domingo, 19 de novembro de 2017
POESIA = Guimarães Passos
Morte
És negra, és negra, dizem-me os felizes,
Dizem que ao ver-te o vulto atro e sombrio,
Gelam-se os corações, tamanho frio,
Serena, espalhas onde quer que pises.
Dizem que ao ver-te o vulto atro e sombrio,
Gelam-se os corações, tamanho frio,
Serena, espalhas onde quer que pises.
É que tu levas para um céu vazio,
Onde somente as dores tem raízes,
As esperança todas, e não dizes
Nada a quem fica, nem a quem partiu,
Onde somente as dores tem raízes,
As esperança todas, e não dizes
Nada a quem fica, nem a quem partiu,
Anjo negro, terror da humanidade,
Morte, estilete que nos toca o fundo
D'alma, enchendo de mágoa e de saudade!
Morte, estilete que nos toca o fundo
D'alma, enchendo de mágoa e de saudade!
Morte, há no mundo tanta dor contida!
Que, tu, que findas todo o bem do mundo,
És a coisa melhor que há nesta vida.
Que, tu, que findas todo o bem do mundo,
És a coisa melhor que há nesta vida.
GUIMARÃES PASSOS
MACEIÓ-AL = 1867-1909
MACEIÓ-AL = 1867-1909
CRÔNICA = Mário Prata
Filho É Bom, Mas Dura Muito
— Aproveita agora, porque, depois que o seu filho nascer
você nunca mais vai ter sossego na vida. Você nunca mais vai dormir.
— Aproveita agora, que ele ainda não tem cólicas noturnas e
ainda mama nas horas certas, porque depois a sua vida se transformará num
verdadeiro inferno noturno.
— Aproveita agora, que os dentinhos dele não começaram a
nascer e, quando isso acontecer não vai ter Nenedent que acalme nem ele nem
você.
— Aproveita agora, enquanto ele não engatinha, porque,
quando começar a arrasar a casa e a derrubar cadeiras e bibelôs e lustres e a
comer jornal, só vai dar dor de cabeça.
— Aproveita agora, antes que ele comece a andar. Aí acaba o
sossego. É o perigo de ele bater a cabeça nas quinas das mesas, cair e meter a
boca no chão, puxar panela no fogão. É um transtorno, filho andando. Ele
correndo pela casa e você atrás.
— Aproveita agora, enquanto ele ainda não está na fase do
"Por quê?", porque depois você não vai conseguir ler nem jornal nem
livro e nem ver televisão. E vai ter que explicar sempre o inexplicável.
— Aproveita agora, que ele ainda não sabe ler e pedir o que
quiser no restaurante. A única vantagem é você não precisar ficar traduzindo os
filmes para ele.
— Aproveita agora, enquanto você programa as férias dele e
ele ainda não ouviu falar no Disneyworld, porque você vai ter que pegar filas
de duas horas e enfrentar montanhas-russas no escuro.
— Aproveita agora, que ele ainda não é tarado por música,
porque, quando ele resolver ouvir "música" na sua casa — com ou sem
os amigos —, até os vizinhos mais simpáticos irão reclamar. E não pense que ele
vai tocar aquelas músicas do seu tempo, não.
— Aproveita agora, que ele ainda não entrou na
adolescência. Pois, quando entrar, você nunca mais vai ter sossego, nunca mais
vai dormir Não se esqueça da íntima relação entre a palavra adolescência e
adoecer. Não ele, mas, sim, você.
— Aproveita agora, que ele ainda não está nem fumando
maconha e nem acabando com o seu uísque e aquela cervejinha que você tinha
certeza que estava na geladeira te esperando do trabalho.
— Aproveita agora, que ele ainda não está andando em más
companhias, porque você vai ter que aturar figuras saídas sabe-se lá de onde,
com cabelos, brincos e tatuagens que você jamais poderia imaginar um dia
conviver.
— Aproveita agora, que ele ainda não tomou nenhuma bomba e
você ainda acha que ele é tudo que você sonhou, porque, quando ele repetir de
ano, você fará — para você mesmo — a eterna pergunta: "Meu Deus, onde foi
que eu errei?".
— Aproveita agora, que ele ainda não decidiu que faculdade
cursar porque a escolha dele não vai nunca coincidir com os planos que você
fazia para ele, quando ele ainda engatinhava.
— Aproveita agora, que ele ainda não entrou na faculdade,
porque, quando entrar, vai pedir um carro para ele ou usar o seu.
— Aproveita agora, que ele ainda avisa quando vai dormir
fora de casa, e você pode dormir sossegado e não pensar em ligações
desagradáveis para a polícia, o hospital e, o pior de tudo, para o IML.
— Aproveita agora, que ele ainda não se casou, porque,
depois, ele nunca mais vai te visitar a não ser para pedir dinheiro emprestado.
— Aproveita agora, enquanto ele ainda não tem filhos,
porque, quando tiver, é você quem vai tomar conta deles nos fins de semana. Seu
sossego chegará ao fim, logo agora que você se aposentou.
— Aproveita agora, que ele ainda não se separou da primeira
esposa, pois, quando isso acontecer, ele virá morar novamente na sua casa.
— Aproveita agora, que ele ainda te ajuda com um
dinheirinho, porque a sua aposentadoria não dá para nada, pois a segunda mulher
dele vai ser contra a ajuda.
— Aproveita agora, porque ele está pensando em te colocar
num asilo de velhinhos.
P.S. - A frase do título é do Marcelo von Zuben, dentista
brasileiro que mora em Portugal, pai do Murilo e da Úrsula.
Texto extraído do livro "100 Crônicas", Cartaz
Editorial Ltda. - São Paulo, 1997, pág. 15.
UBERABA-MG = 1946
HUMOR = Max Nunes
O Humor de MAX NUNES
- A prova de que o balé dá sono
na plateia é que os artistas
entram sempre na pontinha dos
pés.
- Não é que as moças de hoje
sejam mais bonitas. É que as
de ontem já deixaram de ser.
- Quem pede a palavra nem sempre
a devolve em condições.
- No Nordeste, a seca é tão braba
que são as árvores que
correm atrás dos cachorros.
- O jipe é o maior esforço feito
pelo homem para chegar à mula mecanizada.
- O casamento é como a pessoa que
quer tomar um copo
de leite e compra uma vaca.
- O casamento é o único jogo que
acaba mal sem que
ninguém ponha a culpa no juiz.
- Os homens casados se dividem em
três categorias:
os polígamos, os bígamos e os
chateados.
- Com as ruas esburacadas desse
jeito, é preciso ser muito
virtuoso para não dar um mau
passo.
- O difícil de confundir alhos
com bugalhos é que ninguém
sabe o que são bugalhos.
- Duplicata é uma coisa que
sempre vence. Nunca empata.
- Houve um tempo no Brasil em que
ninguém tinha dinheiro. É hoje!
- Há casais que se detestam tanto
que não se separam só pra um
não dar esse prazer ao outro.
- O eleitor, obrigatoriamente,
tem que ser qualificado. O candidato, não.
- Personalidade é aquilo que uma
pessoa tem quando
não está precisando do emprego.
- Algumas mulheres são tão feias
que deviam processar a
natureza por perdas e danos.
- Ah, o que seria do governo se o
povo pudesse falar pela boca do estômago!
- A prova de que tudo subiu de
preço é que até uma coroa já é cara.
- Uma camisa nova tem sempre um
alfinete além daqueles que você já tirou.
- Opinião é uma coisa que a gente
dá e, às vezes, apanha.
Experiência
Companheiros de mocidade, o comendador
Otacílio Fagundes e o desembargador Portela haviam se separado, de repente, em
uma das numerosas encruzilhadas da vida. Dedicados, um ao comércio, e outro a
magistratura, havia cada um deles seguido o seu caminho, apertando a mão ao
companheiro. E nunca mais tiveram noticia um do outro
E, no entanto, haviam os dois
prosperado. Dirigindo-se para Santos, onde um tio, velho comerciante de café,
lhe oferecia um lugar no escritório, progredira Fagundes rapidamente, até que
se tornara, por morte do tio, o único proprietário da casa. Tomando o rumo da
Corte, com a sua carta de bacharel, o amigo não havia sido menos feliz. Hábil,
maneiroso, aproveitando as situações sem quebra de dignidade, não lhe foi
difícil um cargo de juiz em pequena província do norte, onde regressara,
afinal, ao sul, como desembargador aposentado.
Quarenta anos haviam decorrido, quase,
sobre a separação dos dois infatigáveis campineiros, quando, um destes dias,
indo receber um cheque no Banco do Brasil, o comendador Fagundes ouviu gritar,
na pagadoria, ao portador de uma ordem de pagamento: - Francisco Ribeiro
Portela!
Atendendo ao chamado, aproximou-se
empertigado ainda, um ancião de sessenta anos, vestido com distinção,
demonstrando nos modos, no porte, nas maneiras, saúde e prosperidade.
Ao anúncio daquele nome, o comendador
Fagundes, que assinava o cheque em mesa próxima, voltou-se, rápido, com o peso
das suas banhas e dos seus setenta anos, e encarou o outro. E encaminhando-se
para ele, indagou:
- É o Francisco Portela, de Campinas?
- Sim, senhor.
- Eu sou o Otacílio Fagundes.
Um abraço enorme, que mais parecia um
primeiro assalto de luta romana, selou esse encontro de duas saudades.
- Fagundes!
- Portela!
Três minutos depois estavam os dois
velhotes a um canto, de pé, enxugando os olhos, trocando noticias da vida e da
fortuna. O capitalista contou, primeiro, como ficara com a casa do tio; como
lhe corriam admiravelmente os negócios; como lhe havia sido, em suma,
favorável, no mundo, a roda do Destino. E o magistrado contou-lhe, depois, como
subira, como prosperara, como enriquecera, como havia chegado, enfim, ao mais
alto posto da sua carreira, no Estado. De repente, porém, o comerciante
indagou:
- E constituíste família?
- Eu? Não. Continuei solteiro. E tu?
- Eu casei-me.
- Casaste?
- É verdade.
- Há muito tempo?
- Não. Há dois anos. Casei com uma
menina de vinte anos, minha afilhada, e já tenho um filhinho.
- Um filho? - indagou o desembargador,
recuando.
E ao ouvido do comendador, indignado:
- E de quem tu desconfias?
HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886-1934
domingo, 5 de novembro de 2017
ÀS ESCURAS
Havia
baile naquela noite em casa do Cachapão, o famoso mestre de dança, que alugara
um belo sobrado na Rua Formosa, onde todos os meses oferecia uma partida aos
seus discípulos, sob condição de entrar cada um com dez mil-réis.
D.
Maricota e sua sobrinha, a Alice, eram infalíveis nesses bailes do Cachapão.
D.
Maricota era a velha mais ridícula daquela cidadezinha da província; muito
asneirona, mas metida a literata, sexagenária, mas pintando os cabelos a
cosmético preto, e dizendo a toda a gente contar apenas trinta e cinco
primaveras - feia de meter medo e tendo-se em conta de bonita, era D. Maricota
o divertimento da rapaziada.
Em
compensação, a sobrinha, a Alice, era linda como os amores e muito mais
criteriosa que a tia.
O
Lírio, moço da moda, que fazia sempre um extraordinário sucesso nos bailes de
Cachapão, namorava a Alice, e no baile anterior lhe havia pedido... um beijo.
-
Um beijo?! Você está doido, seu Lírio?! Onde? Como? Quando?
-
Ora! Assina você queira...
-
Eu não dou; furte-o você se quiser ou se puder. Isto dizia ela porque bem sabia
que as salas estavam sempre cheias de gente, e a ocasião não poderia fazer o
ladrão.
Demais,
D. Maricota, a velha desfrutável, que andava um tanto apaixonada pelo moço, que
aliás podia ser seu neto, tinha ciúmes e não os perdia de vista.
Mas
o Lírio, que era fértil em idéias extraordinárias, combinou com um camarada, o
Galvão, que este entrasse no corredor do sobrado às 10 horas em ponto, e
fechasse o registro do gás.
Se
o Lírio bem o disse, melhor o fez o Galvão; mas ao namorado saiu-lhe o trunfo
às avessas, como vão ver.
