sábado, 30 de março de 2013
CRÔNICA = Vinícius de Moraes
VINICIUS DE MORAES
RIO DE JANEIRO-RJ =
1913-1980
O Bom E O Mau Fã
Crônica
de 1943
Ser bom fã
não é só gostar de ir ao cinema. (O sertanejo é, antes de tudo, um forte.) É
preciso também saber ir ao cinema. O sujeito, por exemplo, que senta muito longe
da tela, tem para mim o estigma do mau fã. A dignidade é sentar nas dez
primeiras filas, variando a distância conforme o cinema a que se vai. No Metro,
a boa fila é a quinta. Distância justa, a imagem bem no foco visual; perfeito.
Já no São Luís gosto mais da terceira. São coisas. Agora: da décima fila para
trás é positivamente indigno. Esses sujeitos então — a não ser em casos de
força maior — que sentam lá nas cadeiras do fundo, me dão sempre uma impressão
suspeita de que vieram ali para fazer quinta-coluna. Há, desses, uns fabulosos.
Primeiro, se instalam para acomodar a vista. Pouco a pouco vão saltando, tal
salmões, ao sabor das tentativas escusas junto às nereidas solitárias, até as
filas da frente. Aboletam-se por várias vezes ao lado de inúmeras senhoras.
Agora, o grande traço do mau fã é falar no cinema. O indivíduo, ou indivídua,
que fala durante a projeção, merece a forca. E os há de variegadas espécies. Há
os que lêem alto os letreiros, e esses são a peste. Há os sonambúlicos, que
murmuram contra o vilão, torcem pelo “mocinho”, avisam o herói do perigo que o
espreita, engrolam pequenas frases a propósito de determinadas atitudes da
heroína. São fãs idióticos, menos cacetes, às vezes até gozados. No entanto,
dentro do tipo em epígrafe, o mais irritante é o que chuchota histórias que
nada têm a ver com o que se está passando ali. É uma especialidade de mulheres,
que vão com amigas ao cinema, para fazer hora. “Porque dona fulaninha disse,
patatá-patatá, nhé-nhé-nhé, au-au-au, ela está com um vestido, minha filha, um
AMORR!” Aí a gente vira a cabeça para trás, olha a faladeira, pensa mal dela,
pigarreia e volta à posição normal. O cacarejo se smorza, mas é por pouco
tempo. Mulher tem uma facilidade fabulosa para passar por cima dessas coisas. É
uma animal de repetição. Se possui o mau hábito de não ter o dinheiro pronto na
hora de saltar do ônibus, repeti-lo-á pelo resto da existência. É inútil.
Trinta e duas pessoas com pressa que esperem. Outro mau fã de grande vulto é o
que senta nas cadeiras da esquerda ou da direita, ficando de três quartos para
a tela. São sujeitos que têm vocação para tabela. O chupador de caramelos é
outro. É tchoc, tchoc, tchoc no ouvido da gente, como se estivesse andando na
lama ou coisa parecida. O fã cuidadoso para desembrulhar balas também é um
errado. O barulho do papel desembrulhado devagar é muito mais irritante que o
de desembrulhar rapidamente e acabou-se a questão. E os casais enamorados, que
desgraça! “Você gosta de mim?” “Gosto!” “Mas gosta mesmo?” “Mesmo!” “Muito?”
“Muito!” “Mas jura?” “Juro, juro e juro, pronto, tá satisfeito?” Depois, dois
suspiros fundos como os cariocas no último jogo com os paulistas (eu sou
carioca, vejam lá!). E recomeça: “Mas você gosta mesmo?… Etc…”.
A fauna é
grande. Poderia citar muitos outros casos. Mas percebi, de repente, que nada
disso tem a menor importância diante da lua que está no céu. Preciso apagar a
luz, ficar quieto vendo a lua. Sou um bom fã de cinema, mas muito maior da lua.
Hoje ela está cheia e ausente, imparticipante. Me perderei de tudo, olhando a
lua.
Mas
discordo que as primeiras sejam boas, na verdade, a visão nas 3 primeiras filas
é péssima, e nem todos que sentam no “fundão” são maus fãs.
FRASES
"Planto meu jardim e decoro minha alma ao invés
de esperar que alguém me traga flores."
WILLIAM SHAKESPEARE
"Há noites que eu não posso dormir de remorso
por tudo o que eu deixei de cometer."
MÁRIO QUINTANA
"Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo
"Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo
dessa desorganização profunda."
CLARICE LISPECTOR
“Se soubéssemos quantas e quantas vezes nossas
palavras são mal interpretadas, haveria muito
mais silêncio neste mundo…”
OSCAR WILDE
"Todo humorismo sublime começa com a renúncia
de se levar a sério a própria pessoa."
HERMANN HESSE
"Quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma"
FERNANDO PESSOA
"Purifica o teu coração antes de
permitires
Que o amor entre
nele, pois até o mel
mais doce azeda num recipiente sujo"
PITÁGORAS
"A esperança não murcha, ela não cansa, também como ela
Não sucumbe à crença. Vão-se os sonhos
nas asas da
descrença, voltam os sonhos nas asas da esperança."
AUGUSTO DOS ANJOS
"Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo
sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos
a quantidade e, na desgraça, a qualidade”
CONFÚCIO
música é a revelação superior a
toda sabedoria e filosofia."
CONTO = Machado de Assis
MACHADO DE ASSIS
RIO DE JANEIRO-RJ = 1839-1908
A Ela
Quem és tu que me atormentas
Com teus prazenteiros sorrisos?
Quem és tu que me apontas
As portas dos paraísos?
Imagem do céu és tu?
És filha da divindade?
Ou vens prender em teus cabelos
A minha liberdade?
Com teus prazenteiros sorrisos?
Quem és tu que me apontas
As portas dos paraísos?
Imagem do céu és tu?
És filha da divindade?
Ou vens prender em teus cabelos
A minha liberdade?
“Vê V.
Exa., Sr. presidente, que nesse tempo, o nobre deputado era inimigo de todas as
leis opressoras. A assembléia tem visto como ele trata as leis do metro.” Todo
o resto do discurso foi assim. A minoria protestou. Luís Tinoco fez-se de todas
as cores, e a sessão acabou em risada. No dia seguinte os jornais amigos de
Luís Tinoco agradeceram ao adversário deste o triunfo que lhe proporcionou
mostrando à província “uma antiga e brilhante face do talento do ilustre
deputado”. Os que indecorosamente riram dos versos, foram condenados com estas
poucas linhas: “Há dias um deputado governista disse que a situação era uma
caravana de homens honestos e bons. É caravana, não há dúvida; vimos ontem os
seus camelos”.
Nem por
isso, Luís Tinoco ficou mais consolado. As cartas ao Dr. Lemos começaram a
escassear, até que de todo cessaram de aparecer. Decorreram assim silenciosos uns
três anos, ao cabo dos quais o Dr. Lemos foi nomeado não sei para que cargo na
província onde se achava Luís Tinoco. Partiu.
Apenas
empossado do cargo, tratou de procurar o ex-poeta, e pouco tempo gastou
recebendo logo um convite dele para ir a um estabelecimento rural onde se
achava.
– Há de
me chamar ingrato, não? disse Luís Tinoco, apenas viu assomar à porta de casa o
Dr. Lemos. Mas não sou; contava ir vê-lo daqui a um ano; e se lhe não
escrevi... Mas que tem doutor? está espantado?
O Dr.
Lemos estava efetivamente pasmado a olhar para a figura de Luís Tinoco. Era
aquele o poeta dos Goivos e Camélias, o eloqüente deputado, o fogoso
publicista? O que ele tinha diante de si era um honrado e pacato lavrador, ar e
maneiras rústicas, sem o menor vestígio das atitudes melancólicas do poeta, do
gesto arrebatado do trbuno, - uma transformação, uma criatura muito outra e
muito melhor.
Riram-se
ambos, um da mudança, outro do espanto, pedindo o Dr. Lemos a Luís Tinoco lhe
dissesse se era certo haver deixado a política, ou se aquilo eram apenas umas férias para renovar a alma.
– Tudo
lhe explicarei, doutor, mas há de ser depois de ter examinado a minha casa e
minha roça, depois de lhe apresentar minha mulher e meus filhos...
–
Casado?
– Há
vinte meses.
– E não
me disse nada!
– Ia
este ano à corte e esperava surpreendê-lo... Que duas criancinhas as minhas...
lindas como dois anjos. Saem à mãe, que é a flor da província. Oxalá pareçam
também com ela nas qualidades de dona de casa; que atividade! que economia!...
