domingo, 28 de agosto de 2016
POESIA = Mauro Mota
O ESPELHO
Na Parede da sala,
essa porta de vidro,
ou somente a parede
essa porta fingida?
Diante dela fica
o duplo cara a cara.
Torna-se, ao mesmo tempo,
prisioneiro e testemunha
dessa prisão perpétua,
desse exílio no espelho
irônico, liberto
de não ser o que era.
Quem vai ao próprio encontro
de cada vez é outro
no cristal da Boêmia
e na moldura de ouro.
É a autocompanhia
nessa peça da casa,
exígua, todavia,
mais profunda e habitada,
Quem bate do outro lado
dessa porta? quem chama?
Que substância mora
no cristal e no estanho?
MAURO MOTA
RECIFE-PE, 1911-1984
CONTO = Humberto de Campos
O Filósofo
Educado
no Colégio Caraça, o coronel Venâncio Figueira, fazendeiro em Uberaba, havia se
contaminado, pouco a pouco, de filosofia e de latim, de modo a preocupar-se,
mais do que o necessário, com os graves problemas da vida. Manuseador
quotidiano de certos autores profanos, ele se punha, às vezes, a pensar, no
alpendre da sua casa de fazenda:
- Sim,
senhor! Esses filósofos têm razão! Este mundo é tão desigual, tão cheio de
injustiças, de irregularidades clamorosas, que qualquer mortal, encarregado de
fazê-lo, o teria feito melhor!
E
acentuava, melancólico:
- Este
mundo está muito mal feito!...
À
noite, porém, reunida a família na sala de jantar, o velho fazendeiro
arreganhava os óculos no nariz, tomava a "Bíblia", chegava para mais
perto o lampião de querosene, e punha-se a ler, pausado, o "Livro de
Jó". E começava, de novo, a meditar, diante destas palavras do capitulo
38:
"4.
Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência.
"25
- Quem abriu para a inundação um leito, e um caminho para os relâmpagos e
trovões?
"41
- Quem prepara aos corvos o seu alimento, quando os seus filhotes implumes
gritam a Deus, e andam vagueando por não terem de comer?"
Certo
dia, dominado pelas idéias reacionárias bebidas em autores modernos, passeava o
coronel pelo pátio da fazenda, quando, ao ver as andorinhas que voejavam por
cima do gado, voltou novamente a raciocinar:
- É
isso mesmo, não há duvida! O mundo é muito mal arranjado. Aqui está, por
exemplo; este boi. Porque, tendo ele chifres, patas, orelhas, e sendo tão
forte, há de viver sempre na terra, a arrastar-se pelo solo, quando aquela
andorinha, que não tem nada disso, se locomove, rápida, ligeira, dominando os
ares?
Nesse
momento, porém, uma andorinha que lhe passava por cima, deixou escapar alguma
cousa que lhe fazia sobrecarga, e que foi cair, certeira, na cabeça descoberta
do coronel. Este levou a mão instintivamente à calva, e, olhando os dedos
brancos daquela indignidade, caiu de joelhos, clamando, arrependido:
-
Perdoai-me, Senhor, perdoai-me! O mundo está muito bem organizado! O que nele
há, o que nele vive, o que nele existe, foi feito com perfeição, com acerto,
com sabedoria!
E
levantando-se, limpando a mão:
-
Imagine-se que fosse um boi....
HUMBERTO DE
CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886-1934
CONTO = Stanislaw Ponte Preta
Paraíba
Azevedo e
Peçanha vestiram o paletó e desceram para a rua, na disposição de fazer uma
farrinha. Ainda no elevador, Azevedo fez ver a Peçanha que o laço de sua
gravata estava um pouco frouxo. Peçanha agradeceu e ajeitou o laço.
Afinal, iam em demanda de uma aventura amorosa e a elegância era detalhe
importante.
Caminharam
pela Avenida N. S. de Copacabana e foram subindo em direção ao Lido,
conversando animadamente e só interrompiam a conversa quando passava uma
moça. Sozinha ou acompanhada, todas as moças que passavam por Azevedo e
Peçanha ganhavam olhares pidões, tão comuns aos conquistadores baratos, de
beira de calçada.
Era sábado,
dia em que se definem os que andam pela aí, caçando o amor. Azevedo parou
na esquina do Lido e perguntou para Peçanha:
- Que tal se
nós fôssemos até o “Alfredão”?
Peçanha
achou que lá havia sempre muita concorrência. As mulheres supostamente fáceis,
quando há muita gente em volta, dando em cima, tornam-se superiores e esquivas,
fazendo-se mais preciosas pela disputa de seus carinhos. Mas como Azevedo
ponderasse que muito dos homens que vão ao “Alfredão” não chegam a ser
propriamente homens. Peçanha concordou.
Entraram no bar, Azevedo acendeu um charuto, ofereceu outro a Peçanha, que recusou com um gesto másculo. Preferia cachimbo, que tirou do bolso e começou a encher de fumo, enquanto pediam algo para beber. O garçom acabou partindo para ir buscar uísque puro, só com gelo e olhe lá.
Entraram no bar, Azevedo acendeu um charuto, ofereceu outro a Peçanha, que recusou com um gesto másculo. Preferia cachimbo, que tirou do bolso e começou a encher de fumo, enquanto pediam algo para beber. O garçom acabou partindo para ir buscar uísque puro, só com gelo e olhe lá.
Uma garota
de olheiras profundas passou pela mesa e Peçanha mexeu com ela. A garota
sorriu. Então Azevedo convidou-a para tomar alguma coisa. E como as
demais pequenas que estavam no bar pareciam todas acompanhadas, ficou só aquela
para ser dividida entre Azevedo e Peçanha.
No fim de
algum tempo, tanto Peçanha como Azevedo estavam caindo de tanta bebida.
Pagaram a conta. Azevedo apagou o resto do charuto no cinzeiro e quis
partir só, rebocando a pequena. Peçanha estranhou a atitude de Azevedo,
acabaram discutindo e começou o clássico festival de bolacha. Entrou a
turma do deixa-disso, veio o guarda e o resultado da farra ali estava: além da
garota disputada a tapa, também foram parar no xadrez as duas brigonas.
Sim, porque
o nome todo de Azevedo é Maria Tereza Azevedo. Quanto a Peçanha:
Walquíria. Walquíria Peçanha.
STANISLAW
PONTE PRETA
PSEUDÔNIMO
DE SÉRGIO PORTO
RIO
DE JANEIRO-RJ,1923-1968
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