sábado, 26 de janeiro de 2013
POESIA = Manuel Bandeira
MANUEL BANDEIRA
RECIFE-PE =
1886-1968
O Silêncio
Na sombra cúmplice do quarto,
Ao contacto das minhas mãos lentas,
A substância da tua carne
Era a mesma que a do silêncio.
Ao contacto das minhas mãos lentas,
A substância da tua carne
Era a mesma que a do silêncio.
Do silêncio musical, cheio
De sentido místico e grave,
Ferindo a alma de um enleio
Mortalmente agudo e suave.
Ah, tão suave e tão agudo!
Parecia que a morte vinha...
Era o silêncio que diz tudo
O que a intuição mal adivinha.
É o silêncio da tua carne.
Da tua carne de âmbar, nua,
Quase a espiritualizar-se
Na aspiração de mais ternura.
PIADAS
Leite De
Vaca
O camarada passou 01 ano fora e quando voltou encontrou a esposa com um menino com olhos de japonês, no colo.
- É nosso filho
amor, ele tem olhos puxados, porque eu não tinha leite e uma japonesa, no
hospital, se ofereceu pra dar de mamar e ele ficou assim...
O cara, meio
desconfiado , foi perguntar pra mãe dele se era possível acontecer uma coisa
dessas. E a velha, depois de escutar tudo, respondeu, indignada:
- Mas claro que é
possível! Quando você nasceu aconteceu a mesma coisa. Eu não tinha leite,
coloquei você pra mamar numa vaca e você ficou assim, chifrudo.
Sermão
Um padre do interior conversa com outro:
- Minha bicicleta
foi roubada...
O outro diz:
- Eu tenho uma
ideia pra sabê quem foi: na hora do sermão, cite os 10 mandamentos. Quando
chegá no «Não roubarás» dê uma paradinha e olhe bem no olhos dos fiéis... O
culpado vai se denunciar!
Após a missa os
padres se encontraram:
- O sermão deu
certo, vejo que o senhor recuperou a bicicleta. Achou quem roubou?...
- Mais ou menos - responde ele - na verdade, quando cheguei ao «Não desejarás a mulher do próximo» cabei lembrando ondé é que eu tinha deixado...
- Mais ou menos - responde ele - na verdade, quando cheguei ao «Não desejarás a mulher do próximo» cabei lembrando ondé é que eu tinha deixado...
A Cortina
O casal acaba se
mudar para um novo apartamento e, depois de ver o banheiro, a mulher alerta o
marido:
- Alfredo, não gostei
nem um pouco dessa janela grande no banheiro! Os vizinhos vão me ver tomando
banho todos os dias. É melhor você comprar uma cortina!
- Se preocupe
não, querida! Depois que os vizinhos te virem tomando banho pela primeira vez,
eles é que vão comprar uma cortina!
Suicida
Vinha pela estrada uma caravana de motociclistas fortes, bigodudos, em suas poderosas motos, quando de repente eles veem uma garota a ponto de saltar de uma ponte de um rio.
Eles param e o líder deles, particularmente corpulento e de aspecto rude, salta, se dirige a ela e pergunta:
— Que diabos você
está fazendo?
— Vou suicidar.
Responde suavemente a delicada garota com a voz cadenciada e ameaçando pular.
O motociclista pensa por alguns segundos e finalmente diz:
O motociclista pensa por alguns segundos e finalmente diz:
— Bom, antes de
saltar, por que não me dá um beijo?
Ela acena com a
cabeça, bota de lado os cabelos compridos encaracolados e dá um beijo longo e
apaixonado na boca do motociclista parrudão.
Depois desta
intensa experiência, a gangue de motoqueiros aplaude o líder que depois de
recuperar o fôlego, alisa a barba e admite:
— Este foi o
melhor beijo que me deram na vida. É um talento que se perderá caso você se
suicide. Por que quer morrer?
— Meus pais não
gostam que eu me vista de mulher!
JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
ANGOLA = 1960
Parábola Do Homem Sábio
Um dia um homem sábio morreu. No reino dos céus
encontrou-se face a face com o Senhor Deus. Este perguntou-lhe:
“Tu, que és
sábio e viveste inúmeros anos, diz-me o que aprendeste de realmente
importante.”
Respondeu o homem sábio:
“Uma só coisa
aprendi de realmente importante: a ignorar os mestres.”
O Senhor Deus olhou-o num demorado silêncio.
