domingo, 21 de janeiro de 2018

Ontem e Hoje
 Dentes ao Sol, Editora Codecri, 1980, pág. 288)

Ontem
Nas noites de verão, depois do jantar, as pessoas saíam para as calçadas, cadeiras na mão. Os velhos, ou os donos da casa, sentavam-se junto à porta. Os outros, em volta. Primeiro, os mais chegados, parentes ou não. Depois, amigos, conhecidos, visitas ocasionais, numa hierarquia da qual as crianças estavam excluídas. Quando as pessoas chegavam, os donos da casa estavam à porta, à espera. Não que fosse praxe. Simplesmente costume. Mas se os donos ali não estivessem, as conversas começava na sala, junto com o café. Transferindo-se para a calçada à medida que chegavam mais gente. O que interessava eram os casos de família, a educação dos filhos, a política, a escola, os casamentos das viúvas, as árvores genealógicas, quem fez e não fez, o filme com Tyrone Power, a Igreja condenando os ciganos que tinham acampado na cidade, os pracinhas que iam voltar da guerra. As rodas na calçada, às vezes se estendiam pela rua. Sem perigo. Em toda a cidade existiam dois ônibus, trinta caminhões que transportavam leite, lenhadores e sacos de café, oito carros de aluguel e cinquenta veículos particulares. As crianças corriam, rodavam na roda, atravessavam a rua num pé só, brincavam de pique. Os homens fumavam, as mulheres tomavam refresco, licor de jabuticabas ou figo. O café era servido à chegada e quase no fim, quando o apito da fábrica soava, dez e meia. As visitas começavam a se levantar. Ficavam um pouco de pé, costurando rabos de assuntos, enquanto os pais recolhiam os filhos e as mães buscavam os bebês que dormiam, cobrindo com mantas, por causa de um golpe de ar. Em quinze minutos a rua se esvaziava.

Hoje
Nas noites de verão, ou todas as noites, depois do jantar, o pai abandona a mesa. Ainda com a xícara de café na mão, ele se dirige à caixa quadrada. A deusa dos raios azulados espera o toque. Para emitir som e luz, imagem e movimento. Todos se ajeitam. O lugar principal é para o pai. Ninguém conversa. Não há o que falar. O pai não traz nada da rua, do dia-a-dia, do escritório. Os filhos não perguntam, estão proibidos de interromper. A mulher mergulha na telenovela, no filme. Todos sabem que não virá visita. E se vier alguma, vai chegar antes da telenovela. Conversas esparsas durante os comerciais. A sensação é que basta estar junto. Nada mais. Silenciosa, a família contempla a caixa azulada. Os olhos excitados, cabeças inflamadas. Recebendo, recebendo. Enquanto o corpo suportar, estarão ali. Depois, tocarão o botão e a deusa descansará. Então, as pessoas vão para as camas, deitam e sonham. Com as coisas vistas. Sempre vistas através da caixa. Nunca sentidas ou vividas. Imunizadas que estão contra a própria vida.


IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO

ARARAQUARA-SP, 1936

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