sábado, 17 de agosto de 2013
POESIA
GUERRA JUNQUEIRO
PORTUGAL =
1850-1923
Quando eu morrer, abram-me o peito
E, desta jaula onde houve um leão,
Tirem, o cárcere era estreito,
Meu velho e altivo coração.
Depois, sem dó e sem respeito,
Sem um murmúrio de oração,
Lancem-no assim, vai satisfeito,
À vala obscura, à podridão.
Para que durma e se desfaça
no lodo amargo da Desgraça
Por quem bateu continuamente,
Como um tambor que entre a metralha
Estoira ao fim de uma batalha,
Rouco, furioso, ansioso, ardente!
CRÔNICA
LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO
ALEGRE-RS = 1936
Cadê O De Gaulle?
O Journal
du Dimanche de Paris deste domingo trazia uma entrevista com Daniel
Cohn-Bendit, um dos líderes da sublevação popular que quase derrubou o governo
francês em maio de 1968 e que continua atuando, como ativista e analista
político, com o nome que conquistou naquela primavera. Não é mais o irreverente
Dani Vermelho de 45 anos atrás, mas ainda é o remanescente mais notório daquela
geração que fez o então presidente De Gaulle pensar em largar tudo e se mandar.
Só mais tarde se ficou sabendo como o velho general chegara mesmo perto de
renunciar. De Gaulle não era a única causa da revolta que começou com os
estudantes e empolgou Paris, mas era um símbolo de tudo o que os revoltosos não
queriam mais. Se maio de 68 não sabia definir bem seus objetivos, pelo menos
tinha um ícone vivo contra o qual concentrar seu fogo. Um conveniente símbolo
com dois metros de altura, um nariz dominador e a empáfia correspondente.
A chamada
de capa para a entrevista de Cohn-Bendit era Um Perfume de Maio de 68 e a
matéria fazia uma comparação mais ou menos óbvia do que acontece no Brasil com
o que acontece na Turquia e o que aconteceu nas recentes “primaveras” árabes e
em 68 em Paris. Óbvia e inexata. Nos países árabes a rua derrubou ditadores, na
Turquia a revolta é, em parte, contra um governo autocrático e inclui, como
complicadora, a luta antiga pela hegemonia religiosa. E, diferentemente do maio
de Paris, a combustão instantânea no Brasil ainda não produziu seus
cohn-bendits nem tem um De Gaulle conveniente como um símbolo que resuma o que
se é contra. Ser contra tudo que está errado despersonaliza o protesto. Qual é
a cara de tudo que está errado? No Brasil, tanta coisa está errada há tanto
tempo que qualquer figura, atual ou histórica, serve como símbolo da nossa
desarrumação intolerável, na falta de um De Gaulle. Renan Calheiros ou Pedro
Álvares Cabral.
Na sua
entrevista, forçando um pouco a cronologia, Cohn-Bendit diz que 68 foi o
preâmbulo de 81, quando a esquerda chegou ao poder na França. Junho de 2013
será o preâmbulo de exatamente o que, no Brasil? Aqui a esquerda, ou algo que
se define como tal, já está no poder. O que vem agora? O Marx tem uma frase: se
uma nação inteira pudesse sentir vergonha, seria como um leão preparando seu
bote. Uma nação envergonhada dos seus políticos e das suas mazelas está inteira
nas ruas. Resta saber para que lado será o bote desse leão.
Tempos
interessantes, tempos interessantes.
sábado, 10 de agosto de 2013
POESIA
JOAQUIM CARDOZO
RECIFE-PE = 1897-1978
RECIFE-PE = 1897-1978
Canção
Venho para uma estação de águas nos teus olhos;
Ouves? É o rumor da noite que vem do mar.
Meu amor.
Perto de mim o teu corpo cheirando a flor de cajueiro.
Que saudades do sol. Do mar de sol.
Do nosso mar de jangadas.
