sábado, 26 de janeiro de 2013

JOSÉ CARLOS OLIVEIRA = Os Abridores De Bar


JOSÉ CARLOS OLIVEIRA
VITÓRIA-ES  =  1934-1986


Os Abridores De Bar



Apresento-lhes Vaguinho, o abridor de bar. Está numa fase péssima, conforme ele próprio reconhece: não consegue parar. De madrugada desaba na cama, sem força sequer para tirar os sapatos. Às 10 horas da manhã abre um olho atônito para a realidade - a luz do dia - que não lhe agrada de forma alguma. No banheiro, escova os dentes com mãos trêmulas. Examina-se no espelho, está vivo; sobreviveu. A barba por fazer. E vai ficar assim mesmo: não se sente em condições neurológicas de manejar o aparelho de barbear. Tem um calombo na testa, que dói latejando, e um arranhão no nariz. Deve ter dado uma cabeçada durinho no chão do bar. Não se lembra de nada, nem mesmo como conseguiu enfiar a chave yale na fechadura. Está sujo, desgostoso, atormentado por um remorso do tamanho de todos os pecados cometidos ao longo da vida.
Desce e vai indo. No primeiro botequim, que não frequenta, pois é homem de bares de primeira categoria (boa comida, boas mulheres, bebida importada), pede um maço de cigarros e um cafezinho. Ergue a xícara: ela começa a balançar, o café se derrama no pires, todo o seu corpo treme agora. Desiste. Afasta-se do botequim sem beber o café. Segue seu caminho angustiado, tendo a sensação de que todos o observam e julgam: "um rapaz tão novo!" Vinte metros adiante, o primeiro bar. A porta fechada. Mas lá dentro há barulhos, os garçons estão arrumando o ambiente. Ele bate, frenético:
- Abre essa porta, Franklin! Vamos abrir essa porcaria, Franklin!
Franklin, sem camisa, com uma vassoura na mão, obedece.
Vaguinho vai entrando, finalmente são e salvo.
- Me dá logo uma abrideira, Franklin! Um caubói, rápido! Senão, como é que vai ser?
Franklin encosta a vassoura, passa para dentro do balcão e enche um copinho com uísque puro. Vaguinho vira o copinho num gole só.
- Manda outro, que hoje eu não estou nos meus grandes dias. E vá logo fazendo um normal, com gelo.
Vira o segundo copinho: é o uísque do caubói, aquele que o mocinho bebe no balcão, vigiando pelo espelho os bandoleiros que estão às suas costas, antes de começar o tiroteiro no saloon.
Vaguinho agora está sentado no lugar de sempre. Todo bêbado que se preza tem um cantinho de fé nos bares que constituem o seu périplo cotidiano. Já não treme tanto. O shimmie está passando. Shimmie é como se chama a descoordenação motora provocada pelo excessivo consumo de álcool. Nisto batem na porta:
- Abre essa joça, Franklin!
Vaguinho sorri. Já não está só. Eis chegando um novo abridor de bar. E esse já vem a mil:
- Adentra o gramado o popular Robertão!
Sentados um em frente ao outro.
- Como é que você está, garoto?
- Mais ou menos - responde Vaguinho. - Mais para menos do que para mais. Estou me recuperando de um shimmie desgraçado...
- Isso é bom, isso é bom...
Robertão não precisa pedir nada. Franklin já está preparando o seu gim-tônica.
- Você sabe que eu não sei onde foi que estive ontem? Me deu um branco, rapaz...
- Bem, eu te vi aqui mesmo, ali pelas oito horas. Você já estava num fogo dos diabos; já estava como o diabo agora. Com três garotas, todas três muito bem-apanhadas. Depois vocês quatro saíram, e a partir daí, eu também ignoro onde é que você possa ter ido.
- Rapaz, é isso aí... Amnésia alcoólica...
- E quem eram as garotas?
- Sei lá... Rapaz, aquelas minas bebem mais do que nós dois juntos... Devem estar escornadas por aí...
- Mulher quando dá para beber é sempre mais corajosa do que homem. Elas é que vão até o fundo do poço. Aliás...
No que disse aliás, entrou no bar o Vitório Morgado, o Morgadinho:
- Hoje ninguém me segura!
- Já somos três - observou Vaguinho. - Podemos iniciar os trabalhos.
- É isso mesmo - disse Robertão. - Já temos quorum. Eh Franklin! Põe música nessa vitrola que a festa vai começar!

Nenhum comentário: