ÀS ESCURAS
Havia
baile naquela noite em casa do Cachapão, o famoso mestre de dança, que alugara
um belo sobrado na Rua Formosa, onde todos os meses oferecia uma partida aos
seus discípulos, sob condição de entrar cada um com dez mil-réis.
D.
Maricota e sua sobrinha, a Alice, eram infalíveis nesses bailes do Cachapão.
D.
Maricota era a velha mais ridícula daquela cidadezinha da província; muito
asneirona, mas metida a literata, sexagenária, mas pintando os cabelos a
cosmético preto, e dizendo a toda a gente contar apenas trinta e cinco
primaveras - feia de meter medo e tendo-se em conta de bonita, era D. Maricota
o divertimento da rapaziada.
Em
compensação, a sobrinha, a Alice, era linda como os amores e muito mais
criteriosa que a tia.
O
Lírio, moço da moda, que fazia sempre um extraordinário sucesso nos bailes de
Cachapão, namorava a Alice, e no baile anterior lhe havia pedido... um beijo.
-
Um beijo?! Você está doido, seu Lírio?! Onde? Como? Quando?
-
Ora! Assina você queira...
-
Eu não dou; furte-o você se quiser ou se puder. Isto dizia ela porque bem sabia
que as salas estavam sempre cheias de gente, e a ocasião não poderia fazer o
ladrão.
Demais,
D. Maricota, a velha desfrutável, que andava um tanto apaixonada pelo moço, que
aliás podia ser seu neto, tinha ciúmes e não os perdia de vista.
Mas
o Lírio, que era fértil em idéias extraordinárias, combinou com um camarada, o
Galvão, que este entrasse no corredor do sobrado às 10 horas em ponto, e
fechasse o registro do gás.
Se
o Lírio bem o disse, melhor o fez o Galvão; mas ao namorado saiu-lhe o trunfo
às avessas, como vão ver.
Faltavam
dois ou três minutos para as 10 horas, quando ele se aproximou de Alice e
murmurou-lhe ao ouvido:
-
Aquela autorização está de pé?
-
Que autorização?
-
Posso furtar o beijo?
-
Quando quiser.
-
Bom; vamos dançar esta quadrilha.
Mas
a velha D. Maricota levantou-se prontamente da cadeira em que estava sentada e
enfiou o braço no braço do moço, dizendo:
Perdão,
seu Lírio! Esta quadrilha é minha! O senhor já dançou uma quadrilha e uma valsa
com Alice!
E
arrastou o Lírio para o meio da sala.
De
repente, ficou tudo às escuras.
Passado
um momento de pasmo, D. Maricota agarrou-se ao pescoço do Lírio e encheu-o de
beijos, dizendo muito baixinho:
-
Ingrato! Ingrato! Foi o meu bom amigo que apagou as luzes!
E
aqui está como ao Lírio saiu o trunfo às avessas.
ARTUR DE
AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA =
1855-1908
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