Escuta:
A noite que vem cantando
Vem do mar.
Para que eu voltasse tu me prometeste novas carícias
No entanto o que me dás agora é ainda o mesmo amor
De antigamente.
E depois estás mais velha.
Os teus olhos bruxuleiam.
Os teus lábios se apagaram.
Eu vou partir.
As barcaças vão passando junto ao cais.
Eu vou partir, viajar.
Itapissuma. Goiana. Itamaracá.
Olha o verão que vem!
Viva o verão que vai chegar.
Viva a paisagem roxa dos cajueiros que vão florir!
Eu vou partir, viajar.
Ouves? É o rumor da noite que vem do mar.
Meu amor.
Perto de mim o teu corpo cheirando a flor de cajueiro.
Que saudades do sol. Do mar de sol.
Do nosso mar de jangadas.
Escuta:
A noite que vem cantando
Vem do mar.
Para que eu voltasse tu me prometeste novas carícias
No entanto o que me dás agora é ainda o mesmo amor
De antigamente.
E depois estás mais velha.
Os teus olhos bruxuleiam.
Os teus lábios se apagaram.
Eu vou partir.
As barcaças vão passando junto ao cais.
Eu vou partir, viajar.
Itapissuma. Goiana. Itamaracá.
Olha o verão que vem!
Viva o verão que vai chegar.
Viva a paisagem roxa dos cajueiros que vão florir!
Eu vou partir, viajar.
POESIA
OSWALD DE ANDRADE
SÃO PAULO-SP
= 1890-1954
Solidão
Chove chuva choverando
que a cidade de meu bem
está-se toda se lavando
que a cidade de meu bem
está-se toda se lavando
Senhor
que eu não fique nunca
como esse velho inglês
aí ao lado
que dorme numa cadeira
à espera de visitas que não vêm
que eu não fique nunca
como esse velho inglês
aí ao lado
que dorme numa cadeira
à espera de visitas que não vêm
Chove chuva choverando
que o jardim de meu bem
está-se todo se enfeitando
A chuva cai
cai de bruços
que o jardim de meu bem
está-se todo se enfeitando
A chuva cai
cai de bruços
A magnólia abre o
pára-chuva
pára-sol da cidade
de Mário de Andrade
A chuva cai
escorre das goteiras do domingo
pára-sol da cidade
de Mário de Andrade
A chuva cai
escorre das goteiras do domingo
Chove chuva choverando
que a cidade de meu bem
está-se toda se molhando
que a cidade de meu bem
está-se toda se molhando
Anoitece sobre os
jardins
Jardim da Luz
Jardim da Praça da República
Jardim das platibandas
Jardim da Luz
Jardim da Praça da República
Jardim das platibandas
Noite
Noite de hotel
Chove chuva choverando
Noite de hotel
Chove chuva choverando
CRÔNICA = Ivan Ângelo
IVAN ÂNGELO
BARBACENA-MG
= 1936
Assombrações
Existem uns amores que já morreram há muito tempo
mas de vez em quando aparecem, como uma assombração. Não, não falo de
assombrações que voltam para seduzir, como a moça-fantasma de Belo Horizonte
poetizada por Carlos Drummond de Andrade; ou voltam para apimentar uma vida que
ficou insossa, como o Vadinho de Jorge Amado faz com dona Flô. Não. Estas, diz
o ditado, sabem para quem devem aparecer, ou seja: só aparecem com a ajuda
daqueles para quem aparecem. Falo de outras, que fazem uma visita breve, uma
aparição, e somem, de improviso, sem arrepiar ninguém.
Às vezes esses amores nem se mostram inteiros.
Surge uma boca, um seio, uma pele, um andar, uma risada. Quando se presta
atenção, a figura desaparece: era assombração. O fantasma antigo pode aparecer
de repente no meio de uma leitura, ao escovarmos os dentes, e até na hora do
amor. A gente pode estar conversando, discutindo um negócio, um filme, uma
jogada, e se intromete aquele olhar. Pode estar dirigindo um carro e a mão que
repousa hoje na nossa perna tem o mesmo peso de alguma do passado e aí vem o
fantasma sem-que-fazer e puxa conversa.
