segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
POESIA = Olavo bilac
Tédio
Sobre minh'alma, como sobre um
trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, último outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!
Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!
Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,
Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, lúgubre, vazia
Como uma catedral
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, último outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!
Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!
Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,
Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, lúgubre, vazia
Como uma catedral
abandonada!...
OLAVO BILAC
RIO
DE JANEIRO-RJ = 1865-1918
CONTO = Luís Fernando Veríssimo
Sala De Espera
Sala de espera
de dentista. Homem dos seus quarenta anos. Mulher jovem e bonita. Ela folheia
uma Cruzeiro de 1950. Ele finge que lê uma Vida dentária.
Ele pensa: que
mulherão. Que pernas. Coisa rara, ver pernas hoje em dia. Anda todo mundo de
jeans. Voltamos à época em que o máximo era espiar um tornozelo. Sempre fui um
homem de pernas. Pernas com meias. Meias de náilon. Como eu sou antigo. Bom era
o barulhinho. Suish-suish. Elas cruzavam as pernas e fazia suish-suish. Eu era
doido por um suish-suish.
Ela pensa: cara
engraçado. Lendo a revista de cabeça para baixo.
Ele: te arranco
a roupa e te beijo toda. Começando pelo pé. Que cena. A enfermeira abre a porta
e nos encontra nus sobre o carpete, eu beijando o pé. O que é isso?! Não é o
que a senhora está pensando. É que entrou um cisco no olho desta moça e eu
estou tentando tirar. Mas o olho é na outra ponta! Eu ia chegar lá. Eu ia
chegar lá.
Ela: ele está
olhando as minhas pernas por baixo da revista. Vou descruzar as pernas e cruzar
de novo. Só para ele aprender.
Ele: ela
descruzou e cruzou de novo! Ai meu Deus. Foi pra me matar. Ela sabe que eu
estou olhando. Também, a revista está de cabeça pra baixo. E agora? Vou ter que
dizer alguma coisa.
Ela: ele até que
é simpático, coitado. Grisalho. Distinto. Vai dizer alguma coisa…
Ele: o que é que
eu digo? Tenho que fazer alguma referência à revista virada. Não posso deixar
que ela me considere um bobo. Não sou um adolescente. Finjo que examino a revista
mais de perto, depois digo “Sabe que só agora me dei conta de que estava lendo
essa revista de cabeça para baixo? Pensei que fosse em russo.” Aí ela ri e eu
digo “E essa sua Cruzeiro? Tão antiga que deve estar impressa em pergaminho, é
ou não é? Deve ter desenhos infantis do Millôr.” Aí riremos os dois,
civilizadamente. Falaremos nas eleições e na vida em geral. Afinal, somos duas
pessoas normais, reunidas por circunstância numa sala de espera. Conversaremos
cordialmente. Aí eu dou um pulo e arranco toda a roupa dela.
Ela: ele vai
falar ou não? É do tipo tímido. Vai dizer que tempo, né? A senhora não acha? É
do tipo que pergunta “Senhora ou senhorita?” Até que seria diferente. Hoje em
dia a maioria já entra rachando… Vamos variar de posição, boneca? Mas espere,
nós ainda nem nos conhecemos, não fizemos amor em posição nenhuma! É que eu
odeio as preliminares. Esse é diferente. Distinto. Respeitador.
Ele: digo o quê?