Depois voltou-lhe as costas e foi-se embora.
Aquele que tem ouvidos que ouça!
José Eduardo Agualusa, in 'A Educação Sentimental dos Pássaros '
JOSÉ SARAMAGO
JOSÉ SARAMAGO
PORTUGAL = 1922-2010
A Fatalidade Do Não
A palavra de que eu
gosto mais é não. Chega sempre um momento na nossa vida em que é
necessário dizer não. O não é a única coisa efetivamente
transformadora, que nega o status quo. Aquilo que é tende sempre a
instalar-se, a beneficiar injustamente de um estatuto de autoridade. É o
momento em que é necessário dizer não. A fatalidade do não - ou a nossa
própria fatalidade - é que não há nenhum não que não se converta em
sim. Ele é absorvido e temos que viver mais um tempo com o sim.
José Saramago, in 'Folha de S. Paulo (1991)'
POESIA = Odilon Nestor
O D I L O N N E S T O R
* TEIXEIRA-PB, 1874 =
RECIFE-PE, 1968
A Seca
Todo esse campo
agora abandonado
queimou do sol a
pólvora candente!
Já de verde não
tinge a grama olente,
secaram fontes, e
morreu o gado!
O céu não chora o
orvalho suspirado;
nem sombra existe
na planície ardente!
Ninhos sem ave,
habitações sem gente...
quanta gente sem
pão, por todo o lado!...
E enquanto o
vento cálido rugita,
e na fúria cruel,
ríspido, agita
o esqueleto das
árvores crestadas,
Faminto e nu, em
retirada informe,
vê-se ir além
descendo um povo enorme,
a pedir e a
morrer pelas estradas!...
HONORÉ DE BALZAC
HONORÉ DE BALZAC
FRANÇA =
1799-1850
"O bom marido nunca deve ser o
primeiro a adormecer à noite,
nem o último a acordar pela
manhã."
"O homem morre a primeira vez
quando perde o entusiasmo."
"O amor é a única paixão que
não admite nem passado nem futuro."
"O dinheiro só é poder quando
existente em quantidades desproporcionadas."
"A necessidade é com frequência
a espora do gênio."
"O acaso é o maior romancista
do mundo; para se ser fecundo, basta estudá-lo."
"A alegria só pode brotar de
entre as pessoas que se sentem iguais."
"O remorso é uma impotência,
ele voltará a cometer o mesmo
pecado. Apenas o arrependimento é
uma
força que põe termo a tudo."
"Os pintores só devem meditar
com os pincéis na mão."
"É mais fácil ser-se amante que
marido, pela simples razão
de que é mais difícil ter espírito
todos os dias do que
dizer coisas bonitas de quando em
quando."
POESIA = João Cabral de Melo Neto
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
RECIFE-PE
= 1920 / 1999
Cais Do Apolo
1 - No Cais do Apolo, no Recife,
fazia-se literatura,
com muito beber de cachaça
e indiferentes prostitutas
fazia-se literatura,
com muito beber de cachaça
e indiferentes prostitutas
De dia, nenhuma ia nele
e assim dele pouco sabia:
dos armazéns escancarados
onde açúcar entrava e saia,
onde barcaças, barcaceiros,
onde escritórios, escrituras:
de dia, todo do comércio,
de noite, de Rimbaud, das putas.
De noites, os lampiões amarelos
fingiam a noite européia
entrevista em filme francês
(usava-se muito “atmosfera”)
2 - Agora, nenhum Cais do Apolo,
nem Cais do Brum, há que se veja.
São cais nas placas das paredes
mas a água até eles não chega.
Antes foi cais de mar e rio
(no fundo, era cais de maré),
hoje é cais de terra aterrada
(onde as barcaças, chevrolets)
São cais nas placas das paredes
mas a água até eles não chega.
Antes foi cais de mar e rio
(no fundo, era cais de maré),
hoje é cais de terra aterrada
(onde as barcaças, chevrolets)
Muitos arranha-céus cresceram
naquelas praias devolutas
e os computadores que trazem
dão com Rimbauds, se algum perdura.
Hoje, no que foi
Cais do Apolo
literatura não há mais:
melhor para a literatura
que sem entreluzes se faz.
literatura não há mais:
melhor para a literatura
que sem entreluzes se faz.
PIADAS
Cuidado
Com A Parede!
Uma
cerimônia funerária estava sendo realizada para uma mulher que havia acabado de
falecer.