Não é saudade, não é nada: é intromissão. A figura
surge concreta, sensível, do mesmo modo como nos vem um gosto de doce de
abacaxi ou uma chinelada de mãe. Quem governa fantasma? Quem chama? Ninguém, é
ele mesmo quem se convida.
Não tem nada a ver com aquela coisa de telenovela,
aqueles dramas de folhetim em que se comenta: ele ainda gosta dela, não tira
essa mulher da cabeça, até hoje é apaixonado por ela etc. Nada disso. É pura
farra de assombração, que irrompe de repente na hora própria ou imprópria,
independentemente de convite ou convite. Ora uma, ora outra, faz sua
visita-relâmpago, muda ou falante, e some.
Que dizem? Cada visitado recebe seu recado conforme
gravou. Uma confessa trêmula, temerosa de desamor: "Não sou mais
virgem" - quando isso tinha importância. Outra, cobrando: "Você não
assume." Outra, no escuro: "Quem é você?" Amores de outro mundo
não se sentem obrigados a diálogo, dão seu recado e vão. Ou nem dão, só se
entremostram.
Alguns perdem a viagem, e nos assaltam só com uma
sensação, um nome, umas covinhas, tranças negras. Não têm mais aparência
corpórea. Será que morreram na vida real? Desvaneceram-se no tempo, frágeis
como velhas cartas que se esfarelam, como madeira sem lei. Nem por isso menos
reais em suas fantasmice, menos carentes de sentido que não a própria visita
inesperada.
De maneira nenhuma perturbam o amor em curso, nem é
essa sua intenção, se é que aparições têm algum propósito. O amor em curso é
feito de beijo e resposta - e segue intocado por essas intromissões. Também não
se pode dizer: são desejos, frustações. Não. Tiveram, no seu tempo, beijo e
resposta. Nada ficou por explorar, quando seus corpos eram matéria propícia.
Nada ficou por explorar, quando seus corpos eram matéria propícia. Foram
generosas no dar, alegres no receber: tiveram fartura. Não vagam por aí à
procura, estão satisfeitas no seu canto.
Nem se pode dizer: são visitas malfazejas. Pelo
contrário, são cordiais! São borboletas: passam, enfeitam com algumas cores,
vocejam e partem. Se deixam alguma coisa, é um sorriso na alma do visitado.
CONTO = Humberto de Campos
HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886
= 1934
O Dominó
Andrelisa, era o nome dela. Se o recebera na pia batismal da igreja do
Pequeno Grande, em Fortaleza, ninguém poderia dizê-lo. O certo é que
desembarcara com ele no Rio de Janeiro, quando aqui saltara, em 1918, em
companhia de um escriturário do Serviço contra as Secas.
Esse funcionário, que se chamava Guilherme, demonstrara, desde que se
relacionara com ela, um inteiro descaso pela sua missão oficial. Porque,
trazendo a rapariga para o Rio, ele se mostrara descobertamente a favor das
"secas", sabido, como era, que se tratava da moça mais
"seca" do Ceará.
Andrelisa era, efetivamente, magérrima. De fisionomia corretíssima, não
se lhe notava no rosto a deficiência das carnes. Do pescoço para baixo, porém,
metia pena: podiam-se contar, um a um, os ossos do seu peito, as vértebras da
sua espinha, as costelas, os ossos dos braços, das pernas, do pé. Tirassem-lhe
o vestido, e ficaria patente, vivo, o mais formoso tratado de anatomia,
porventura publicado no continente.
O funcionário Guilherme apegou-se, porém, ao esqueleto da Andrelisa, e
trouxe-o. Aqui, procurou para ele uma tumba, e meteu-o. A tumba era,
entretanto, na rua Conde de Lage, com uma porta de abrir e fechar, e, quando
ele deu fé, os despojos tinham fugido com um deputado à Assembléia legislativa
de Niterói, que se encantara com os olhos da rapariga, sem perguntar o que
havia, em matéria de carne, dos olhos para baixo.
A surpresa do legislador fluminense foi dolorosa. No dia, porém, em que
a teve, estudando a anatomia da Andrelisa, disfarçou-a, e bem. Deitou a
rapariga num canapé, mandou que ela descobrisse o busto, e ficou a apalpar, um
por um, os ossos da caixa torácica. Ao fim do meio-dia, a moça protestou:
- Afinal, que é que você está fazendo aí?
- Eu? - observou o deputado, sem levantar os olhos do
"tabuleiro".
E satisfazendo-lhe a curiosidade:
- Estou jogando, filhinha, uma partidazinha de "dominó"...
POESIA
MANUEL BANDEIRA
RECIFE-PE = 1886-1968
RECIFE-PE = 1886-1968
A Paz
Ter em minhas mãos
Uns jasmins com sol,
Com o primeiro sol;
Saber que amanhece
Em meu coração;
Ouvir de manhã
Uma única voz...
É tudo o que quero.
Regressar sem ódios,
Calmo adormecer,
Sonhar ter nas mãos
Silindras com sol,
Com o último sol;
Dormir escutando
Uma única voz...
É tudo o que quero.
CONTO
ELISA PALATNIK
RIO DE
JANEIRO-RJ = 1962
Vida De Pediatra
Não É Bolinho, Não
— Alô, dr. Felipe? Pelo amor de Deus, o senhor precisa ver o Dudu. Aqui é Rita, mãe dele.
— Rita? Mas peraí... eu acabei de ver o menino! Vocês acabaram de
sair do meu consultório.
— Justamente. Estou aqui no elevador, falando d celular. Tô
achando que do consultório até aqui, ele piorou um pouco...
— Mas...
— No décimo andar, ele ainda
estava bem. No sexto, comecei a achar um pouco quente. Agora, cheguei no térreo
e... ele está pelando!
— Rita, isso é impossível! Eu tirei a temperatura dele há cinco
minutos! Você tem que levar ele pra casa, ficar de olho e não esquecer de
pingar as três gotas no ouvido...
— Mas "três gotas" é muito vago. O senhor esqueceu de
falar o... o tamanho da gota.
— Como assim, o "tamanho da gota"?! Eu sei lá! Gota é
tamanho único!
— De forma nenhuma. Tem gotas gordas e gotas magras. Tamanho P, M
e G! Mas tudo bem, se o senhor está dizendo que não é importante...
— Então ótimo.
— Peraí, só pra rememorar... são três gotas em cada ouvido, três
vezes ao dia. Se ele tem dois ouvidos, são 18 gotas por dia. Durante 20 dias,
360 gotas. Acertei?
— Acertou. Meus parabéns. Até mais ver.
— Um momento! E se acontecer de caírem quatro gotas em vez de
três?!
— Qual é o problema?
— Eu é que pergunto! Qual é o problema? Ele pode ficar, sei lá...
com alguma seqüela no tímpano? Ficar surdo? Mudo? Gago? Gay?
— Se você não desligar agora, eu vou ficar com seqüelas! Eu!
— Se você não desligar agora, eu vou ficar com seqüelas! Eu!
— Tá, calma... Eu posso pelo menos pedir uma última coisa? Só pra
eu ficar tranqüila?
— Ai, Jesus! O quê?
— Deixa eu dar um subidinha aí, rápido. Só pro senhor tirar a
temperatura dele uma última vez. Eu... Tá, nem precisa tirar a temperatura,
basta olhar pra ele.
— Rita!
