O Ladrão Arrependido
O delegado acabava de entrar, pendurando a
bengala, o chapéu e o "cache-nez", no cabide da repartição, quando o
"prontidão" avisou estar no xadrez, à espera de interrogatório, um
indivíduo preso na praça Tiradentes duas horas após o furto de um relógio.
- Manda-o subir... - ordenou a autoridade.
Ao fim de dois minutos, entrou na sala,
custodiado por dois policiais, o autor do furto. Era um rapaz claro, de cabelo
de fogo, rosto semeado de sardas, vestindo calça de casimira preta, paletó
escuro, camisa sem gravata. A autoridade fechou a cara, improvisando uma
fisionomia severa, e inquiriu:
- Foi o senhor que furtou este relógio?
- Foi, sim, senhor, - continuou, calmo, o rapaz.
- Sabe quem é o dono?
- Certo, certo, não sei, não, senhor. Só me
lembro que era um sujeito de preto, que ia com uns embrulhos na mão.
- E ele não deu por falta do objeto?
- Parece que não. Quando o guarda me prendeu, eu
estava junto do lampião, dando corda.
O delegado deixou passar um instante, e tornou:
- E o senhor não está arrependido de ter furtado
esse relógio?
- Eu? Arrependidíssimo! - confirmou, com força, o
ladrão.
E com ar de desprezo, o beiço torcido:
- Isso lá é relógio, "seu" doutor?! Em
duas horas tive de dar corda nele três vezes!... Se o senhor ficar com ele vai
se arrepender!
E encostou-se à parede, familiar.
HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886-1934
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