R U B E M B R A G A
CACHOEIRO
DO ITAPEMIRIM-ES = 1913-1990
A Mulher Esperando O Homem
O tema da mulher esperando o homem há muito, muito tempo me
fascina; sei que é velho, já serviu para sonetos, contos, páginas de romance,
talvez quadro de pintura, talvez música. E eu que não sei fazer nada disso sou,
entretanto, perseguido por histórias de sua mulher esperando homem, das mais
banais às mais terríveis.
Agora mesmo, quando passou o aniversário da revolução
húngara, eu me lembre que entre todos os relatos, alguns dolorosos, horríveis,
de gente que fugiu da Hungria, havia o de uma mulher que contou com
simplicidade a sua história; e foi o que mais me impressionou quando o li, de
madrugada, no meu quarto de hotel em Nova York. O marido saíra para a revolução
e lhe disse que ela não saísse de casa de maneira alguma, esperasse sua volta.
Chegou a noite e ele não veio; no outro dia entraram na rua tanques russos
atirando, e veio outra vez a noite, e veio outro dia, e veio outra noite, e ela
esperando; cochilava um pouco sentada, acordava assustada julgando ouvir os
passos ou a voz dele, até que chegou por um parente a noticia de que ele
morrera.
Ela então saiu de casa e – “como eu não tinha mais nada que
esperar”, segundo disse – fugiu para a fronteira da Áustria.
Não sei por quê, achei que essa mulher sentiu um alívio ao
saber que não devia esperar mais; acontecera, naturalmente, o pior. Mas a
angústia de esperar cessara.
O homem ausente era como um carcereiro que a prendia no lar
transformado em câmara de torturas. Ela agora estava desgraçada, mas livre.
Mas não é preciso haver guerra nem nenhum perigo; nesta
madrugada em que escrevo, em Ipanema, quantas mulheres não estarão esperando os
maridos? Aquela pequena luz acesa em um edifício distante é talvez o apartamento
da mulher insone que já telefonou meio envergonhada para várias casas amigas
perguntando pelo marido, que já olhou o relógio vinte vezes e tomou comprimido
para dormir, ligou a Rádio Relógio, tentou ler uma revista velha, fumou quase
um maço de cigarros.
Não importa que seja a esposa vulgar de um homem vulgar; e
que no fim a história do atraso dele seja também completamente vulgar. Neste
momento ela é a mulher esperando o homem; e todas as mulheres esperando seus
homens se parecem no mundo, e se ligam por invisível túnel de solidariedade que
atravessa as madrugadas intermináveis.
Todas: a mulher do pescador, a mulher do aviador, e a do
revisor de jornal, a do milionário e a do ministro protestante…
Devia haver um santo especial para proteger a mulher
esperando o homem, devia haver uma oração forte para ela rezar; ela está
desamparada no centro de um mundo vazio.
Ela começa a odiar os móveis e as paredes; a torneira da
pia lhe parece antipática; a geladeira, que aliás precisa ser pintada, é
estúpida, porque ronca de repente e depois o silêncio é mais quieto. A cama é
insuportável.
Devia haver um número de telefone especial para a mulher
que está esperando o homem chamar, reclamar providências, ouvir promessas,
insistir, tocar outra vez, xingar, bater com o fone. Devia haver funcionários
especiais, capazes de abastecer essa mulher de esperança de quinze em quinze
minutos, jurar que todas as providências já foram tomadas, “estamos seguros que
dentro de poucos minutos teremos alguma coisa a dizer à senhora…”
E diria que pelo menos no necrotério ele não está, nem no
pronto-socorro, nem em delegacia nenhuma; mas não diria isso de uma só vez, e
sim através de informes espaçados, que fossem formando etapas de ansiedades,
que quadriculassem lentamente a insônia.
A mulher que está esperando o homem está sujeita a muitos
perigos entre o ódio e o tédio, o medo, o carinho e a vontade de vingança.
Se um aparelho registrasse tudo o que ela sente e pensa
durante a noite insone, e se o homem, no dia seguinte, pudesse tomar
conhecimento de tudo, como quem ouve uma gravação numa fita, é possível que ele
ficasse pálido, muito pálido.
Porque a mulher que está esperando o homem recebe sempre a
visita do Diabo, e conversa com ele. Pode não concordar com o que ele diz, mas
conversa com ele.
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