sábado, 29 de março de 2014

VÍDEO = Robert Schumann


PENSAMENTOS = Honoré De Balzac



"A infelicidade tem isto de bom: faz-nos
conhecer os verdadeiros amigos."

"O homem começa a morrer na idade
em que perde o entusiasmo."

"O incapaz se cobre; o rico se enfeita; o presunçoso
se disfarça; o elegante se veste."

"O ódio, tal como o amor, alimenta-se com as menores
coisas,  tudo lhe  cai bem.  Assim como  a  pessoa
amada não pode fazer nenhum mal, a pessoa
odiada não pode fazer nenhum bem."

"A  maioria dos  dramas  está  nas ideias que  formamos
das coisas. Os  acontecimentos  que  nos  parecem
dramáticos  são apenas  assuntos  que a  nossa
alma converte em tragédia ou em comédia,
à mercê do nosso caráter. "

"A constância é o fundo da virtude."

"A maior felicidade para o ser humano é de
poder viver para aquilo pelo qual
estaria pronto a morrer."

 tão absurdo  dizer  que um  homem não  pode
amar  a  mesma  mulher toda  a vida,  quanto
dizer que um violinista precisa de diversos
violinos para tocar a mesma música."



POESIA = Joaquim Cardoso


Velhas Ruas

 
Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Escuras e estreitas, humildes pardieiros
Quanta gente esquecida e abandonada!
 
As varandas se alongam
Num gesto atento e imóvel de quem espreita
Rumor, sombra de passos que passaram,
Tato de mãos ligeiras invisíveis.
Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Refúgio do valor desviado e da coragem anônima,
Sombra indulgente para os malfeitores,
De quem ocultais os crimes
E a quem dais generosas
Nos momentos de paz um conselho materno.
Comovida e cristã sabedoria,
Espírito coletivo das gerações passadas,
Estes muros que a ferrugem da noite rói sugerem
O velado esplendor espiritual dos conventos,
O ritmo das coisas imperfeitas,
A volúpia da humildade. 

Trêmula, dos lampiões
Desce uma luz de pecado e remorso,
E o Cais do Apolo acende os círios
Para velar de noite o cadáver do rio.

  
JOAQUIM CARDOZO
RECIFE-PE  =  1897-1978

 

POESIA-IMAGEM = Fernando Pessoa


CRÔNICA - Lima Barreto


Elogio Da Morte



Não sei quem foi que disse que a Vida é feita pela Morte. É a destruição contínua e perene que faz a vida.
A esse respeito, porém, eu quero crer que a Morte mereça maiores encômios.
É ela que faz todas as consolações das nossas desgraças; é dela que nós esperamos a nossa redenção; é ela a quem todos os infelizes pedem socorro e esquecimento.
Gosto da Morte porque ela é o aniquilamento de todos nós; gosto da Morte porque ela nos sagra. Em vida, todos nós só somos conhecidos pela calúnia e maledicência, mas, depois que Ela nos leva, nós somos conhecidos (a repetição é a melhor figura de retórica), pelas nossas boas qualidades.
É inútil estar vivendo, para ser dependente dos outros; é inútil estar vivendo para sofrer os vexames que não merecemos.
A vida não pode ser uma dor, uma humilhação de contínuos e burocratas idiotas; a vida deve ser uma vitória. Quando, porém, não se pode conseguir isso, a Morte é que deve vir em nosso socorro.
A covardia mental e moral do Brasil não permite movimentos. de independência; ela só quer acompanhadores de procissão, que só visam lucros ou salários nos pareceres. Não há, entre nós, campo para as grandes batalhas de espírito e inteligência. Tudo aqui é feito com o dinheiro e os títulos. A agitação de uma idéia não repercute na massa e quando esta sabe que se trata de contrariar uma pessoa poderosa, trata o agitador de louco.
Estou cansado de dizer que os malucos foram os reformadores do mundo.
Le Bon dizia isto a propósito de Maomé, nas suas Civilisation des arabes, com toda a razão; e não há chanceler falsificado e secretária catita que o possa contestar..
São eles os heróis; são eles os reformadores; são eles os iludidos; são eles que trazem as grandes idéias, para melhoria das condições da existência da nossa triste Humanidade.
Nunca foram os homens de bom senso, os honestos burgueses ali da esquina ou das secretárias chics que fizeram as grandes reformas no mundo.
Todas elas têm sido feitas por homens, e, às vezes mesmo mulheres, tidos por doidos.
A divisa deles consiste em não ser panurgianos e seguir a opinião de todos, por isso mesmo podem ver mais longe do que os outros.
Se nós tivéssemos sempre a opinião da maioria, estaríamos ainda no Cro-Magnon e não teríamos saído das cavernas.
O que é preciso, portanto, é que cada qual respeite a opinião de qualquer, para que desse choque surja o esclarecimento do nosso destino, para própria felicidade da espécie humana.
Entretanto, no Brasil, não se quer isto. Procura-se abafar as opiniões, para só deixar em campo os desejos dos poderosos e prepotentes.
Os órgãos de publicidade por onde se podiam elas revelar, são fechados e não aceitam nada que os possa lesar.
Dessa forma, quem, como eu nasceu pobre e não quer ceder uma linha da sua independência de espírito e inteligência, só tem que fazer elogios à Morte.
Ela é a grande libertadora que não recusa os seus benefícios a quem lhe pede. Ela nos resgata e nos leva à luz de Deus.
Sendo assim, eu a sagro, antes que ela me sagre na minha pobreza, na minha infelicidade, na minha desgraça e na minha honestidade.
Ao vencedor, as batatas!



LIMA BARRETO
RIO DE JANEIRO-RJ  =  1881–1922

 

PENSAMENTOS = George Bernard Shaw




"Liberdade significa responsabilidade. É por
isso que tanta gente tem medo dela."



"As pessoas que sobem neste mundo são as pessoas
que se levantam e procuram o que querem, e
que, se não o encontrarem, fazem-no."


"Os animais são meus amigos e eu não
me alimento dos meus amigos."


"É impossível haver progresso sem mudanças,
e  quem  não  consegue  mudar a  si
mesmo não muda coisa alguma."



"Se  você  tem  uma  maçã  e  eu  tenho  uma  maçã,
e  nós  trocamos  as  maçãs, então  você  e  eu
ainda teremos uma maçã. Mas se você tem
uma ideia e eu tenho uma ideia, e nós
trocamos essas ideias, então cada
um de nós terá duas ideias."



"As pessoas sempre põem a culpa nas circunstâncias
por serem quem são. Não acredito em circunstância:
os indivíduos de sucesso são aqueles que saem e
procuram as condições que desejam; e, se
não as encontram, criam-nas."
 

"Uma vida gasta cometendo erros não é mais
honrada, mas é mais útil do que uma
vida gasta fazendo nada."



 

GRANDES PINTORES

NATALIA GONCHAROVA = Rússia, 1881-1962
 NATALIA GONCHAROVA
 NATALIA GONCHAROVA
 NATALIA GONCHAROVA 
 NATALIA GONCHAROVA
 NATALIA GONCHAROVA
 NATALIA GONCHAROVA
 NATALIA GONCHAROVA
 NATALIA GONCHAROVA
NATALIA GONCHAROVA = Rússia, 1881-1962

VÍDEO = Julius Fucik


POESIA = Solano Trindade



Desci à praia
Para ver o homem do mar,
E vi que o homem
É maior que o mar

Subi ao monte
Pra ver o homem da terra,
E vi que o homem
É maior que a terra

Olhei para cima
Para ver o homem do céu,
E vi que o homem
É maior que o céu.

SOLANO TRINDADE
RECIFE-PE  =  1908-1974

POESIA = Fernando Pessoa


Sonhe 


"Sonhe com as
estrelas, apenas sonhe,
elas só podem brilhar no céu.

Não tente deter o vento,
ele precisa correr por toda parte,
ele tem pressa de chegar, sabe-se lá aonde.

As lágrimas?
Não as seque,
elas precisam correr na minha,
na sua, em todas as faces.

O sorriso!
Esse, você deve segurar,
não o deixe ir embora, agarre-o!

Persiga um sonho,
mas, não o deixe viver sozinho.

Alimente a sua alma com amor,
cure as suas feridas com carinho.

Descubra-se todos os dias,
deixe-se levar pelas vontades,
mas, não enlouqueça por elas.

Abasteça seu coração de fé,
não a perca nunca.

Alague seu coração de esperanças,
mas, não deixe que ele se afogue nelas.

Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-as.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!

Circunda-se de rosas, ama, bebe e cala.
O mais é nada".

 
PORTUGAL  =  1888-1935

POESIA = Auta De Souza


 

Caminho Do Sertão

 


Tão longe a casa! Nem sequer alcanço 

Vê-la através da mata. Nos caminhos 

A sombra desce; e, sem achar descanso, 

Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos! 

É noite já. Como em feliz remanso, 

Dormem as aves nos pequenos ninhos... 

Vamos mais devagar... de manso e manso, 

Para não assustar os passarinhos. 