Ao final da cerimônia, os carregadores estavam levando o caixão para fora, quando, acidentalmente, bateram numa parede, deixando o caixão cair. Eles escutaram um fraco lamento.
Abriram o caixão e descobriram que a mulher ainda estava viva! Ela viveu por mais dez anos e, então, morreu.
Ao final da cerimônia, os carregadores estavam levando o caixão para fora, quando, acidentalmente, bateram numa parede, deixando o caixão cair. Eles escutaram um fraco lamento.
Abriram o caixão e descobriram que a mulher ainda estava viva! Ela viveu por mais dez anos e, então, morreu.
Mais
uma vez uma cerimônia foi realizada e, ao final dela, os carregadores estavam
novamente
levando o caixão. Quando eles se aproximaram da porta, o marido gritou:
"Cuidado com a parede!"
levando o caixão. Quando eles se aproximaram da porta, o marido gritou:
"Cuidado com a parede!"
Notícia De Morte
O
tenente chamou o Cabo e disse:
-
Cabo, temos uma triste noticia: a mãe do soldado 109 acaba de morrer no hospital.
Dê esta noticia para ele, mas veja bem! Dê a noticia de uma maneira diferente,
de forma que ele não fique muito chocado !
Dessa
forma o Cabo saiu dali e pos a guarda em forma, e entao bradou:
- Quem tem mãe dê um passo a frente!... VOCÊ NÃO 109 !
- Quem tem mãe dê um passo a frente!... VOCÊ NÃO 109 !
Segurando Os Cabides
Um
amigo do Manuel o vê carregando um armário nas costas pela rua e diz:
-
Cê é louco, Manuel, este armário é muito pesado, precisa de dois para levar...
- Nós somos dois, o Joaquim está dentro segurando os cabides !!
- Nós somos dois, o Joaquim está dentro segurando os cabides !!
Duas Mulheres Na Fila Da Padaria:
- Aninha! Que bom te ver, Eu soube que o seu marido fugiu com a sua empregada, é verdade?
- É... foi na semana passada!
- Mas que horror... logo com a empregada! Como você está se sentindo?
- Na verdade, não me incomodei muito... eu ia mandá-la embora mesmo!
MILLÔR FERNANDES
MILLÔR
FERNADES
RIO
DE JANEIRO-RJ = 1923-2012
O
Juízo Final
Chegou o miserável milionário no céu
e, impacientemente, esperou a sua vez de ser julgado. Introduziram-no numa
sala, noutra sala, noutra sala, até que se viu frente a uma luz ofuscante, na
qual pouco a pouco foi dintinguindo a figura santa do pai dos Homens. Em voz
tonitroante este, tendo à direita, Pedro, e, à esquerda, uma figura que ele não
conhecia, julgou sumariamente dois outros pecadores que estavam à sua frente.
E, afinal, dirigiu-se a ele:
- Que fez você de bom na sua vida
?
- Bem, eu nasci, cresci, amei,
casei, tive filhos, vivi.
- Ora - disse o Senhor - isso são
actos sociais e biológicos a que você estava destinado. Quero saber que bondade
específica e determinada você teve para com o seu semelhante.
- Bem - disse o milionário - eu
criei indústrias, comprei fazendas, dei emprego a muita gente, melhorei as
condições sociais de muita gente.
- Não, isso não serve - disse o
Todo-Poderoso - essas acções estavam implícitas ao acto de você enriquecer.
Você as praticou porque precisava viver melhor. Não foram intrinsecamente boas
acções, desprendidas, não servem.
O milionário escarafunchou o cérebro
e não encontrou nada. Em verdade, passara uma vida egoísta, pensando apenas em
si mesmo. Nunca o preocupara seu semelhante, nunca olhara para o ser humano a
seu lado senão como uma fonte de lucro para as suas indústrias. Mas, de
repente, lemboru-se das obras de filantropia.
- Ah - disse, puxando uma caderneta
- aqui está. Uma vez dei cem cruzeiros para uma velhinha da Casa dos Artistas,
outra vez contribuí com duzentos cruzeiros para o Hospital dos Alienados e
outra vez contribuí com quinhentos cruzeiros para a Fundação das Operárias de
Jesus.
- Só ? - perguntou Deus.
- Só - disse o milionário
contrafeito.
- Josué! - gritou o Todo-Poderoso -,
dê oitocentos cruzeiros ao cavalheiro aqui e que vá para o Inferno.
