HUMBERTO DE
CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886
/ 1934
O Troco
12 de janeiro
O Joaquim P'reira acabava de chegar da
"terra" com o seu chapelão de abas largas e seu sólido jaquetão de
veludo, quando "sô" Manoel Guimarães, proprietário da Padaria
"Flor de Braga", o convidou para caixeiro.
- O essencial - avisou, entretanto,
"sô" Manoel, - é que sejas honesto. O outro rapaz que eu cá tinha,
pu-lo eu ontem na rua por m'haver deitado fora dois mil réis que dele não eram.
Toma tu juízo, que, cá, comigo, prosp'rarás.
O Joaquim prometeu não bulir, jamais, em
dinheiro da casa, e, dois dias depois, era admitido, com todos os sacramentos
da rosca e da farinha de trigo, como caixeiro da "Flor de Braga". E
estava já há uma semana no emprego, quando "sô" Manoel o chamou: -
"Sô" P'reira?
- Cá 'stou! - acudiu o Joaquim.
- Vá à casa do Almeida, no principio da
rua, e receba esta conta de vinte mil réis.
E recomendou, prudente: - Cuidado com o
dinheiro!
O Joaquim pegou na conta, foi à casa
indicada, recebeu uma cédula de vinte mil réis, e vinha, reto, no rumo da
padaria, quando se encontrou com um conterrâneo, o Zé Moreira, a quem não tinha
visto desde a chegada. Trocados os primeiros abraços, o Moreira convidou: -
Vamos solenizar o encontro!
Arre, lá! Vamos cá à cervejaria!
Aceito o convite, foram os dois, beberam
duas garrafas, trocaram notícias e saudades, e ia o Joaquim despedir-se, quando
o Zé reclamou: - E quem paga isso?
- Tu; ora essa!
- Mas eu cá não tenho um vintém; e se não
pagares tu, iremos os dois bater à cadeia, o que é pior!
Amedrontado e arrependido, o Joaquim
arrancou do bolso a cédula de vinte, pagou os mil e seiscentos da cerveja,
recebeu dezoito mil e quatrocentos de troco, e ia pensando no meio de
justificar-se perante "sô" Manoel, quando teve uma idéia, que pôs em
pratica. Entrou na padaria pela porta lateral e, chamando o "Leão",
um canzarrão que tomava conta da casa, pôs-se a brincar com ele, aos pulos, até
que, de repente, soltou um grito.
- Que é isso lá? - trovejou
"sô" Manoel, acorrendo.
Com os olhos em lágrimas, o P'reira
contou o desastre:
- Foi uma desgraça, patrão! Imagine o
senhôre, que eu vinha cá com o dinheiro na mão, uma cédula de vinte mil réis, e
o cachorro avançou-me neles, e engoliu-os!
"Sô" Manoel franziu a testa,
calculou o prejuízo, e, de um salto, estava diante do "Leão",
empunhando uma garrafa de óleo de rícino. Auxiliado pelo Joaquim, abriu a boca
ao animal, e, depois de purgá-lo, recomendou ao rapaz: - Agora, fica-te cá,
junto do bicho, à espera do dinheiro.
Logo que ele o deite, segura-o. Meia hora
depois estava "sô" Manoel de volta, a saber noticias do purgante: -
Já deitou o dinheiro? indagou do empregado.
O Joaquim, que esperava, ansioso, por
esse momento, abriu a mão, e mostrou, desafogado: - Todo, todo, não senhôre;
até agora só deitou 18$400!
E entregou o troco da cerveja.