Brilham estrelas. Todo o céu parece 

Rezar de joelhos a chorosa prece 

Que a noite ensina ao desespero e à dor... 

Ao longe, a Lua vem dourando a treva... 

Tu imenso para Deus eleva 

O incenso agreste da jurema em flor.

 
AUTA DE SOUZA
MACAÍBA-RN  =  1876-1901

CONTO = Artur Azevedo


O Galo



A cena passa-se na roça, a uma légua da estação menos importante da Estrada de Ferro Leopoldina, lugarejo sem denominação geográfica, mas que pertence ao município do Rio Bonito, e aqui o digo, para que os leitores não suponham que estou inventando uma historieta.
Havia no lugarejo em questão uma palhoça habitada por dois roceiros, marido e mulher, que todos os domingos iam à povoação mais próxima vender os produtos da sua pequena roça e ouvir missa. Assim atamancavam eles a vida, pedindo a Deus que não lhes desse muita fazenda mas lhes conservasse a saúde.
Ora, um belo dia a saúde desapareceu: o marido, apesar de ter a resistência de um touro, foi para a cama atacado por umas cólicas terríveis, que o faziam ver estrelas.
A mulher, coitada!, estava sem saber o que fizesse, pois que já havia em vão experimentado todas as mesinhas caseiras, quando ali passou por acaso, ao trote do seu jumento, o Dr. Marcolino, que exercia a medicina ambulante numa zona de muitas léguas. A roceira agradeceu a Providência que lhe enviava o doutor e pediu a este que examinasse o doente e o pusesse bom o mais baratinho que lhe fosse possível.
O Dr. Marcolino apeou-se, entrou na palhoça, examinou o enfermo, auscultou-o, martelou-lhe o corpo inteiro com o nó do dedo grande e explicou a moléstia com palavras difíceis que aquela pobre gente não entendeu. Depois, abriu o saco de viagem que levava à garupa do animal, tirou alguns vidros, de cujo conteúdo derramou algumas gotas num copo d'água, e disse doutoralmente: - Aqui fica esta poção para ser tomada de três em três horas.
- Ah! seu doutor, nós aqui não podemos contar as horas, porque não temos relógio!
- Regulem-se pelo sol. O sol é um excelente relógio quando não chove e o tempo está seguro.
- Não sei disso, seu doutor, não entendo do relógio do sol...
- Nesse caso não sei como... Ah!...
Este ah!, com que o doutor interrompeu o que ia dizendo, foi produzido pela presença de um galo que passava no terreiro, majestosamente.
- Ali está um relógio, continuou o doutor: aquele galo. Todas as vezes que ele cantar, dê-lhe uma colher do remédio. E adeus! Não será nada: Depois de amanhã voltarei para ver o doente.
Foi-se o médico, e daí a dois dias voltou ao trote do seu jumento.
Quem o recebeu foi o marido: - Que é isto?... já de pé...
- Sim, senhor: estou completamente bom, não tenho mais nada. E não sei como agradecer...
Mas a mulher interveio com ar magoado:
- Sim, ele não tem mais nada, mas o pobre galo morreu.
- Morreu? Por quê?.
- Não sei, doutor... ele bebeu todo o remédio.
- Quem?... o galo?...
- Sim, senhor; todas as vezes que ele cantava, eu, segundo a recomendação do doutor, abria-lhe o bico, e derramava-lhe uma colher da droga pela goela abaixo! Que pena! Era um galo tão bonito!



ARTUR DE AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA  =  1855 / 1908

VÍDEO = Helmut Zacharias


HUMOR











POESIA = Austro Costa


Arrabalde

 
No Arrabalde o domingo é uma ternura mística.

Padrinho Sol tudo abençoa,
Madrinha Tarde tem afagos de Avozinha.

Passam meninos, menininhos:
Vão à lição de Catecismo.

(O Senhor Vigário prometeu fotografar o grupo,
e os menininhos vão contentes
como para a primeira Comunhão.)

Passam, também, mocinhas pálidas
que freiras tristes acompanham.
São as órfãs do Asilo.
Vão receber a bênção do Santíssimo.

Branca, branquinha ao longe é um cromo,
um cromo ingênuo em cores mansas,
a igrejinha do Arrabalde.

O sino chama, docemente.
A Hora é suave. Tudo é suave...
E as asiladas, no seu passo de renúncia,
lá se vão no candor que a Tarde envolve...

Os cães não ladram: correm, brincam.
As galinhas passeiam gravemente.

No adro da igreja, na grama fofa,
o carneiro do Senhor Vigário
rumina, gordo como um franciscano.

Bananeiras balançam sombras
por sobre os muros carcomidos.

