JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS
RIO DE
JANEIRO-RJ = 1951
Os Faltares
Pisaram
no pé dele, e o homem do metrô sente falta dos xerifes nacionais.
Alguém
deve ter pisado no pé dele, e foi o gancho para o homem no vagão do metrô
começar seu discurso dizendo que por isso o Brasil não ia pra frente.
Falta um
Figueiredo, que prende e arrebenta, gritou. Faltava educação, faltava
compostura e, vou dizer mais, reiterava o homem do metrô como se em algum
momento fosse puxar do santinho para se apresentar em campanha, falta tirocínio
e, apontando para a cabeça, falta maxilar. Era um homem dos seus 50 e poucos,
de sotaque nordestino e muita indignação por terem pisado seu pé sem pedido de
desculpas.
Faltava
um Clodovil, mais macho que muitos aí, para dar modos aos cidadãos.
Falta um
David Nasser pra por na cadeia os pedófilos da mesma maneira que ele fez com os
matadores da Aída Curi. Falta um Rui Barbosa, baiano cabra da peste que colocou
na porta de casa em Londres uma tabuleta com o aviso "ensina-se inglês aos
ingleses". Aquilo, sim, era autoridade intelectual, vibrava o homem no
metrô que tinha tido o calo pisado por alguém e a partir dessa dor faz um
exercício de sociologia nostálgica sobre o abandono do brasileiro. Falta o
Felipão para entrar duro e dizer aqui não, alemão. Fica esse pessoal da Fifa
vindo aqui ensinar como se faz futebol e pororó pão duro e coisa e tal, como se
o brasileiro matasse estrangeiro no metrô. Faça-me o favor. Falta alguém que
diga comigo não, violão, e mande essa turma pentear macaco, tirar os mineiros
lá do fundo da terra, como se a gente é que matasse o Michael Jackson com os
psicorotrópicos. Falta tutano, ó, óleo de babosa, e novamente o homem do metrô
apontava para a cabeça de cabeleira farta.
O homem
do metrô tinha uma lista enorme de faltares nacionais e a Linha Um seria
pequena para ele relacionar todos. Faltava elegância, um chapéu na cabeça para
quem lhe pisara os pés tirar e dizer, desculpe, moço, foi sem querer, e faltava
também o Newton Cruz, aquele general maluco que saiu dando com o cassetete nos
carros enquanto gritava "está preso, está preso". Falta a vassoura do
Jânio pra varrer os corruptos. A culpa é do povo que vota mal e matou Carlos
Lacerda com os mendigos do Guandu, continuou o homem do metrô, e nada lhe era
obstado. Dizia o que bem queria, tumultuando os fatos e personagens da História
com a mesma naturalidade que passavam as estações.
Ninguém
sabe mais por que o Largo do Machado tem esse nome, afirmava, fazendo pausa
para alguém se apresentar com uma resposta, mas os outros passageiros fingiam
não ouvir o homem que soltava o verbo, trancado num vagão do metrô. Todo mundo
acha que é por causa do Machado de Assis, mas ele morava lá em cima no Cosme
Velho, não tem nada a ver. O Machado do largo não era com letra maiúscula, era
um machado mesmo que tinha em cima de um açougue, quatro séculos antes do Assis
ter nascido. Pergunta se algum candidato a vereador sabe disso, tentava mais
uma vez o homem do metrô provocar a interação com as outras pessoas. Como
ninguém se mexia, ele voltou a prantear as faltas no panteão nacional, gente
como o policial Mariel Mariscott, o becão Moisés e a jurada Araci de Almeida,
personagens que, segundo ele, matavam, entravam de sola e diziam as verdades,
atitudes que dariam um jeito nesse estado de coisas frouxo que está por aí.
Falta a mão pesada do Ted Boy Marino nos cornos dessa bandidagem.
Lembro
dele ter falado da falta que fazia o Haroldo de Andrade e das lições do
apresentador toda manhã no seu Debates Populares pela Rádio Globo. Falta taquicardia,
ele foi em frente, ali pela estação Cinelândia, falta alguém para sentir o
pulso do que quer a população.
Falta um
Pedro de Lara pra dizer na lata o que acha do calouro e mandar, meu filho, vai
cantar em outra freguesia. As autoridades constituídas não respeitam mais nem o
sigilo do contribuinte, e entram-e-saem nas contas dos outros da mesma maneira
que pisam no pé da gente no metrô e fica por isso mesmo. Falta o delegado
Nelson Duarte pra investigar, falta o inspetor Bellot. Os americanos estão saindo
do Iraque e vão acabar invadindo isso aqui porque já notaram, falta macho cabra
da peste. Ninguém dá um pio pro descalabro geral com o dinheiro público.
Falta um
Amaral Neto para se orgulhar do Brasil e mostrar nossas riquezas. Falta trazer
o Projeto Rondon de volta, o Mobral, e falta também o Coronel Fontenele pra
furar o pneu do safado que estacionar em lugar não permitido.
Falta
consideração com a ordem pública, continuou a desabafar o homem do metrô,
indicando às vezes a ponta do pé para ilustrar a indignação cívica que lhe
subia para a ponta da língua e movia o desabafo.
Isso
virou uma terra de ninguém, e sabe de quem foi a culpa? Do Cabral. Ele achou
que a Baía de Guanabara era um rio e tacaram lá, Rio de Janeiro. Pau que nasce
torto não tem jeito.
Se o
Brasil começou errado, vituperava cada vez mais indignado o homem no metrô, tem
que acabar errado, que é como tá isso hoje.
Falta um
delegado Padilha, que jogava um limão por dentro da calça do malandro e mandava
prender se fosse boca estreita, coisa de playboy energúmeno e sem moral. Ele
não deixava essas pulseirinhas do sexo, prendia no primeiro capítulo esse
tarado da novela, o Gerson.
Falta o
Tenório Cavalcanti, falta o Flávio pra quebrar os discos ruins, gente que
colocava respeito, e não essa bagunça. Não se investe mais em educação, como
fazia o Álvaro Vale, é só ignorância, só carrinho por trás e pisão no pé de
quem não machucou ninguém, afirmou o homem do metrô, saltando na estação Praça
Onze quando faltavam 15 minutos para o meio-dia da quinta-feira passada.
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