VINICIUS DE MORAES
RIO DE JANEIRO-RJ =
1913-1980
O Bom E O Mau Fã
Crônica
de 1943
Ser bom fã
não é só gostar de ir ao cinema. (O sertanejo é, antes de tudo, um forte.) É
preciso também saber ir ao cinema. O sujeito, por exemplo, que senta muito longe
da tela, tem para mim o estigma do mau fã. A dignidade é sentar nas dez
primeiras filas, variando a distância conforme o cinema a que se vai. No Metro,
a boa fila é a quinta. Distância justa, a imagem bem no foco visual; perfeito.
Já no São Luís gosto mais da terceira. São coisas. Agora: da décima fila para
trás é positivamente indigno. Esses sujeitos então — a não ser em casos de
força maior — que sentam lá nas cadeiras do fundo, me dão sempre uma impressão
suspeita de que vieram ali para fazer quinta-coluna. Há, desses, uns fabulosos.
Primeiro, se instalam para acomodar a vista. Pouco a pouco vão saltando, tal
salmões, ao sabor das tentativas escusas junto às nereidas solitárias, até as
filas da frente. Aboletam-se por várias vezes ao lado de inúmeras senhoras.
Agora, o grande traço do mau fã é falar no cinema. O indivíduo, ou indivídua,
que fala durante a projeção, merece a forca. E os há de variegadas espécies. Há
os que lêem alto os letreiros, e esses são a peste. Há os sonambúlicos, que
murmuram contra o vilão, torcem pelo “mocinho”, avisam o herói do perigo que o
espreita, engrolam pequenas frases a propósito de determinadas atitudes da
heroína. São fãs idióticos, menos cacetes, às vezes até gozados. No entanto,
dentro do tipo em epígrafe, o mais irritante é o que chuchota histórias que
nada têm a ver com o que se está passando ali. É uma especialidade de mulheres,
que vão com amigas ao cinema, para fazer hora. “Porque dona fulaninha disse,
patatá-patatá, nhé-nhé-nhé, au-au-au, ela está com um vestido, minha filha, um
AMORR!” Aí a gente vira a cabeça para trás, olha a faladeira, pensa mal dela,
pigarreia e volta à posição normal. O cacarejo se smorza, mas é por pouco
tempo. Mulher tem uma facilidade fabulosa para passar por cima dessas coisas. É
uma animal de repetição. Se possui o mau hábito de não ter o dinheiro pronto na
hora de saltar do ônibus, repeti-lo-á pelo resto da existência. É inútil.
Trinta e duas pessoas com pressa que esperem. Outro mau fã de grande vulto é o
que senta nas cadeiras da esquerda ou da direita, ficando de três quartos para
a tela. São sujeitos que têm vocação para tabela. O chupador de caramelos é
outro. É tchoc, tchoc, tchoc no ouvido da gente, como se estivesse andando na
lama ou coisa parecida. O fã cuidadoso para desembrulhar balas também é um
errado. O barulho do papel desembrulhado devagar é muito mais irritante que o
de desembrulhar rapidamente e acabou-se a questão. E os casais enamorados, que
desgraça! “Você gosta de mim?” “Gosto!” “Mas gosta mesmo?” “Mesmo!” “Muito?”
“Muito!” “Mas jura?” “Juro, juro e juro, pronto, tá satisfeito?” Depois, dois
suspiros fundos como os cariocas no último jogo com os paulistas (eu sou
carioca, vejam lá!). E recomeça: “Mas você gosta mesmo?… Etc…”.
A fauna é
grande. Poderia citar muitos outros casos. Mas percebi, de repente, que nada
disso tem a menor importância diante da lua que está no céu. Preciso apagar a
luz, ficar quieto vendo a lua. Sou um bom fã de cinema, mas muito maior da lua.
Hoje ela está cheia e ausente, imparticipante. Me perderei de tudo, olhando a
lua.
Mas
discordo que as primeiras sejam boas, na verdade, a visão nas 3 primeiras filas
é péssima, e nem todos que sentam no “fundão” são maus fãs.
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