E, pelos muros carcomidos,
na rua ingênua do Arrabalde,
as lagartixas cumprimentam.

 

AUSTRO COSTA
LIMOEIRO-PE  1899-1953

 

POESIA = Augusto Dos Anjos


Ceticismo

 

Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.
 

Da Igreja - a Grande Mãe - o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:
 

- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel qual me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.
 

Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva p’ra morrer na terra,
Não sei se morra p’ra viver no Céu!

  

AUGUSTO DOS ANJOS
CRUZ DO ESPÍRITO SANTO-PB  =  1884-1914



 

CONTO = Anton Tchekhov


A Obra De Arte (*)

 
Sacha Sminorf, filho único de sua mãe, entrou no consultorio do dr. Cochelkof levando debaixo do braço um embrulho de jornal. "Olá, amiguinho! - saudou o doutor. Como vai passando? Está bem?"
Sacha, virando os olhos, a mão colocada sobre o peito, respondeu-lhe com voz agitada:
"Minha mãe manda-lhe suas saudações... Sou filho unico de minha mãe e o senhor salvou-me a vida, curando-me de uma moléstia perigosa... Não sabemos como demonstrar nosso agradecimento."
"Está bem, está bem, amiguinho! - interrompeu o doutor satisfeito. Fiz o que qualquer outro teria feito em meu lugar."
"Sou filho único de minha mãe... Somos gente pobre e não dispomos de meios suficientes para remunerá-lo pelo trabalho... Estamos muito envergonhados... Todavia... mamãe e eu... filho único e minha mãe... rogamos aceitar este objeto como testemunho de nosso agradecimento... É um objeto caro... de bronze antigo... uma obra de arte..."
"Para que? Não é preciso" - interrompeu o doutor.
"O senhor não pode negar-nos este favor - replicou Sacha, desfazendo o embrulho. Seria desgostar mamãe e a mim... É uma coisa linda... uma antiguidade... Herdamo-la de papai e ficou guardada como recordação... Meu pai comprava antiguidades, revendendo-as a colecionadores... Minha mãe e eu trabalhamos com isso agora."
Sacha desembrulhou o objeto, colocando-o triunfalmente sobre a mesa. Era uma candelabro de bronze antigo e trabalhado artisticamente, apresentando duas mulherzinhas, completamente despidas, em umas posturas que não posso descrever por falta de engenho e arte. As mulherzinhas sorriam e pareciam, não fosse a obrigação de sustentar as palmas, querer saltar do pedestal e armar um escândalo superior a qualquer imaginação.
O doutor lançou um olhar ao presente e coçou a cabeça:
"É, na realidade, uma obra de arte, mas... é demais. A expressão destas mulheres é licenciosa ao extremo..."
"Por que o entende assim, senhor?"
"O diabo em pessoa não teria executado tal coisa. Colocar isto em cima de uma mesa é macular toda a casa."
"Que maneira de julgar a arte, doutor? - replicou Sacha. É elevadamente artístico, repare bem. Tem tanta beleza, que a alma se eleva às regiões da imortalidade... Contemplando semelhante obra de arte esquece-se tudo que é terrestre... Olhe, olhe quanta vida, quanta expressão!..."
"Tudo isto compreendo e vejo perfeitamente - interrompeu o doutor. Porem, meu amigo, alem de ser pai de família, aqui vêm crianças, entram senhoras..."
"Naturalmente. Para o povo talvez esta obra de arte tenha outra significação. Mas o senhor, doutor, deve considerá-la acima do vulgar; alem disso, recusando este presente, ofenderá minha mãe e eu. Sou filho único de minha mãe... O senhor salvou-me a vida... Entregamos-lhe o objeto mais precioso que temos, lamentando ainda faltar-nos o outro par..." "Agradecido, meu amigo; Muito obrigado mesmo... Meus respeitos à sua mãe. Contudo, na realidade, ponha-se na minha situação: os meninos brincam aqui, as senhoras vêm... Bem, deixe-o!... Você não compreende..."
"Muito bem - exclamou Sacha satisfeito. Ponha o candelabro aqui, ao lado deste jarro. Que pena faltar o par! Que lastima! Adeus, doutor!"
Ao ficar só, o doutor permaneceu longo tempo, passando a mão pela fronte, a refletir.
"Não há dúvida de que é uma obra de arte. Seria uma pena levá-la... Hum!... É um problema... A quem a darei?"
Depois de muito pensar, lembrou-se de seu amigo, o advogado Uhof, a quem devia por lhe haver ganho um processo.