Feita a
apresentação, beijadas as crianças, examinado tudo, Luís Tinoco declarou ao Dr.
Lemos que definitivamente deixara a política.
– De
vez?
– De
vez.
– Mas
que motivo? desgostos, naturalmente.
– Não;
descobri que não era fadado para grandes destinos. Um dia leram-me na
assembléia alguns versos meus. Reconheci então quanto eram pífios os tais
versos; e podendo vir mais tarde a olhar com a mesma lástima e igual
arrependimento para as minhas obras políticas, arrepiei carreira e deixei a
vida pública. Uma noite de reflexão e nada mais.
– Pois
teve ânimo?...
– Tive,
meu amigo, tive ânimo de pisar terreno sólido, em vez de patinhar nas ilusões
dos primeiros dias. Eu era um ridículo poeta e talvez ainda mais ridículo
orador. Minha vocação era esta. Com poucos anos mais estou rico. Ande agora
beber o café que nos espera e feche a boca, que as moscas andam no ar.
POESIA = António Nobre
ANTÓNIO NOBRE
PORTUGAL = 1867
/ 1900
Carta Ao Oceano
Ó Grande Alma trágica e sombria!
Quando hás-de enfim, na campa repousar?
Após luta persistente e fria,
Ah, quanto é bom morrer... dormir... sonhar...
Estrebuchas nas ânsias da agonia,
Há mil e tantos séculos, ó Mar!
E nunca cessas de lutar, um dia,
E Nunca morres, Alma singular!
Mas, ao chegar teu último momento,
Quando zurzir nos ares a metralha
Da tua alma desfraldada ao vento:
Envolto nessa líquida mortalha,
Tu cairás prostrado, sem alento,
Como um guerreiro ao fim d’uma batalha!
POESIA = Abgar Renault
ABGAR
RENAULT
BARBACENA-MG = 1901
– 1995
Um emergente vértice resiste.
Sua luz contagia a escuridão
onde os teus olhos se consumirão
reconstruindo o silêncio onde subsiste
a furna de que, um dia, tu partiste.
Com tua carga de fulguração,
viajas a treva, e uma conflagração
te arrasta ao mesmo cais aceso e triste.
Quando derivas, lusco e fusco, à borda,
diálogos cindem queda e evanescência,
o desfazer se esfaz em refazer.
No combate que incende a noite e a acorda,
não terás teu quinhão de morte e ausência
e és improvável como o amanhecer.
FRASES
"Não haverá borboletas se a vida não passar por
Longas e silenciosas metamorfoses."
RUBEM ALVES
"A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas por incrível
"A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas por incrível
que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede."
o que não poderá a tranquilidade do espírito?
CHUANG TZU
"O amor é uma bela flor à beira de um precipício. É
"O amor é uma bela flor à beira de um precipício. É
necessário ter muita coragem para a ir colher."
STENDHAL
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas
sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.
CLARICE LISPECTOR
"Há várias maneiras sérias de não dizer
"Há várias maneiras sérias de não dizer
nada, mas só a poesia é verdadeira."
MANOEL DE BARROS
“O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente
“O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente
sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso
que servem os caminhos, para nos
fazerem parentes do futuro”
MIA COUTO
"Viver é um rasgar-se e remendar-se"
"Viver é um rasgar-se e remendar-se"
JOÃO DOS GUIMARÃES ROSA
“Você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma
“Você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma
hora de brincadeira do que em um ano de conversa.”
PLATÃO
CONTO - Marco Albertim
MARCO ALBERTIM
NASCEU EM GOIANA-PE
A Primeira Causa
A mãe de Nenzinho aprontara na véspera o paletó de estreia. Ele olhou-se
no espelho, achou-se tão elegante quanto no dia da formatura; mais ainda,
porque na formatura tivera o brilho do anel, de flashes estampando a simetria
da beca; agora teria a admiração submissa de trabalhadores rudes, gente humilde
mas ignorante do saber jurídico conferido pelo canudo. Enfim! – disse com a
cobiça dos olhos no anel. O anel fora posto no dedo médio da mão esquerda, à
noite, antes de ele dormir. Ele desligara a luz do quarto a contragosto, porque
não queria pregar os olhos para não parar de apreciar o luzente rubi na coroa
do anel. Dormiu, e imaginou-se cercado de duendes, com poderes todos, mas
rendidos à magia do centro na mão do causídico.