Moral: Amor com amor se paga e
o dinheiro com dinheiro também.
Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"
POESIA = Fernando Pessoa
FERNANDO
PESSOA
PORTUGAL = 1888 / 1935
Ó
Sino Da Minha Aldeia
Ó sino da minha aldeia
dolente na tarde calma,
cada tua badalada
soa dentro da minha alma...
dolente na tarde calma,
cada tua badalada
soa dentro da minha alma...
E é tão lento o teu soar,
tão como triste da vida,
que já a primeira pancada
tem o som de repetida.
tão como triste da vida,
que já a primeira pancada
tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto,
quando passo, sempre errante,
és para mim como um sonho,
soas-me na alma distante.
quando passo, sempre errante,
és para mim como um sonho,
soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
vibrante no céu aberto,
sinto o passado mais longe,
sinto a saudade mais perto...
vibrante no céu aberto,
sinto o passado mais longe,
sinto a saudade mais perto...
JOSÉ CARLOS OLIVEIRA = Os Abridores De Bar
JOSÉ CARLOS OLIVEIRA
VITÓRIA-ES = 1934-1986
Os Abridores De Bar
Apresento-lhes
Vaguinho, o abridor de bar. Está numa fase péssima, conforme ele próprio
reconhece: não consegue parar. De madrugada desaba na cama, sem força sequer
para tirar os sapatos. Às 10 horas da manhã abre um olho atônito para a
realidade - a luz do dia - que não lhe agrada de forma alguma. No banheiro,
escova os dentes com mãos trêmulas. Examina-se no espelho, está vivo;
sobreviveu. A barba por fazer. E vai ficar assim mesmo: não se sente em
condições neurológicas de manejar o aparelho de barbear. Tem um calombo na
testa, que dói latejando, e um arranhão no nariz. Deve ter dado uma cabeçada
durinho no chão do bar. Não se lembra de nada, nem mesmo como conseguiu enfiar
a chave yale na fechadura. Está sujo, desgostoso, atormentado por um remorso do
tamanho de todos os pecados cometidos ao longo da vida.
Desce e vai
indo. No primeiro botequim, que não frequenta, pois é homem de bares de
primeira categoria (boa comida, boas mulheres, bebida importada), pede um maço
de cigarros e um cafezinho. Ergue a xícara: ela começa a balançar, o café se
derrama no pires, todo o seu corpo treme agora. Desiste. Afasta-se do botequim
sem beber o café. Segue seu caminho angustiado, tendo a sensação de que todos o
observam e julgam: "um rapaz tão novo!" Vinte metros adiante, o
primeiro bar. A porta fechada. Mas lá dentro há barulhos, os garçons estão
arrumando o ambiente. Ele bate, frenético:
- Abre essa
porta, Franklin! Vamos abrir essa porcaria, Franklin!
Franklin, sem
camisa, com uma vassoura na mão, obedece.
Vaguinho vai
entrando, finalmente são e salvo.
- Me dá logo
uma abrideira, Franklin! Um caubói, rápido! Senão, como é que vai ser?
Franklin
encosta a vassoura, passa para dentro do balcão e enche um copinho com uísque
puro. Vaguinho vira o copinho num gole só.
- Manda outro,
que hoje eu não estou nos meus grandes dias. E vá logo fazendo um normal, com
gelo.
Vira o segundo
copinho: é o uísque do caubói, aquele que o mocinho bebe no balcão, vigiando pelo
espelho os bandoleiros que estão às suas costas, antes de começar o tiroteiro
no saloon.
Vaguinho agora
está sentado no lugar de sempre. Todo bêbado que se preza tem um cantinho de fé
nos bares que constituem o seu périplo cotidiano. Já não treme tanto. O shimmie
está passando. Shimmie é como se chama a descoordenação motora
provocada pelo excessivo consumo de álcool. Nisto batem na porta:
- Abre essa
joça, Franklin!
Vaguinho
sorri. Já não está só. Eis chegando um novo abridor de bar. E esse já vem a
mil:
- Adentra o
gramado o popular Robertão!
Sentados um em
frente ao outro.
- Como é que
você está, garoto?
- Mais ou
menos - responde Vaguinho. - Mais para menos do que para mais. Estou me
recuperando de um shimmie desgraçado...
- Isso é bom,
isso é bom...
Robertão não
precisa pedir nada. Franklin já está preparando o seu gim-tônica.
- Você sabe
que eu não sei onde foi que estive ontem? Me deu um branco, rapaz...
- Bem, eu te
vi aqui mesmo, ali pelas oito horas. Você já estava num fogo dos diabos; já
estava como o diabo agora. Com três garotas, todas três muito bem-apanhadas.
Depois vocês quatro saíram, e a partir daí, eu também ignoro onde é que você
possa ter ido.
- Rapaz, é
isso aí... Amnésia alcoólica...
- E quem eram
as garotas?
- Sei lá...
Rapaz, aquelas minas bebem mais do que nós dois juntos... Devem estar escornadas
por aí...
- Mulher
quando dá para beber é sempre mais corajosa do que homem. Elas é que vão até o
fundo do poço. Aliás...
No que disse
aliás, entrou no bar o Vitório Morgado, o Morgadinho:
- Hoje ninguém
me segura!
- Já somos
três - observou Vaguinho. - Podemos iniciar os trabalhos.
- É isso mesmo
- disse Robertão. - Já temos quorum. Eh Franklin! Põe música nessa vitrola que
a festa vai começar!
PROVÉRBIOS SOBRE BEBIDA
A bebida desperta o poeta que há em
cada um de nós
Beber é uma arte, seja um artista
Boa pinga não carece propaganda
Cachaça tira juízo, mas dá coragem
Cachaça, mulher e bolacha em toda
parte se acha
Capote de pobre é cachaça
Fruta azeda e mulher feia só com
cachaça
Jogo e bebida, casa perdida
Quando a cachaça chega, a vergonha
vai embora
Quando a cachaça desce, as palavras
sobem
FRASES DE CAMINHONEIROS
FRASES DE
CAMINHONEIROS
Feia por fora e bonita por dentro? Vira do
avesso!
Imbecil não tem tédio
Homem é como basculante: quando velho, não
levanta mais
Jurei te esquecer, mas de tão esquecido
esqueci de te esquecer
Mulher não vale nada, até pobre tem
Mulher natural, Brahma gelada
Mulher noturna não ama ninguém
Não sou galinha, mas meu coração é um poleiro
Não sou dentista, mas gosto de banguela
No começo é bom, no fim é pior
Nem no dia de sua morte o coveiro falta ao
cemitério
CRÔNICA = Ivan Ângelo
IVAN ÂNGELO
BARBACENA-MG = 1936
Meio Covarde
Eu devia
ter dezesseis, dezoito anos no máximo. Teresa era uma vizinha nova e falada.
Não eram necessários muitos motivos para uma moça ficar falada naqueles anos
50, mas Teresa conseguiu reunir quase todos: decote, vestido justo, batom
vermelho, sardas, tempo demais na janela, marido noturno e bissexto, muito
bolero no toca-discos e, motivo dos motivos, corpo em forma de violão, como se
dizia. Entre a minha casa e a dela havia um muro. Na época da antiga vizinha,
velha, feia, engraçada, amiga que eu visitava sempre, costumava pular nosso
muro para encurtar caminho. Ela não se importava e eu era quase uma criança.
Agora, olhando disfarçadamente a nova vizinha, eu ficava pensando como seria
bom pular o muro outra vez. Mas para essas coisas sou meio covarde.
O muro ficava na área do tanque de lavar roupa. Do lado de lá, ela cantava com uma voz sensual, inquietante. Meu pai não gostava, sabe-se lá por quê. Minha mãe também não, pode-se imaginar por quê. Talvez os motivos dele e dela convergissem para o mesmo ponto, embora diferentes, ponto que era o meu motivo para gostar tanto daquele canto. A voz ficava equilibrando-se em cima do muro: "Meu bem, esse seu corpo parece, do jeito que ele me aquece, um amendoim torradinho". Dava para ouvir minha mãe murmurar: "Sem-vergonha". O "torradinho" era quase um gemido rouco, talvez ela cantasse de olhos fechados. De vez em quando umas calcinhas de renda eram penduradas no varal. Minha mãe não suportava aquilo. Eu tinha vontade de espiar por cima do muro para ver o que ela estava fazendo, mas para essas coisas sou meio covarde.
