dormir.
De manhã fui para o escritório e, de certa forma, as coisas melhoraram um pouco. Ao meio-dia saí para dar a minha volta.
Vi que o sujeito que me pedia dinheiro estava em pé, meio escondido na esquina, me espreitando, esperando eu passar. Dei a volta e caminhei em sentido contrario. Pouco depois ouvi o barulho de saltos de sapatos batendo na calçada como se alguém estivesse correndo atrás de mim. Apressei o passo, sentindo um aperto no coração, era como se eu estivesse sendo perseguido por alguém, um sentimento infantil de medo contra o qual tentei lutar, mas neste instante ele chegou ao meu lado, dizendo, "doutor, doutor". Sem parar, eu perguntei, "agora o quê?". Mantendo-se ao meu lado, ele disse, "doutor, o senhor tem que me ajudar, não tenho ninguém no mundo". Respondi com toda autoridade que pude colocar na voz, "arranje um emprego". Ele disse, "eu não sei fazer nada, o senhor tem que me ajudar". Corríamos pela rua. Eu tinha a impressão de que as pessoas nos observavam com estranheza. "Não tenho que ajudá-lo coisa alguma", respondi. "Tem sim, senão o senhor não sabe o que pode acontecer", e ele me segurou pelo braço e me olhou, e pela primeira vez vi bem como era o seu rosto, cínico e vingativo. Meu coração batia, de nervoso e cansaço. "É a última vez", eu disse, parando e dando dinheiro para ele, não sei quanto.
Mas não foi a última vez. Todos os dias ele surgia, repentina­mente, súplice e ameaçador, caminhando ao meu lado, arruinando a minha saúde, dizendo é a última vez doutor, mas nunca era. Minha pressão subiu ainda mais, meu coração explodia só de pensar nele. Eu não queria mais ver aquele sujeito, que culpa eu tinha de ele ser pobre?
Resolvi parar de trabalhar uns tempos. Falei com os meus colegas de diretoria, que concordaram com a minha ausência por dois meses.
A primeira semana foi difícil. Não é simples parar de repente de trabalhar. Eu me senti perdido, sem saber o que fazer. Mas aos poucos fui me acostumando. Meu apetite aumentou. Passei a dormir melhor e a fumar menos. Via televisão, lia, dormia depois do almoço e andava o dobro do que andava antes, sentindo-me ótimo. Eu estava me tornando um homem tranqüilo e pensando seriamente em mudar de vida, parar de trabalhar tanto.
Um dia saí para o meu passeio habitual quando ele, o pedinte, surgiu inesperadamente. Inferno, como foi que ele descobriu o meu endereço? "Doutor, não me abandone!" Sua voz era de mágoa e ressentimento. "Só tenho o senhor no mundo, não faça isso de novo comigo, estou precisando de um dinheiro, esta é a última vez, eu juro!" — e ele encostou o seu corpo bem junto ao meu, enquanto caminhávamos, e eu podia sentir o seu hálito azedo e podre de faminto. Ele era mais alto do que eu, forte e ameaçador.
Fui na direção da minha casa, ele me acompanhando, o rosto fixo virado para o meu, me vigiando curioso, desconfiado, implacável, até que chegamos na minha casa. Eu disse, "espere aqui".
Fechei a porta, fui ao meu quarto. Voltei, abri a porta e ele ao me ver disse "não faça isso, doutor, só tenho o senhor no mundo". Não acabou de falar ou se falou eu não ouvi, com o barulho do tiro. Ele caiu no chão, então vi que era um menino franzino, de espinhas no rosto e de uma palidez tão grande que nem mesmo o sangue, que foi cobrindo a sua face, conseguia esconder.
 

RUBEM FONSECA
JUIZ DE FORA-MG  =  1925

VÍDEO = Fausto Papetti


PENSAMENTO-IMAGEM = Carl Jung


PIADA = Temporal


 
O sujeito morre tragicamente e, chegando no céu, Deus começa o interrogatório:
- Do que você morreu, meu filho?
- Ah, senhor... Foi por causa da enchente!
Enquanto o recém-chegado contava como foi sua morte, um outro cidadão do céu interrompeu:
- Enchente o cacete! Deve ter sido uma chuvinha bem mixuruca!
- Não! Foi enchente mesmo - disse o novo hóspede, indignado. - A cidade toda ficou debaixo d´água!
- O quê?! Você não sabe o que é uma chuva de verdade!
- Como não? Perdemos o carro, a casa e até algumas vidas por causa da enchente!
- Deixa de ser frouxo, rapaz. Chuvinha  besta...
O sujeito estava ficando muito nervoso, até que Deus não se conteve e interviu:
- Noé, deixa o cara contar a história dele em paz!