No café da manhã, não compartilhou com os irmãos o pão de costume; menos
ainda o milho cozido com a manteiga escorrendo entre os grãos moles. Não queria
submeter-se ao risco de ver uma mancha de gordura sobre a finura branca da camisa,
ou da gravata azul com listras brancas. Preferiu comer torradas com mel, por
ser de bom-tom; torradas crocantes e mel para entreter a obesidade prematura.
Depois, tomou café com cuidados de matrona, não sem antes pôr um guardanapo
cobrindo o busto saliente.
- Vai com Deus, meu filho... – disse a mãe, às suas costas, antes que
ele cruzasse a porta de saída. Olhou-o de cima a baixo, buscando ciscos, algum
fio de cabelo que pudesse comprometer a engomadura do paletó de linho.
Antes de entrar no carro, um Volkswagen de extração temporã, presente
que o pai lhe dera, teve o cuidado de segurar um tratado de direito onde se lia
Dura lex, sed lex; capa exposta. A autoridade da lei desautorizando suspeitas
de ser, Nenzinho, um almofadinha.
Já sentado, lembrou-se do que ouvira do presidente do sindicato: “O
homem é duro, tem fama de não obedecer à lei. Mas talvez um advogado falando
com ele, o trato seja outro...” Nenzinho desceu do carro, entrou em casa e
tirou da gaveta do birô de seu pai um velho revólver, calibre 38; tentou
segurá-lo na cintura, mas os trajes e a saliência da barriga não o ajudaram.
- Meu filho!
- O homem é duro!
No sindicato, abancou-se pela primeira vez na sala reservada para o
departamento jurídico. Não havia outros advogados, somente “dr. Nenzinho”
ocuparia o departamento. O presidente não esperou por ele para fazer as
derradeiras advertências, foi ao
- Mas o senhor já tem o diploma de advogado para se prevenir departamento.
- Vai armado?
- Vai armado?
- Vou para me prevenir...!
- O senhor mesmo me disse que o coronel Chico Heráclio não respeita nem
a lei!
- É uma questão pequena. O trabalhador foi expulso de sua terra, dois hectares que cultivava há mais de dez anos, e não foi indenizado. Antes de entrar na Justiça, vamos tentar um acordo com ele. Se entrarmos na Justiça, não sabemos em quanto tempo a questão será resolvida.
- É uma questão pequena. O trabalhador foi expulso de sua terra, dois hectares que cultivava há mais de dez anos, e não foi indenizado. Antes de entrar na Justiça, vamos tentar um acordo com ele. Se entrarmos na Justiça, não sabemos em quanto tempo a questão será resolvida.
Nenzinho quis viajar no próprio carro, mas o presidente ponderou sobre a
necessidade de reafirmar a presença do sindicato, e indicou o veículo do
sindicato com motorista próprio. Outros trabalhadores veriam...
Na rodovia, o Jipe correu tão veloz quanto a fama de atrabiliário do
coronel Chico Heráclio. O veículo silencioso, indiferente à pompa do canavial
ocupando terras de um lado e de outro, deu uma trégua à pouca apreensão dos
nervos de Nenzinho. O motorista, prosaico, ajudou com histórias sobre os feitos
do coronel. Histórias com violências, mas envoltas em traços hilários.
O jipe estacionou na porteira da fazenda. Antes que “dr. Nenzinho”
descesse, o motorista pediu-lhe o revólver.
- Daqui pode ser que eu possa defender o senhor... – considerou.
O coronel, avisado pelo porteiro, soube do motivo da visita e só
permitiu a entrada do advogado.
“Dr. Nenzinho” não teve tempo de sentar no sofá de couro de boi. O
coronel, vindo de sua sala particular, atirou no chão seguidas vezes, nos pés
do advogado. Nenzinho correu sem suspeitar da resistência das banhas do ventre.
Embrenhou-se nos matos, pegou a carona de um caminhão.
Em casa, a mãe teve que refazer as costuras do terno de linho.
POESIA = João Cabral de Melo Neto
RECIFE-PE = 1920-1999
Como A Morte Se Infiltra
Certo dia, não se levanta
porque quer demorar na cama.
No outro dia ele diz por que:
é porque lhe dói algum pé.
No outro dia o que dói é a perna,
E nem pode apoiar-se nela.
