SÃO LUÍS-MA =
1855-1908
Elefantes E Ursos
Era uma delícia ouvir o coronel Ferraz
contar as suas façanhas de caça; mas ele só vibrava, e só era verdadeiramente
genial a inventar carapetões quando tinha um bom auditório, quando via em volta
de si olhos espantados e bocas abertas.
Dizem que na intimidade, conversando
com um amigo, ou mesmo dois, era incapaz de pregar uma peta.
Ora, uma ocasião estava ele no meio de
um grupo de vinte pessoas, em que estavam representados ambos os sexos e todas
as idades.
As palavras do coronel, proferidas com
aquela voz reboante e áspera, feita para comandar exércitos, eram avidamente
bebidas. Apenas um rapaz do grupo, o Miranda, o maior estróina que Deus pusera
no mundo, tinha na fisionomia um ar de mofa e parecia não tomar a sério as
proezas cinegéticas do nosso herói.
Mas isso não foi nada – dizia este
retorcendo as pontas dos seus enormes bigodes grisalhos. – Isso não foi nada à
vista do que me aconteceu numa aldeia do Ganges, aonde me levou a minha vida
aventurosa. Um casal de elefantes corria atrás de um moço que lhes maltratara o
filho, um elefantinho deste tamanho (e o coronel indicou o tamanho de um
elefantão). O macho ia atingir o moço com a tromba, quando o abati com um tiro
da minha espingarda, que nunca falhou. Mas restava a fêmea… A arma estroa
descarregada, mas eu, carioca da gema, lembrei-me do nosso jogo de capoeira, e
passei-lhe uma rasteira tão na regra, que a prostrei por terra! Antes que se
erguesse aquela pesada massa, tive tempo de carregar a espingarda e mandá-la
passear no outro mundo. O moço estava salvo.
Houve no auditório um murmúrio de
admiração. O coronel continuou:
- O moço, mal o sabia eu, era um
príncipe, filho de um rajá, ou coisa que o valha, muito estimado na localidade:
por isso, ergueram sobre o corpo do elefante macho uma espécie de trono em que
me colocaram, deram-me a beber um licor sagrado, investiram-me não sei de que
dignidade oficial, e fizeram-me assistir a umas danças intermináveis. Foi uma
festa a que concorreram mais de vinte mil pessoas.
Passado o frêmito do auditório, o
Miranda tomou a palavra:
- O coronel foi mais feliz no Ganges do
que eu em Ceilão.
- Você já esteve em Ceilão? – perguntou
o coronel.
- Ora! Onde não tenho estado? Um dia,
estando a caçar – sim, porque também sou caçador! – saiu-me pela frente um
enorme urso, que avançou para mim. Quis levar a mão à espingarda, mas tremia
tanto, que não consegui pegá-la. E o urso a avançar! Nisto, senti um bafo no
meu cachaço. Olhei para trás: era outro urso, de goela aberta e dentes
arreganhados!
- E que fez você? – perguntou o
coronel, interessado deveras.
- Não fiz nada – respondeu o Miranda. –
Fui comido!
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