POESIA = José Abreu Albano


 

Soneto Pessimista

  
Poeta fui e do áspero destino
Senti bem cedo a mão pesada e dura.
Conheci mais tristeza que ventura
E sempre andei errante e peregrino. 

Vivi sujeito ao doce desatino
Que tanto engana, mas tão pouco dura;
E inda choro o rigor da sorte escura,
Se nas dores passadas imagino.

 Porém, como me agora vejo isento
Dos sonhos que sonhava noite e dia,
E só com as saudades me atormento;

 Entendo que não tive outra alegria
Nem nunca outro qualquer contentamento
Senão de ter cantado o que sofria.

 
JOSÉ ABREU ALBANO
FORTALEZA-CE  =  1882-1923

NELSON MANDELA


Sobre Ser Brilhante 

 

Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados.

Nosso medo mais profundo é que somos poderosos além de qualquer medida. É a nossa luz, não as nossas trevas,  o que mais nos apavora. Nós nos perguntamos:  Quem sou eu para ser Brilhante, Maravilhoso, Talentoso e Fabuloso? Na realidade, quem é você para não ser? Você é filho do Universo.

Se fizer pequeno não ajuda o mundo. Não há iluminação em se encolher, para que os outros não se sintam inseguros  quando estão perto de você. Nascemos para manifestar a glória do Universo que está dentro de nós. Não está apenas em um de nós: está em todos nós. E conforme deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo. E conforme nos libertamos do nosso medo,  nossa presença, automaticamente, libera os outros.

 

 

CONTO = Haroldo Barboza



Mordomia No Cemitério
 
 
Laura passou o lenço levemente sobre os olhos, tomando o cuidado de não prejudicar a sofisticada maquiagem que lhe consumiu 45 minutos pela manhã. De relance, observou sua sobrinha Delma ajeitando algumas flores no caixão de Tenório. Os murmúrios dentro da capela, giravam em torno da falta de sensibilidade do destino. Há mais de meia hora que todos comentavam:
- Que coisa triste, hein? Dr. Tenório, rico, apenas 46 anos, deixa dona Laura bonita e sozinha no Mundo (não tinham filhos). Será que ela vai se casar de novo?
Possui boas chances. Com 35 anos e herdeira de uma boa fortuna, em breve vai arranjar um bom e simpático sujeito e vai esquecer esta fatalidade!
Laura acenava e apertava diversas mãos (como seu marido tinha puxa-saco) com delicadeza, para não estragar o esmalte. Estava ansiosa por ver o caixão escorregar para a cova e dar logo início à sua nova vida ao lado do dr. Argus, o médico de "confiança" da família ! Ela iria na próxima semana para a Itália. E dentro de vinte ou trinta dias (quanta pressa), se encontraria com Argus na Holanda.
Lentamente ela deu quatro passos para a esquerda e quando teve certeza absoluta de que ninguém estava observando, sussurrou perto do amante:
- Tem certeza que a dose que colocou no vinho dele fez efeito ? Às vezes tenho a leve impressão de que ele está respirando fracamente.
- Calma, querida! Dentro de 15 minutos o caixão descerá e nossas angústias terminarão para sempre. Se estiver vivo, vai acordar lá embaixo ! Não pude exagerar na dose para que o médico que assinou o óbito não percebesse nada! Vá conversar um pouco com algumas daquelas velhotas para disfarçar. Relaxe...
Às 12:30 Laura sentou-se no sofá e pediu um conhaque a Delma, com duas pequenas pedras de gelo. Tirou os sapatos e tomou dois goles lentamente.
- Delma querida ! Onde está o celular ? Vou ligar logo para a agência de turismo e tentar marcar uma viagem para a Europa, para ver se consigo esquecer esta tristeza.
- Ah tia! Não zanga comigo. Aquele celular que meu amado tio Tenório adorava, ele um dia me pediu que se morresse, gostaria que eu o colocasse dentro do ...
O telefone tocou! Laura atendeu. Do outro lado, uma voz fina lhe perguntou:
- Estou falando com Mme. Laura Cardoso?
- Exatamente, respondeu ela!
- Meu nome é Afonso. Sou delegado da 5a. D.P. Recebi um telefonema estranho há pouco. Creio que é um trote de mal gosto, de um sujeito dizendo chamar-se Tenório Cardoso, que estava dentro de um caixão, pedindo que eu o tentasse libertar rápido, pois o ar talvez não fosse suficiente para mais de 2 horas. Por gentileza, a sra. me permite falar por dois minutos com seu marido?
 