Dia a dia lhe cresce um não,
um enrodilhar-se de cão.
Dia a dia ele aprende o jeito
em que menos lhe pesa o leito.
Um dia faz fechar as janelas:
dói-lhe o dia lá fora delas.
Há um dia em que não se levanta:
deixa-o para a outra semana,
Outra semana sempre adiada,
que ele não vê por que apressá-la.
Um dia passou vinte e quatro horas
incurioso do que é de fora.
Outro dia já não distinguiu
noite e dia, tudo é vazio.
Um dia, pensou: respirar,
eis um esforço que se evitar.
Quem deixou-o, a respiração ?
Muda de cama. Eis seu caixão.
CONTO = Osman Lins
O S M A N L I N S
VITÓRIA DE SANTO ANTÃO-PE = 1924-1978
A Partida
Hoje, revendo minhas atitudes quando vim embora, reconheço que mudei bastante. Verifico também que estava aflito e que havia um fundo de mágoa ou desespero em minha impaciência. Eu queria deixar minha casa, minha avó e seus cuidados. Estava farto de chegar a horas certas, de ouvir reclamações; de ser vigiado, contemplado, querido. Sim, também a afeição de minha avó incomodava-me. Era quase palpável, quase como um objeto, uma túnica, um paletó justo que eu não pudesse despir.
Ela
vivia a comprar-me remédios, a censurar minha falta de modos, a olhar-‘me, a
repetir conselhos que eu já sabia de cor. Era boa demais, intoleravelmente boa
e amorosa e justa.
Na
véspera da viagem, enquanto eu a ajudava a arrumar as coisas na maleta, pensava
que no dia seguinte estaria livre e imaginava o amplo mundo no qual iria
desafogar-me: passeios, domingos sem missa, trabalho em vez de livros, mulheres
nas praias, caras novas. Como tudo era fascinante! Que viesse logo. Que as
horas corressem e eu me encontrasse imediatamente na posse de todos esses bens
que me aguardavam. Que as horas voassem, voassem!
Percebi
que minha avó não me olhava. A princípio, achei inexplicável ela fizesse isso,
pois costumava fitar-me, longamente, com uma ternura que incomodava. Tive raiva
do que me parecia um capricho e, como represália, fui para a cama.
Deixei
a luz acesa. Sentia não sei que prazer em contar as vigas do teto, em olhar
para a lâmpada. Desejava que nenhuma dessas coisas me afetasse e irritava-me
por começar a entender que não conseguiria afastar-me delas sem emoção.
Minha
avó fechara a maleta e agora se movia, devagar, calada, fiel ao seu hábito de
fazer arrumações tardias. A quietude da casa parecia triste e ficava mais
nítida com os poucos ruídos aos quais me fixava: manso arrastar de chinelos,
cuidadoso abrir e lento fechar de gavetas, o tique-taque do relógio, tilintar
de talheres, de xícaras.
Por
fim, ela veio ao meu quarto, curvou-se: — Acordado?
Apanhou
o lençol e ia cobrir-me (gostava disto, ainda hoje o faz quando a visito); mas
pretextei calor, beijei sua mão enrugada e, antes que ela saísse, dei-lhe as
costas.
Não
consegui dormir. Continuava preso a outros rumores. E quando estes se esvaíam,
indistintas imagens me acossavam. Edifícios imensos, opressivos, barulho de
trens, luzes, tudo a afligir-me, persistente, desagradável — imagens de febre.
Sentei-me
na cama, as têmporas batendo, o coração inchado, retendo uma alegria dolorosa,
que mais parecia um anúncio de morte. As horas passavam, cantavam grilos, minha
avó tossia e voltava-se no leito, as molas duras rangiam ao peso de seu corpo.
A tosse passou, emudeceram as molas; ficaram só os grilos e os relógios.
Deitei-me.
Passava
de meia-noite quando a velha cama gemeu: minha avó levantava-se. Abriu de leve
a porta de seu quarto, sempre de leve entrou no meu, veio chegando e ficou de
pé junto a mim. Com que finalidade? — perguntava eu. Cobrir-me ainda?
Repetir-me conselhos? Ouvi-a então soluçar e quase fui sacudido por um acesso
de raiva. Ela estava olhando para mim e chorando como se eu fosse um cadáver —
pensei. Mas eu não me parecia em nada com um morto, senão no estar deitado.