— Tá, então eu nem subo. O senhor vê ele pela janela! Já estou
aqui com ele, na calçada. Estou levantando no colo, bem alto, pro senhor ver
melhor! Só uma olhadinha pela janela...
***
— Alô, dr. Felipe.
— Alôoorg... Rita, são quatro da madrugada. É a sétima vez que
você me liga hoje.
— Dessa vez é grave. O Dudu vomitou!
— Claro. Ele está com uma intoxicação. E eu já passei a medicação.
— Mas é que não tá normal... Tá assim com uns grânulos... e com
umas cascas... e uns pêlos... acho, inclusive, que tem uma mosca no meio.
— Rita, eu vou desligar.
— Dessa vez é diferente! Juro! A cor, sei lá... Sabe aqueles
catálogos de cortina? Pois é, não encontrei nenhuma cor que corresponda...
— Procura num catálogo de estofados que você encontra. Boa noite!
— Procura num catálogo de estofados que você encontra. Boa noite!
— Mas a aparência está horrível! O senhor tem que dar uma olhada!
— Acontece que eu estou de férias em Cancún! Você está me fazendo
uma ligação internacional! E eu não vou voltar pro Brasil pra ver as
"golfadas" do Dudu!
— Então... eu tiro uma fotografia das golfadas! Mando por Sedex.
— Não faça isso!
— Vou aproveitar e mandar uma foto minha, ampliada, pro senhor ver
como eu estou completamente acabada de preocupação. Alô, dr. Felipe? Ué...
desligou.
***
— Dr Felipe? É o senhor?
— Não, aqui é da Funilaria Alcântara. Foi engano. Passar bem.
— Não adianta me enganar! Reconheci sua voz.
— Fala, Rita...
— É sobre a meleca do Dudu. Ela está completamente verde e...
— Claro que está verde! Eu nunca vi meleca roxa! Nem azul! Sempre
foi verde! Antes de Cristo, ela já era verde. Os romanos, os egípcios... todos
tinham melecas verdes! Cleópatra tinha meleca verde!
— Acontece que não é só a questão da cor. É a quantidade. Pro
senhor ter uma idéia, eu já juntei um balde e dois tupper-wares só de
catarro.
— Um balde e dois tupper-wares??!
— Um balde e dois tupper-wares??!
— Guardei na geladeira pra poder mostrar pro senhor quando eu
conseguir marcar uma hora. Mas do jeito que está difícil, pra não estragar, vou
ter que congelar no freezer.
— Peraí, só pra ver se eu entendi. Você vai congelar o catarro do
seu filho... pra me mostrar?
— No dia da consulta eu boto no defrost, potência alta e
descongelo. A não ser que o senhor queira ver logo. Eu posso deixar
os tupper-wares na portaria do consultório.
— Não! De forma nenhuma! Os... os porteiros podem pensar que... é
meu almoço!
— Tá. Então eu vou deixar a fita cassete aí. Pelo menos isso.
— Fita cassete?! Que fita cassete?!
— Que eu gravei com a tosse do Dudu. Pro senhor ouvir. E gravei
ele falando 33. Se o senhor não se incomodar, vou mandar também a tosse da
minha mãe, que está uma coisa pavorosa — parece que ela engoliu um urso.
— Eu... tá... Manda a tosse de quem você quiser. Do seu pai, da
sua tia, de alguma vizinha. Grava em fita. Faz um vídeo. Um documentário. E já
que chegamos até aí... por que não um longa? Sobre catarro! O filme pode se
chamar "Matou a mãe do paciente e foi ao cinema". Que tal?
PIADA
GORJETA DE BÊBADO
O malandro chega numa festa com
aquele jeitinho e convence o porteiro a entrar sem pagar. Diz ele que depois
recompensaria o porteiro. Entrou de fininho e curtiu a festa como pode. Na
saída, encostou no leão de chácara e colocou a mão no bolso do porteiro,
dizendo:
- Isso é pra você tomar um
Whiskinho. - E saí tranquilamente.
