domingo, 26 de julho de 2015

VÍDEO = Caravelli e Orquestra


POESIA = Cruz E Sousa




Velho

Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepúsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos círculos governa.

Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio,
Ó desespero da Desgraça eterna!

CRUZ  E  SOUSA
FLORIANÓPOLIS-SC  =  1861-1898

CRÔNICA = Rubem Braga



O Orador
Janeiro, 1953

Ônibus pintados de vermelho e amarelo, automóveis, caminhões se cruzam na manhã paulistana. Entre plátanos e palmeiras passam normalistas, e ora atravessam zonas de sombra clara, ora seus cabelos brilham ao sol. Há homens rápidos. Tudo está amanhecendo com tanta força, que eu também amanheço de remotas aflições, eu emerjo com energia das sombras da noite e me planto na varanda, ao sol. Vou ao chuveiro, a água me bate com força alegre, volto à minha varanda alta, sobre os veículos e os transeuntes matinais, tenho a vontade insensata de fazer discursos.

“Paulistas! Mais um dia amanhece!” Seria preciso fazer um discurso assim, seria preciso ter uma voz poderosa e firme, capaz de deter os transeuntes – para lhes anunciar esta manhã, a sua glória e potência, e lhes dar a todos a consciência clara da manhã. Frases bem lavadas, úmidas de vigor matinal.

“Paulistas!” O homem de chapéu se deteria atônito, a normalista de cabelos castanhos, rindo, diria para a outra, me apontando – “olhe um homem maluco” (mas depois as duas ficariam sérias), e o rapaz de roupa cinzenta recearia que eu me fosse lançar da varanda ao solo para me matar, talvez caísse em cima dele.

“Paulistas! Vossa clara e forte manhã me faz bem, e digo ao povo e digo aos poderosos caminhões, e às grandes árvores e ao sol: obrigado! E à brisa da manhã eu agradeço e digo: leva para longe, leva pelos ares cheios de sol os restos de minha tristeza noturna, lava o ar e a alma deste homem, brisa! Eu estou sólido e limpo! Respiro fundo, tenho prazer em respirar e viver, sou capaz de fazer a justa guerra e empreender imediatamente a reconstrução das cidades, vou embarcar nas monções, trarei pedras e índios e horizontes largos – contai comigo, manhã paulista!”

Mas permaneço calado, de pé, parado, ao sol, na varanda, perante as árvores altas, mais alto que as árvores mais altas. Dissipam-se em mim os venenos da noite. Talvez apenas o meu corpo estremeça um pouco. Talvez apenas eu receie sair da zona do vento e da luz, reentrar na sombra do quarto, reencontrar no espelho o homem torturado e vazio, aquele cujo coração alguém pôde apertar nas mãos de unhas finas, dolorosamente, e jogá-lo ao chão como se fosse um lenço usado, aquele a quem no fundo da noite deram a beber os filtros da melancolia – aquele homem fraco e aflito, aquele insensato.

RUBEM BRAGA
CACHOEIRO DO ITAPEMIRIM-ES = 1913-1990

POESIA = Bastos Tigre





Culpa E Castigo


Somos irmãos. Por que nos agredimos
Em vez de, juntos, na comum defesa,
Trocar auxílios, permutar arrimos
Contra as forças hostis da natureza?

Nas insídias da paz ou na fereza
Da guerra, há quanto que lutando vimos!
E é para dar aos golpes mais certeza
Que num abraço, às vezes, nos unimos!

No entanto a vida a todos nos oprime
E faz-nos, presos numa só cadeia,
Galés que a morte, e ninguém mais, redime.

E o destino a tal ponto nos enleia
Que um, que impune se viu do próprio crime,
Sofre castigos pela culpa alheia.

BASTOS TIGRE
RECIFE-PE = 1882-1957

HUMOR












CRÔNICA = Luís Fernando Veríssimo




Necessidades Sexuais

         Eu nunca havia entendido por que as necessidades sexuais dos homens e das mulheres são tão diferentes. Nunca tinha entendido isso de 'Marte e Vênus'.  E nunca tinha entendido por que os homens pensam com a cabeça e as mulheres com o coração.
       Uma noite, na semana passada, minha mulher e eu estávamos indo para a cama. Bem, começamos a ficar a vontade, fazer carinhos, provocações, o maior tesão e, nesse momento, ela parou e me disse:
          - Acho que agora não quero, só quero que você me abrace...
          Eu falei:
          - O quêêê?
          Ela falou:
          - Você não sabe se conectar com as minhas necessidades emocionais como mulher.
        Comecei a pensar no que podia ter falhado. No final, assumi que aquela noite não ia rolar nada, virei e dormi. No dia seguinte, fomos ao shopping.
     Entramos em uma grande loja de departamentos. Fui dar uma volta enquanto ela experimentava três modelitos caríssimos. Como estava difícil escolher entre um ou outro, falei para comprar os três. Então, ela me falou que precisava de uns sapatos que combinassem a R$ 200,00 cada par. Respondi que tudo bem.
          Depois fomos à seção de joalheria, onde gostou de uns brincos de diamantes e eu concordei que comprasse. Estava tão emocionada! Deveria estar pensando que fiquei louco. Acho até que estava me testando quando pediu uma raquete de tênis, porque nem tênis ela joga. Acredito que acabei com seus esquemas e paradigmas quando falei que sim. Ela estava quase excitada sexualmente depois de tudo isso. Vocês tinham que ver a carinha dela, toda feliz!
          Quando ela falou:
          - Vamos passar no caixa para pagar, amor?
          Daí eu disse:
        - Acho que agora não quero mais comprar tudo isso, meu bem... Só quero que você me abrace.
          Ela ficou pálida. No momento em que começou a ficar com cara de querer me matar, falei:
          - Você não sabe se conectar com as minhas necessidades financeiras de homem...
          Vinguei-me! Mas acredito que o sexo acabou pra mim até o Natal de 2015.

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO ALEGRE-RS, 1936

PENSAMENTOS = Sérgio Porto