Estava vivo, bem vivo, não ia morrer. Sentia-me a ponto de gritar. Que me
deixasse em paz e fosse chorar longe, na sala, na cozinha, no quintal, mas
longe de mim. Eu não estava morto.
Afinal,
ela beijou-me a fronte e se afastou, abafando os soluços. Eu crispei as mãos
nas grades de ferro da cama, sobre as quais apoiei a testa ardente. E adormeci.
Acordei
pela madrugada. A princípio com tranqüilidade, e logo com obstinação, quis
novamente dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução, acendi um fósforo:
passava das três. Restavam-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem
chegaria às cinco. Veio-me então o desejo de não passar nem uma hora mais
naquela casa. Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de
disciplina e de amor.
Com
receio de fazer barulho, dirigi-me à cozinha, lavei o rosto, os dentes,
penteei-me e, voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos, sentei-me um
instante à beira da cama. Minha avó continuava dormindo. Deveria fugir ou falar
com ela? Ora, algumas palavras... Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?
Ela
estava encolhida, pequenina, envolta numa coberta escura. Toquei-lhe no ombro,
ela se moveu, descobriu-se. Quis levantar-se e eu procurei detê-la. Não era
preciso, eu tomaria um café na estação. Esquecera de falar com um colega e, se
fosse esperar, talvez não houvesse mais tempo. Ainda assim, levantou-se.
Ralhava comigo por não tê-la despertado antes, acusava-se de ter dormido muito.
Tentava sorrir.
Não
sei por que motivo, retardei ainda a partida. Andei pela casa, cabisbaixo, à
procura de objetos imaginários enquanto ela me seguia, abrigada em sua coberta.
Eu sabia que desejava beijar-me, prender-se a mim, e à simples idéia desses
gestos, estremeci. Como seria se, na hora do adeus, ela chorasse?
Enfim, beijei sua mão, bati-lhe de leve na cabeça. Creio mesmo que lhe surpreendi um gesto de aproximação, decerto na esperança de um abraço final. Esquivei-me, apanhei a maleta e, ao fazê-lo, lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários.
Enfim, beijei sua mão, bati-lhe de leve na cabeça. Creio mesmo que lhe surpreendi um gesto de aproximação, decerto na esperança de um abraço final. Esquivei-me, apanhei a maleta e, ao fazê-lo, lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários.
GRANDES PINTORES
MILITÃO DOS SANTOS = Caruaru-PE, 1956
MILITÃO DOS SANTOS = Caruaru-PE, 1956
MILITÃO DOS SANTOS = Caruaru-PE, 1956
MILITÃO DOS SANTOS = Caruaru-PE, 1956
MILITÃO DOS SANTOS = Caruaru-PE, 1956
MILITÃO DOS SANTOS = Caruaru-PE, 1956
MILITÃO DOS SANTOS = Caruaru-PE, 1956
HISTÓRIAS DE HOMENS CASADOS
Um homem
colocou nos classificados:
- 'Procura-se esposa'.
No dia seguinte ele recebeu centenas de cartas.
- 'Procura-se esposa'.
No dia seguinte ele recebeu centenas de cartas.
Todas diziam
a mesma coisa:
- 'Pode ficar com a minha'.
- 'Pode ficar com a minha'.
- 'Se não fosse pelo meu dinheiro, essa casa não estaria aqui.'
A mulher respondeu:
- 'Querido, se não fosse pelo seu dinheiro, EU não estaria aqui'
- 'Fui eu que fiz o meu marido milionário'.
- 'E o que seu marido era antes?' - pergunta a amiga.
A mulher responde:
- 'Bilionário'.
- 'Eu tinha tudo - dinheiro, uma casa bonita, um carro esporte,
o amor de
uma linda mulher, e então...tudo acabou.
- 'O que aconteceu?' perguntou seu amigo.
- 'Minha mulher descobriu...'.
- 'O que aconteceu?' perguntou seu amigo.
- 'Minha mulher descobriu...'.
- 'Marta, arrume as suas coisas. Eu acabei de ganhar na loteria!'
Marta responde:
- 'Você acha melhor que eu leve roupas para frio ou calor?'
O homem responde:
- 'Leve tudo, você vai embora'.
- Por que? - pergunta um amigo
- Porque não gosto de interrompê-la....
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