MACHADO DE ASSIS
RIO DE JANEIRO-RJ = 1839-1908
A Ela
Quem és tu que me atormentas
Com teus prazenteiros sorrisos?
Quem és tu que me apontas
As portas dos paraísos?
Imagem do céu és tu?
És filha da divindade?
Ou vens prender em teus cabelos
A minha liberdade?
Com teus prazenteiros sorrisos?
Quem és tu que me apontas
As portas dos paraísos?
Imagem do céu és tu?
És filha da divindade?
Ou vens prender em teus cabelos
A minha liberdade?
“Vê V.
Exa., Sr. presidente, que nesse tempo, o nobre deputado era inimigo de todas as
leis opressoras. A assembléia tem visto como ele trata as leis do metro.” Todo
o resto do discurso foi assim. A minoria protestou. Luís Tinoco fez-se de todas
as cores, e a sessão acabou em risada. No dia seguinte os jornais amigos de
Luís Tinoco agradeceram ao adversário deste o triunfo que lhe proporcionou
mostrando à província “uma antiga e brilhante face do talento do ilustre
deputado”. Os que indecorosamente riram dos versos, foram condenados com estas
poucas linhas: “Há dias um deputado governista disse que a situação era uma
caravana de homens honestos e bons. É caravana, não há dúvida; vimos ontem os
seus camelos”.
Nem por
isso, Luís Tinoco ficou mais consolado. As cartas ao Dr. Lemos começaram a
escassear, até que de todo cessaram de aparecer. Decorreram assim silenciosos uns
três anos, ao cabo dos quais o Dr. Lemos foi nomeado não sei para que cargo na
província onde se achava Luís Tinoco. Partiu.
Apenas
empossado do cargo, tratou de procurar o ex-poeta, e pouco tempo gastou
recebendo logo um convite dele para ir a um estabelecimento rural onde se
achava.
– Há de
me chamar ingrato, não? disse Luís Tinoco, apenas viu assomar à porta de casa o
Dr. Lemos. Mas não sou; contava ir vê-lo daqui a um ano; e se lhe não
escrevi... Mas que tem doutor? está espantado?
O Dr.
Lemos estava efetivamente pasmado a olhar para a figura de Luís Tinoco. Era
aquele o poeta dos Goivos e Camélias, o eloqüente deputado, o fogoso
publicista? O que ele tinha diante de si era um honrado e pacato lavrador, ar e
maneiras rústicas, sem o menor vestígio das atitudes melancólicas do poeta, do
gesto arrebatado do trbuno, - uma transformação, uma criatura muito outra e
muito melhor.
Riram-se
ambos, um da mudança, outro do espanto, pedindo o Dr. Lemos a Luís Tinoco lhe
dissesse se era certo haver deixado a política, ou se aquilo eram apenas umas férias para renovar a alma.
– Tudo
lhe explicarei, doutor, mas há de ser depois de ter examinado a minha casa e
minha roça, depois de lhe apresentar minha mulher e meus filhos...
–
Casado?
– Há
vinte meses.
– E não
me disse nada!
– Ia
este ano à corte e esperava surpreendê-lo... Que duas criancinhas as minhas...
lindas como dois anjos. Saem à mãe, que é a flor da província. Oxalá pareçam
também com ela nas qualidades de dona de casa; que atividade! que economia!...
Feita a
apresentação, beijadas as crianças, examinado tudo, Luís Tinoco declarou ao Dr.
Lemos que definitivamente deixara a política.
– De
vez?
– De
vez.
– Mas
que motivo? desgostos, naturalmente.
– Não;
descobri que não era fadado para grandes destinos. Um dia leram-me na
assembléia alguns versos meus. Reconheci então quanto eram pífios os tais
versos; e podendo vir mais tarde a olhar com a mesma lástima e igual
arrependimento para as minhas obras políticas, arrepiei carreira e deixei a
vida pública. Uma noite de reflexão e nada mais.
– Pois
teve ânimo?...
– Tive,
meu amigo, tive ânimo de pisar terreno sólido, em vez de patinhar nas ilusões
dos primeiros dias. Eu era um ridículo poeta e talvez ainda mais ridículo
orador. Minha vocação era esta. Com poucos anos mais estou rico. Ande agora
beber o café que nos espera e feche a boca, que as moscas andam no ar.
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