sábado, 12 de abril de 2014

POESIA


FERNANDO PESSOA
PORTUGAL  =  1888-1935

 
O Cego E A Guitarra 

 

O ruído vário da rua
Passa alto por mim que sigo.
Vejo: cada coisa é sua
Oiço: cada som é consigo.
 

Sou como a praia a que invade
Um mar que torna a descer.
Ah, nisto tudo a verdade
É só eu ter que morrer.
 

Depois de eu cessar, o ruído.
Não, não ajusto nada
Ao meu conceito perdido
Como uma flor na estrada.

 Cheguei à janela
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.
 

Ambos fazem pena,
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.
 

Eu também sou um cego
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.

 

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