JOSÉ CARLOS OLIVEIRA
VITÓRIA-ES = 1934-1986
Os Abridores De Bar
Apresento-lhes
Vaguinho, o abridor de bar. Está numa fase péssima, conforme ele próprio
reconhece: não consegue parar. De madrugada desaba na cama, sem força sequer
para tirar os sapatos. Às 10 horas da manhã abre um olho atônito para a
realidade - a luz do dia - que não lhe agrada de forma alguma. No banheiro,
escova os dentes com mãos trêmulas. Examina-se no espelho, está vivo;
sobreviveu. A barba por fazer. E vai ficar assim mesmo: não se sente em
condições neurológicas de manejar o aparelho de barbear. Tem um calombo na
testa, que dói latejando, e um arranhão no nariz. Deve ter dado uma cabeçada
durinho no chão do bar. Não se lembra de nada, nem mesmo como conseguiu enfiar
a chave yale na fechadura. Está sujo, desgostoso, atormentado por um remorso do
tamanho de todos os pecados cometidos ao longo da vida.
Desce e vai
indo. No primeiro botequim, que não frequenta, pois é homem de bares de
primeira categoria (boa comida, boas mulheres, bebida importada), pede um maço
de cigarros e um cafezinho. Ergue a xícara: ela começa a balançar, o café se
derrama no pires, todo o seu corpo treme agora. Desiste. Afasta-se do botequim
sem beber o café. Segue seu caminho angustiado, tendo a sensação de que todos o
observam e julgam: "um rapaz tão novo!" Vinte metros adiante, o
primeiro bar. A porta fechada. Mas lá dentro há barulhos, os garçons estão
arrumando o ambiente. Ele bate, frenético:
- Abre essa
porta, Franklin! Vamos abrir essa porcaria, Franklin!
Franklin, sem
camisa, com uma vassoura na mão, obedece.
Vaguinho vai
entrando, finalmente são e salvo.
- Me dá logo
uma abrideira, Franklin! Um caubói, rápido! Senão, como é que vai ser?
Franklin
encosta a vassoura, passa para dentro do balcão e enche um copinho com uísque
puro. Vaguinho vira o copinho num gole só.
- Manda outro,
que hoje eu não estou nos meus grandes dias. E vá logo fazendo um normal, com
gelo.
Vira o segundo
copinho: é o uísque do caubói, aquele que o mocinho bebe no balcão, vigiando pelo
espelho os bandoleiros que estão às suas costas, antes de começar o tiroteiro
no saloon.
Vaguinho agora
está sentado no lugar de sempre. Todo bêbado que se preza tem um cantinho de fé
nos bares que constituem o seu périplo cotidiano. Já não treme tanto. O shimmie
está passando. Shimmie é como se chama a descoordenação motora
provocada pelo excessivo consumo de álcool. Nisto batem na porta:
- Abre essa
joça, Franklin!
Vaguinho
sorri. Já não está só. Eis chegando um novo abridor de bar. E esse já vem a
mil:
- Adentra o
gramado o popular Robertão!
Sentados um em
frente ao outro.
- Como é que
você está, garoto?
- Mais ou
menos - responde Vaguinho. - Mais para menos do que para mais. Estou me
recuperando de um shimmie desgraçado...
- Isso é bom,
isso é bom...
Robertão não
precisa pedir nada. Franklin já está preparando o seu gim-tônica.
- Você sabe
que eu não sei onde foi que estive ontem? Me deu um branco, rapaz...
- Bem, eu te
vi aqui mesmo, ali pelas oito horas. Você já estava num fogo dos diabos; já
estava como o diabo agora. Com três garotas, todas três muito bem-apanhadas.
Depois vocês quatro saíram, e a partir daí, eu também ignoro onde é que você
possa ter ido.
- Rapaz, é
isso aí... Amnésia alcoólica...
- E quem eram
as garotas?
- Sei lá...
Rapaz, aquelas minas bebem mais do que nós dois juntos... Devem estar escornadas
por aí...
- Mulher
quando dá para beber é sempre mais corajosa do que homem. Elas é que vão até o
fundo do poço. Aliás...
No que disse
aliás, entrou no bar o Vitório Morgado, o Morgadinho:
- Hoje ninguém
me segura!
- Já somos
três - observou Vaguinho. - Podemos iniciar os trabalhos.
- É isso mesmo
- disse Robertão. - Já temos quorum. Eh Franklin! Põe música nessa vitrola que
a festa vai começar!
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