Faltavam
dois ou três minutos para as 10 horas, quando ele se aproximou de Alice e
murmurou-lhe ao ouvido:
-
Aquela autorização está de pé?
-
Que autorização?
-
Posso furtar o beijo?
-
Quando quiser.
-
Bom; vamos dançar esta quadrilha.
Mas
a velha D. Maricota levantou-se prontamente da cadeira em que estava sentada e
enfiou o braço no braço do moço, dizendo:
Perdão,
seu Lírio! Esta quadrilha é minha! O senhor já dançou uma quadrilha e uma valsa
com Alice!
E
arrastou o Lírio para o meio da sala.
De
repente, ficou tudo às escuras.
Passado
um momento de pasmo, D. Maricota agarrou-se ao pescoço do Lírio e encheu-o de
beijos, dizendo muito baixinho:
-
Ingrato! Ingrato! Foi o meu bom amigo que apagou as luzes!
E
aqui está como ao Lírio saiu o trunfo às avessas.
ARTUR DE
AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA =
1855-1908
POESIA = Guimarães Passos
Morte
És negra, és negra, dizem-me os
felizes,
Dizem que ao ver-te o vulto atro e sombrio,
Gelam-se os corações, tamanho frio,
Serena, espalhas onde quer que pises.
Dizem que ao ver-te o vulto atro e sombrio,
Gelam-se os corações, tamanho frio,
Serena, espalhas onde quer que pises.
É que tu levas para um céu vazio,
Onde somente as dores tem raízes,
As esperança todas, e não dizes
Nada a quem fica, nem a quem partiu,
Onde somente as dores tem raízes,
As esperança todas, e não dizes
Nada a quem fica, nem a quem partiu,
Anjo negro, terror da humanidade,
Morte, estilete que nos toca o fundo
D'alma, enchendo de mágoa e de saudade!
Morte, estilete que nos toca o fundo
D'alma, enchendo de mágoa e de saudade!
Morte, há no mundo tanta dor contida!
Que, tu, que findas todo o bem do mundo,
És a coisa melhor que há nesta vida.
Que, tu, que findas todo o bem do mundo,
És a coisa melhor que há nesta vida.
GUIMARÃES
PASSOS
MACEIÓ-AL = 1867-1909
MACEIÓ-AL = 1867-1909
O Artista Inconfessável
(de Museu de Tudo, 1975)
Fazer
o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre o fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificilmente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre o fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificilmente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.
RECIFE-PE = 1920-1999
CONTO = Humberto de Campos
O Ladrão Arrependido
O delegado acabava de entrar, pendurando a
bengala, o chapéu e o "cache-nez", no cabide da repartição, quando o
"prontidão" avisou estar no xadrez, à espera de interrogatório, um
indivíduo preso na praça Tiradentes duas horas após o furto de um relógio.
- Manda-o subir... - ordenou a autoridade.
Ao fim de dois minutos, entrou na sala,
custodiado por dois policiais, o autor do furto. Era um rapaz claro, de cabelo
de fogo, rosto semeado de sardas, vestindo calça de casimira preta, paletó
escuro, camisa sem gravata. A autoridade fechou a cara, improvisando uma
fisionomia severa, e inquiriu:
- Foi o senhor que furtou este relógio?
- Foi, sim, senhor, - continuou, calmo, o rapaz.
- Sabe quem é o dono?
- Certo, certo, não sei, não, senhor. Só me
lembro que era um sujeito de preto, que ia com uns embrulhos na mão.
- E ele não deu por falta do objeto?
- Parece que não. Quando o guarda me prendeu, eu
estava junto do lampião, dando corda.
O delegado deixou passar um instante, e tornou:
- E o senhor não está arrependido de ter furtado
esse relógio?
- Eu? Arrependidíssimo! - confirmou, com força, o
ladrão.
E com ar de desprezo, o beiço torcido:
- Isso lá é relógio, "seu" doutor?! Em
duas horas tive de dar corda nele três vezes!... Se o senhor ficar com ele vai
se arrepender!
E encostou-se à parede, familiar.
HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886-1934
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