HAROLDO BARBOZA
RIO DE JANEIRO-RJ  =  1915-1979
RAFAEL BARRADAS = Uruguay, 1890-1929
 RAFAEL BARRADAS 
RAFAEL BARRADAS 
 RAFAEL BARRADAS
RAFAEL BARRADAS 
RAFAEL BARRADAS 
 RAFAEL BARRADAS
 RAFAEL BARRADAS
RAFAEL BARRADAS = Uruguay, 1890-1929

VÍDEO = Mantovani


POESIA-IMAGEM = Ribeiro Couto


HUMOR











POESIA = Mário Quintana


Canção Do Dia De Sempre



Tão bom viver dia a dia…
A vida assim, jamais cansa…

 Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu…
 

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
 

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
 

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
 
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

 E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…
 

ALEGRETE-RS  =  1906-1994

 

PIADA = O Passarinho


Um motociclista passava com sua Kavasaki a 130 km/h por uma estrada deserta, quando inesperadamente dá de cara com um passarinho.
Ele tentou, mas não conseguiu esquivar-se e os dois se chocaram.
Pelo retrovisor, ele viu o coitado do bicho dando piruetas no asfalto até ficar estendido, se contorcendo. Não podendo conter o remorso, ele parou a moto e voltou para socorrer o bichinho, que estava inconsciente, quase morto.
Angustiado, o motociclista recolheu a pequena ave, comprou uma gaiolinha e a levou para casa, tendo o cuidado de deixar um pouquinho de pão e água para o pobre acidentado.
No dia seguinte, o passarinho recupera a consciência e ao despertar, vendo-se cercado pelas grades da gaiola, com o pedacinho de pão e a vasilha de água no canto, o bicho põe a mão, ou melhor, a asa na cabeça e diz:
— Puta que pariu, matei o motoqueiro e fui preso!

POESIA = Fernando Pessoa


Navegar É Preciso

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
 
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.
 
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
 
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
 
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça. 
 
FERNANDO PESSOA
PORTUGAL  =  1888-1935
 

CONTO = Humberto De Campos


O Ladrão Arrependido 
 

O delegado acabava de entrar, pendurando a bengala, o chapéu e o "cachenez", no cabide da repartição, quando o "prontidão" avisou estar no xadrez, à espera de interrogatório, um indivíduo preso na praça Tiradentes duas horas após o furto de um relógio.
— Manda-o subir... — ordenou a autoridade.
Ao fim de dois minutos, entrou na sala, custodiado por dois policiais, o autor do furto. Era um rapaz claro, de cabelo de fogo, rosto semeado de sardas, vestindo calça de casimira preta, paletó escuro, camisa sem gravata. A autoridade fechou a cara, improvisando uma fisionomia severa, e inquiriu:
— Foi o senhor que furtou este relógio?
— Foi, sim, senhor, - continuou, calmo, o rapaz.
— Sabe quem é o dono?
— Certo, certo, não sei, não, senhor. Só me lembro que era um sujeito de preto, que ia com uns embrulhos na mão.
— E ele não deu por falta do objeto?
— Parece que não. Quando o guarda me prendeu, eu estava junto do lampião, dando corda.
O delegado deixou passar um instante, e tornou:
— E o senhor não está arrependido de ter furtado esse relógio?
— Eu? Arrependidíssimo! — confirmou, com força, o ladrão.
E com ar de desprezo, o beiço torcido:
— Isso lá é relógio, "seu" doutor?! Em duas horas tive de dar corda nele três vezes!... Se o senhor ficar com ele vai se arrepender!
E encostou-se à parede, familiar.

HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA  =  1886-1934

VÍDEO = Fausto Papetti


 
 
DIEGO RIVERA = México, 1886-1957

 
 DIEGO RIVERA
 DIEGO RIVERA
 DIEGO RIVERA
DIEGO RIVERA 
DIEGO RIVERA 
 DIEGO RIVERA
 DIEGO RIVERA
 DIEGO RIVERA
DIEGO RIVERA =- México, 1886-1957

PIADA = Namoro No Carro


Pouco antes da meia-noite o guarda fazia sua ronda de cada dia (ou melhor, de cada noite) quando viu um carro parado em um local deserto, com os vidros embaçados.
Desconfiado, o guarda aproximou-se do veículo sorrateiramente. Quando dirigiu a luz da lanterna para dentro do carro, viu uma adolescente lendo um livro no banco de trás e um rapaz ao volante, ouvindo walkman.
- Quantos anos vocês têm e o que estão fazendo? - ele perguntou ao motorista.
- Eu tenho 19 anos - respondeu o rapaz - e estou ouvindo música!
- E ela, o que está fazendo? - indagou o guarda.
- Está lendo!
- E quantos anos ela tem?
- Daqui a 10 minutos terá 18!

