HUMBERTO DE
CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886-
1934
Tia Castigadeira
O
Antoninho andava, apenas, pelos três anos, quando, com a moléstia da mãe, a
pálida Dona Margrida, o pai, o dr. Marques Viana resolveu convidar, para tomar
conta da casa e do menino, a sua cunhada Maria Carmem, que acabava de ficar
viúva do engenheiro Belarmino Sampaio, falecido no Acre. A enfermidade da mme.
Viana prometia ser longa, senão incurável. E como aquele "menáge"
precisasse de quem o dirigisse, nada mais natural do que encarregar dessa
missão a irmã da enferma, a qual, também, sem esse auxílio, ficaria exposta às
maiores necessidades. Dois anos após essa nova organização doméstica, a doente
não havia conseguido a menor melhora no seu estado. A paralisia que a atacara
logo depois do parto, se não havia progredido a partir do terceiro ano, também
nada havia diminuído. As pernas eram-lhe verdadeiros molambos, que a prendiam
ao leito, de onde raramente saía, nos braços do marido e da irmã.
Foi
por esse tempo, com cinco anos de moléstia, correspondentes à idade do
pirralho, que o doente sofreu aquela emoção, maior que a morte, se lh'a dessem.
Era um domingo à tarde, e os criados haviam saído. Cabelo cortadinho à inglesa,
alpercatas sem meias, cantarolando baixinho, o menino arrumava uns tubos de
madeira, procurando formar uma casa no tapete, junto à cadeira da enferma,
quando notou que lhe faltavam algumas tábuas do brinquedo. Interrompendo a
faina, sungando a calcinha curta, pé ante pé, afim de não despertar a mãe que
cochilava, o Antoninho ergueu-se, e foi ao quarto da tia Carmem, que era o
último, no fundo da casa. Distraído, com o pensamento nas tabuinhas que
procurava e que deviam estar ali, onde brincara pela manhã, nem bateu, pedindo
licença: empurrou a porta e foi entrando. Um grito naquela meia escuridão, foi
o acolhimento que teve:
-
Menino do "diacho"!...
E
logo a tia, de um pulo, avançando sobre ele, pondo-lhe em baixo a calcinha, e
aplicando-lhe nas nádegas, fortes, boas, estaladas, cinco palmadas, pelo
desaforo de entrar no quarto sem bater, primeiro, na porta. Momentos depois,
chegava o Antoninho no ponto de partida, a cabecinha entre os braços, sacudido
pelos soluços, o rosto coberto de lágrimas:
- Ahn!... Ahn!... Ahn!...
Ahnnn!... Ahn!... Ahn!...
Ahnnn!...
-
Que foi, meu filho? Que foi? - indagou Dona Margarida, bondosa, apertando-o de
encontro ao peito.
-
A ti... tia me... ba... teu!... - choramingava o pequeno, inconsolável. Ahn!...
ahn!...
ahn!...
E eu acho... que el... la... ba... teu... tam... bém..., no... pa... pai...
ahn!... ahn!...
ahn!...
E
sempre soluçando, a mão segurando a calcinha:
-
Quando... eu... en... trei... ele... estava... também... com a calça... no
chão!... Ahn!... ahn!... ahnnn!...
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