MILLÔR
FERNADES
RIO
DE JANEIRO-RJ = 1923-2012
O
Juízo Final
Chegou o miserável milionário no céu
e, impacientemente, esperou a sua vez de ser julgado. Introduziram-no numa
sala, noutra sala, noutra sala, até que se viu frente a uma luz ofuscante, na
qual pouco a pouco foi dintinguindo a figura santa do pai dos Homens. Em voz
tonitroante este, tendo à direita, Pedro, e, à esquerda, uma figura que ele não
conhecia, julgou sumariamente dois outros pecadores que estavam à sua frente.
E, afinal, dirigiu-se a ele:
- Que fez você de bom na sua vida
?
- Bem, eu nasci, cresci, amei,
casei, tive filhos, vivi.
- Ora - disse o Senhor - isso são
actos sociais e biológicos a que você estava destinado. Quero saber que bondade
específica e determinada você teve para com o seu semelhante.
- Bem - disse o milionário - eu
criei indústrias, comprei fazendas, dei emprego a muita gente, melhorei as
condições sociais de muita gente.
- Não, isso não serve - disse o
Todo-Poderoso - essas acções estavam implícitas ao acto de você enriquecer.
Você as praticou porque precisava viver melhor. Não foram intrinsecamente boas
acções, desprendidas, não servem.
O milionário escarafunchou o cérebro
e não encontrou nada. Em verdade, passara uma vida egoísta, pensando apenas em
si mesmo. Nunca o preocupara seu semelhante, nunca olhara para o ser humano a
seu lado senão como uma fonte de lucro para as suas indústrias. Mas, de
repente, lemboru-se das obras de filantropia.
- Ah - disse, puxando uma caderneta
- aqui está. Uma vez dei cem cruzeiros para uma velhinha da Casa dos Artistas,
outra vez contribuí com duzentos cruzeiros para o Hospital dos Alienados e
outra vez contribuí com quinhentos cruzeiros para a Fundação das Operárias de
Jesus.
- Só ? - perguntou Deus.
- Só - disse o milionário
contrafeito.
- Josué! - gritou o Todo-Poderoso -,
dê oitocentos cruzeiros ao cavalheiro aqui e que vá para o Inferno.
Moral: Amor com amor se paga e
o dinheiro com dinheiro também.
Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"
Nenhum comentário:
Postar um comentário