PENSAMENTOS = Raul Brandão


 

“A vida é fictícia, as palavras perdem a realidade.  E no entanto esta vida fictícia é a única que podemos suportar. Estamos aqui como peixes num aquário. E sentindo que há outra vida ao nosso lado, vamos até à cova sem dar por ela. Estamos aqui a matar o tempo.”. 

* * * *

“Existe uma certa grandeza em repetir todos os dias a mesma coisa. O homem só vive de detalhes  e as manias têm uma força enorme:  são elas que nos sustentam. 

* * * *

“Desde que se cumpram certas cerimônias ou se respeitem certas formulas, consegue-se ser ladrão e escrupulosamente honesto - tudo ao mesmo tempo. A honradez deste homem assenta sobre uma primitiva infâmia. O interesse e a religião, a ganância e o escrúpulo, a honra e o interesse, podem viver na mesma casa, separados por tabiques. Agora é a vez da honra - agora é a vez do dinheiro - agora é a vez da religião. Tudo se acomoda, outras coisas heterogêneas se acomodam ainda. Com um bocado de jeito arranjas-lhes sempre lugar nas almas bem formadas”.

 * * * *

RAUL BRANDÃO
PORTUGAL, 1867-1930



POESIA = João De Deus


A Vida É O Dia De Hoje



A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;

A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave:

Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida - pena caída
Da asa da ave ferida
De vale em vale impelida
A vida o vento levou!

 JOÃO DE DEUS
PORTUGAL = 1830-1896

CONTO = Artur Azevedo


O Cuco


Não havia meio de conseguir que o Roberto ficasse uma noite em casa, fazendo companhia à senhora: havia de sair por força depois de jantar, sozinho, e só voltava às dez, às onze horas, e mesmo algumas vezes depois da meia-noite.
A senhora, que era uma santa, como todas as mulheres de maridos notívagos, não se lastimava, não pedia ao Roberto que a levasse consigo, não lhe perguntava, sequer, por onde tinha andado, quando o via chegar um pouco mais tarde, o que raras vezes acontecia, porque em regra, quando o cuco da sala de jantar dava dez horas, já ela, coitadinha!, estava ferrada no sono.
 
* * *
O cuco da sala de jantar era um dos mais curiosos que ficaram no Rio de Janeiro, do tempo em que foram moda: pertencera à avó de Roberto, e este por dinheiro nenhum se desfaria de tão preciosa relíquia de família, que era ao mesmo tempo saudosa recordação da infância.
As horas eram dadas por um pássaro mecânico. Saía este da sua gaiola, abria o bico e punha-se a cantar lentamente: - "Cuco, cuco, cuco..." O Roberto, em criança, imitava-o a ponto de enganar as pessoas de casa.
 
* * *
Uma noite foi o nosso herói ao Cassino Nacional, e deixou-se tentar por um amigo, que o convidou para cear com ele e duas chanteuses, uma gommeuse e outra excentrique.
Depois da ceia, o amigo partiu com uma delas para Citera, vulgo Copacabana, e o Roberto foi obrigado a acompanhar a outra a uma pensão da Praia do Russel.
Quando ele deu por si, eram quase quatro horas da madrugada! Oh, diabo!, a essa hora nunca entrara no lar doméstico!
Meteu-se num tílburi, que lhe apareceu providencialmente, e voou para casa. Abriu a porta com toda a cautela e antes de subir a escada, tirou as botinas, para não fazer bulha.
O seu quarto - seu e de sua esposa - era contíguo à sala de jantar tornava-se preciso atravessar esta para lá entrar.
Ele atravessou, mas, como estivesse no escuro, esbarrou numa cadeira, que caiu com estrondo.
Logo ouviu o Roberto a senhora remexer-se na cama e disse consigo:
- Sebo! lá acordei minha mulher!
Ela perguntou:
- És tu, Roberto?
- Sim, sou eu, sinhazinha.
E o marido acrescentou para si:
- Felizmente não sabe que horas são.
Mas, nisto, o cuco saiu da gaiola, e começou a cantar lentamente: "Cuco... cuco... cuco... cuco..."
- Estou perdido! - pensou o Roberto, mas uma idéia luminosa lhe atravessou de repente o cérebro, e quando o pássaro cantou pela quarta vez e voltou para a gaiola, ele continuou: "Cuco... cuco... cuco..." até completar onze cucos.
O próprio Roberto não sabia que ainda imitasse o pássaro com tanta perfeição.
- Onze horas - disse ele depois do décimo primeiro cuco -. Julguei que fosse mais cedo!
E começou a despir-se.
A santa senhora voltou-se para o outro lado e adormeceu de novo. Não deu pela coisa.

ARTUR AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA  =  1855-1908