"Ótimo! - exclamou. Não quererá, como amigo, cobrar em dinheiro e seria acertado presenteá-lo com isto. Levar-lhe-ei agora mesmo essa diabrura. Com ele ficará a propósito, pois é solteiro e malandro..."
O doutor vestiu-se imediatamente, embrulhou o candelabro e dirigiu-se para a casa do amigo.
"Olá! - disse ao entrar. Alegro-me de o haver encontrado em casa... Vinha agradecer-lhe pelo trabalho... e, já que não quer receber honorários, aceite este objeto. Tome!... É admirável!...
Uhof ficou encantado com o presente.
"Uma jóia! - disse rindo. Que demônios! Quem inventou isto? Magnífico! Soberbo! Onde o encontrou?"
Depois de se haver extasiado, Uhof olhou medrosamente a porta, acrescentando:
"É admirável, mas não posso ficar com o seu presente. Não posso aceitá-lo." "Por quê?"- inquiriu assustado o doutor.
"Porque... minha mãe vem aqui... vêm clientes... e, alem do mais, envergonhar-me-ia até perto dos criados."
"Oh!... Você não pode me fazer uma coisa destas! - exclamou o doutor agitando os braços. Uma obra de arte!... Veja que movimento... que expressão!... Recusando, ficarei ofendido..."
"Se elas tivessem, ao menos, umas folhinhas..."
Mas o doutor não o escutava. Moveu a mão em sinal de despedida e, satisfeito, deixou o advogado. Voltou para casa encantado por livrar-se do presente. Ao encontrar-se só, o advogado contemplou o candelabro pelos quatro lados; tocou-o e, como o doutor, ficou longo tempo pensando no que faria com aquilo.
"É uma magnífica obra de arte! Como sinto não ficar com ela! Mas, como vou guardá-la? O melhor seria dá-la a alguém... Já encontrei. Já encontrei! À noite dá-la-ei de presente ao cômico Chachkin, que estreará hoje."
Naquela mesma noite o candelabro foi entregue ao cômico Chachkin, cujo camarim foi tomado de assalto pelos espectadores, que vinham felicitá-lo pela interpretação da peça, em murmúrios e risos semelhantes a relinchos de cavalos. Quando alguma das artistas se aproximava e batia na porta, perguntando se podia entrar, o cômico invariavelmente respondia: "Não, menina, não! Estou me vestindo..." Depois do espetáculo o cômico esfregava as mãos e encolhia os ombros, perguntando-se:
"Que farei com esta droga? Vivo em uma casa particular e recebo artistas. Se fosse uma fotografia, seria possivel ocultá-la numa das gavetas da escrivaninha..."
"Venda-a, senhor!" - Aconselhou o barbeiro ajudando-o a vestir-se. Aqui perto mora uma velha que compra antiguidades... pergunte por Smirnova: é muito conhecida."
Assim fez o cômico. Dois dias depois, o doutor Cochelkof estava em seu consultório a reflexionar sobre os ácidos biliosos, quando a porta se abriu com estrondo, dando passagem a Sacha Smirnof. Toda sua figura resplandecia de felicidade... Em uma das mãos trazia alguma coisa embrulhada em jornais:
"Doutor! - disse radiante. Imagine a minha alegria! Encontramos o par do seu candelabro. Minha mãe está absolutamente feliz... Sou filho único de minha mãe... O senhor salvou-se a vida."
Sacha, cheio de agradecimento, colocou o candelabro diante do doutor, boquiaberto. Quis dizer alguma coisa, mas não pôde pronunciar sequer uma palavra: aturdira-se por completo, paralisado.

(*) Publicado na Folha da Manhã (São Paulo) em 4 de maio de 1952.
Mantida a grafia original

ANTON TCHEKHOV
RÚSSIA  =  1860-1904

PIADA


Como Explicar Sem Ofender

Um homem de 85 anos estava fazendo seu check-up anual e o médico perguntou como ele estava se sentindo:
- Nunca me senti tão bem - respondeu o velho. Minha nova esposa tem 18 anos e está grávida, esperando um filho meu. Qual a sua opinião a respeito, doutor? 
O médico refletiu por um momento e disse:
- Deixe-me contar-lhe uma estória:
- Eu conheço um cara que era um caçador fanático, nunca perdeu uma estação de caça.
Mas, um dia, por engano, colocou seu guarda-chuva na mochila em vez da arma.
Quando estava na floresta, um urso repentinamente apareceu na sua frente.
Ele sacou o guarda-chuva da mochila, apontou para o urso e... BANG..... o urso caiu morto.
- HA! HA! HA! Isto é impossível - disse o velhinho.
- Algum outro caçador deve ter atirado no urso.
- Exatamente !!!