Não era casada - a suspeita era geral. Mulher casada procura as vizinhas, apresenta o marido, pede uma xícara de arroz emprestado. A independência de Teresa insultava a comunidade solidária de mães, avós e filhas, sempre se socorrendo com um molhozinho de couve, uma olhadinha no bebê, um trocadinho para o ônibus. Os homens tinham pouco que fazer naquele quarteirão: meninos jogando bola na rua, adolescentes trabalhando como office-boys ou balconistas de dia e estudando à noite, maridos trabalhando de dia e relaxando à noite com uma cervejinha — todos desejando Teresa. Quando eu voltava do colégio, perto da meia-noite, via-a no alto do alpendre, esperando o marido, o amante: o homem. Eu olhava, ela fumava, eu passava, ela ficava. Com a repetição Teresa já me sorria, mas eu desconfiava do ar zombeteiro dela e nunca acreditei no sorriso. Tinha vontade de enfrentá-la e perguntar, bem atrevido: está rindo de mim ou pra mim? Em casa, na frente do espelho, ensaiava o tom, mãos na cintura. Quando vinha no bonde, de volta do colégio, planejava: hoje eu falo. Mas nunca consegui. Sou meio covarde para essas coisas.
Uma noite ela assoviou. Usava-se naqueles anos um assovio de galanteio, de homem para mulher, um silvo curto logo emendado num mais longo, fui-fuiiiu, que podia ser traduzido em palavras, e até era às vezes, quando a pessoa queria ser mais discreta, ou quando estava contando que assoviaram para ela, e nesse caso a garota falava: fulano fez um fui-fuiu pra mim. As mulheres às vezes usavam o assovio para imitar com certa graça o jeito cafajeste dos homens, e foi o que Teresa fez naquela noite. Tomei coragem, voltei, abri o portão, subi as escadas, parei na sua frente no alpendre. Ela vestia um penhoar azul e sorria da minha ousadia. Eu pretendia parecer desafiador, seguro, dono da situação, mas o sorriso dela não indicava nada disso. Teresa disse com malícia que o marido estava para chegar, não seria bom encontrar-me ali. Concentrei-me no papel tantas vezes ensaiado, respondi que seria ótimo se ele chegasse, que assim eu poderia explicar que ela havia assoviado, que eu havia subido para tomar satisfações, que não sou palhaço... Não creio que a representação tenha sido muito boa: ela continuava sorrindo. Recostou-se na amurada, usando a luz do alpendre como uma atriz num palco, e sua voz quente convidou: "Ele não vem hoje. Quer entrar um pouco?" Deveria ter sido mais prudente e recusado, mas para essas coisas não sou covarde.
Entrei, conversamos sobre o meu futuro e o passado dela. Vem cá ver minhas fotos, me disse, e eu a segui até um quarto pequeno onde havia uma grande cama, um guarda-roupa, uma mesinha com um abajur. Senta, ela disse. Apanhou no guarda-roupa uma caixa e mostrou-me fotografias de quando era mocinha, cartas apaixonadas de antigos namorados, retratos deles ou de outros com declarações de amor nas costas e uns versos dedicados a ela pelo namorado atual. "Ele não é meu marido, não." Eram sonetos copiados de Camões, palavra por palavra. Amor é ferida que dói e não se sente. Busque amor, novas artes, novo engenho. Alma minha gentil que te partiste. "Eu não gosto muito dele, mas gosto que ele me ame assim. Os meus namorados sempre me amaram muito." Tive ciúmes deles e vontade de contar a ela que os sonetos eram de Camões, mas para essas coisas sou meio covarde.
A roupa que Teresa vestia nem sempre estava onde deveria estar. Conversar em cima de uma cama, recostar, mudar o braço de apoio, apanhar coisas para mostrar, buscar conforto são movimentos que podem impedir um penhoar azul de cumprir seu papel, mesmo que a pessoa não queira. Quando chegou a hora de falarmos de nós, disse-lhe que seus olhares e sorrisos me pareciam zombaria e me deixavam encabulado. Que tinha vontade de perguntar a ela "o quê que há?", em tom de briga. Que tinha só dezessete (ou dezoito?) anos. Ela falou que me achava muito sério para minha idade, muito bonitinho também, que quando ouvia barulho de bonde depois das onze corria para o alpendre para me ver e que às vezes me olhava por cima do muro. Tive vontade de contar que sonhava muito com ela. Mas para essas coisas sou meio covarde.
Quase de manhã, pulei o muro que dava para minha casa. Ela me disse que voltasse outras vezes. Era perigoso e eu deveria ter recusado. Mas para essas coisas não sou covarde.
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