segunda-feira, 25 de setembro de 2017

CONTO = Humberto de Campos



A Violência



Testa franzida, fisionomia austera, palavras medidas, o delegado do Distrito inquiria, procurando a verdade, a vítima do delito. Roupa humilde, meias brancas de algodão, sapatos pretos e baratos, os olhos baixos, Maria Odete não fazia senão chorar. Para não demorar, porém, o inquérito, Dona Eufrásia, mãe da menina, ia prestando os esclarecimentos:
- Eu tenho uma pensão na Saúde, "seu" doutor. Dou comida e moradia a onze hóspedes, no meio dos quais aquele amaldiçoado. Quem me ajudava era, esta filha. Pois bem: uma noite, a menina estava deitada, dormindo, coitadinha! E o desgraçado, o João Isidoro, abusou dela!
- Foi exato, rapariga? - indagou a autoridade.
- Foi, sim... senhor! - soluçou a pequena, o lenço nos olhos.
- Você estava deitada?
- Sim, se... nhor!...
- Dormindo?
- Sim, se... nhor!... - gemeu a menina, afogada em soluços.
Letra larga, mergulhando a pena com estrondo no tinteiro, o escrivão tomava notas rápidas do depoimento. E foi quando o delegado, para que nada faltasse, inquiriu, ainda:
- E onde estava você dormindo?
- Eu?
- Sim.
E a rapariga, enxugando, com força, os olhos muito vermelhos:
- Na cama dele, sim, senhor!

HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA  =  1886 / 1934



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