O porteiro, sentindo um geladinho, enfia a mão no bolso e tira duas pedras de gelo que o bêbado havia colocado..
O porteiro, sentindo um geladinho, enfia a mão no bolso e tira duas pedras de gelo que o bêbado havia colocado..
MILLÔR FERNANDES
“Se todos os homens recebessem exatamente o que
merecem, ia sobrar muito dinheiro no mundo.”
MILLOR FERNANDES
POESIA
JOSÉ SARAMAGO
PORTUGAL = 1922-2010
PORTUGAL = 1922-2010
Não Me Peçam Razões
Não me peçam razões, que
não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.
Nâo me peçam razões por que se entenda
A força da maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei;
Não fiz a lei e o mundo não aceito.
Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir;
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.
CONTO
ARTHUR AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA = 1855
/ 1908
Um Don Juan de Província
Quando fui pela primeira vez
àquela patriarcal cidade de província, o Linhares, que eu chamava primo, por
ser filho da primeira mulher de meu pai, não quis que eu ficasse no hotel, e levou-me
para sua casa, onde havia um quarto de hóspedes.
Durante os dias que ali me
demorei fui carinhosamente tratado, e ainda hoje sou reconhecido aos favores do
primo Linhares e de sua família, senhora e cinco senhoritas casadeiras.
Eu não fazia outra coisa todos os
dias senão passear pela cidade, e à tarde, depois de jantar, o primo Linhares
mandava colocar sete cadeiras no passeio, à porta da rua, e ele, a senhora, as
senhoritas e eu sentavam-nos ao ar livre, e conversávamos até ao escurecer. Era
muito divertido.
Numa das tardes em que estávamos
assim, perambulando sobre os mais variados assuntos, surgiu de uma esquina, a
cem passos do lugar em que nos achávamos, o vulto esguio de um rapaz moreno, de
grandes bigodes, envolto numa capa espanhola e com a cabeça coberta por um
grande chapéu desabado.
O primo Linhares, mal que o viu,
ergueu-se e disse imperiosamente às senhoritas:
- Meninas, vão para dentro: vem
ali o Flávio Antunes!...
As cinco senhoritas levantaram-se
e desapareceram, correndo no interior da casa.
E o primo Linhares explicou-me:
- Aquele Flávio Antunes é um
patife, um sedutor de senhoras casadas, um Don Juan!... Não consinto que as
pequenas olhem para ele!... Não há nesta cidade sujeito mais desmoralizado!
Nenhum pai de família honrado o recebe em casa!
E como o tal Flávio Antunes se
aproximasse:
- Olhe para aquele todo! Veja! -
o tipo completo do conquistador!...
E o transeunte, que era,
efetivamente, um rapagão, passou fazendo ao primo Linhares um cumprimento, que
não foi correspondido.
* * *
Um ano depois, o primo veio ao
Rio de Janeiro. Fui recebê-lo na estação da Estrada de Ferro, e tratei logo de
perguntar pela família.
- Estão todos bons. A minha
pequena mais velha foi pedida à semana passada.
- Por quem?
- Por um excelente rapaz - o
Flávio Antunes.
- Perdão... mas o Flávio Antunes
não era...
- Era sim! mas que quer você? Com
aquela coisa de mandar as meninas para dentro todas as vezes que ele passava lá
por casa, fiz-lhe um extraordinário reclame! Todas elas gostavam dele, e ele
gostou da mais velha!
- Ora! Hão de ser muito felizes.
- Sim, mesmo porque, melhor
informado, me convenci de que a má reputação do pobre rapaz era unicamente
devida àquela capa espanhola e aquele chapéu desabado!
- Deveras?
- Eram mais as nozes que as
vozes, e se algumas falcatruas fez ele, coitado, foi em conseqüência do reclame
que lhe fazíamos, eu e outros pais de família.
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