Tem um assunto óbvio. Estamos os dois esperando a vez num dentista. Já temos
alguma coisa em comum. Primeira consulta? Não, não. Sou cliente antiga. Estou
no meio do tratamento. Canal? É. E o senhor? Fazendo meu check-up anual. Acho
que estou com uma cárie aqui atrás. Quer ver? Com esta luz não sei se… Vamos
para o meu apartamento. Lá a luz é melhor. Ou então ela diz pobrezinho, como
você deve estar sofrendo. Vem aqui e encosta a cabecinha no meu ombro, vem. Eu
dou um beijinho e passa. Olhe, acho que um beijo por fora não adianta. Está
doendo muito. Quem sabe com a sua língua…
Ela: ele desistiu
de falar. Gosto de homens tímidos. Maduros e tímidos. Ele está se abanando com
a revista. Vai falar do tempo. Calor, né? Aí eu digo “É verão”. E ele: “É
exatamente isso! Como você é perspicaz. Estou com vontade de sair daqui e tomar
um chope”. “Nem me fale em chope.” “Você não gosta de chope?” “Não, é que
qualquer coisa gelada me dói a obturação”. “Ah, então você está aqui para
consultar o dentista, como eu. Que coincidência espantosa! Os dois estamos com
calor e concordamos que a causa é o verão. Os dois temos o mesmo dentista. É o
destino. Você é a mulher que eu esperava todos estes anos. Posso pedir sua mão
em noivado?”
Ele: ela está
chegando ao fim da revista. Já passou o crime do Sacopã, as fotos de discos
voadores… Acabou! Olhou para mim. Tem que ser agora. Digo: “Você está aqui para
limpeza de pernas? Digo, de dentes? Ou para algo mais profundo como uma paixão
arrebatadora por pobre de mim?”
Ela: e se eu
disser alguma coisa? Estou precisando de alguém estável na minha vida. Alguém
grisalho. Esta pode ser a minha grande oportunidade. Se ele disser qualquer
coisa, eu dou o bote. “Calor, né?” “Eu também te amo!”
Ele: melhor não
dizer nada. Um mulherão desses. Quem sou eu? É muita perna pra mim. Se fosse
uma só, mas duas! Esquece, rapaz. Pensa na tua cárie que é melhor. Claro que
não faz mal dizer qualquer coisinha. Você vem sempre aqui? Gosto do Roberto
Carlos? O que serão os buracos negros? Meu Deus, ela vai falar!
- O senhor
podia…
- Não! Quero
dizer, sim?
- Me alcançar
outra revista?
- Ahn… Cigarra
ou Revista da Semana?
- Cigarra.
Aqui está.
- Obrigada.
Aí a enfermeira
abre a porta e diz:
- O próximo.
E eles nunca
mais se vêem.
PORTO ALEGRE-RS = 1936
POESIA = Bocage
Tu, Vã Filosofia
Tu, vã Filosofia, embora aviltes
Os crentes nas visões do pensamento,
Turvo clarão de raciocínios tristes
Por entre sombras nos conduz, e a mente,
Rastejando a verdade, a desencanta;
Nem doloroso espírito se ilude,
Se o que, dormindo, creu, crê, despertando.
Até no afortunado a vida é sonho
(Sonho, que lá no fim se verifica),
E ansioso pesadelo em mim, que a choro,
Em mim, que provo o fel da desventura,
Desde que levantei, que abri, carpindo,
Os olhos infantis à luz primeira;
Em mim, que fui, que sou de Amor o escravo,
E a vítima serei, e o desengano
Da suprema paixão, por ti cantada
Em versos imortais, como o princípio
Etéreo, criador, de que emanaram.
B O C A G E
Os crentes nas visões do pensamento,
Turvo clarão de raciocínios tristes
Por entre sombras nos conduz, e a mente,
Rastejando a verdade, a desencanta;
Nem doloroso espírito se ilude,
Se o que, dormindo, creu, crê, despertando.
Até no afortunado a vida é sonho
(Sonho, que lá no fim se verifica),
E ansioso pesadelo em mim, que a choro,
Em mim, que provo o fel da desventura,
Desde que levantei, que abri, carpindo,
Os olhos infantis à luz primeira;
Em mim, que fui, que sou de Amor o escravo,
E a vítima serei, e o desengano
Da suprema paixão, por ti cantada
Em versos imortais, como o princípio
Etéreo, criador, de que emanaram.
B O C A G E
PORTUGAL, 1765-1805
OPINIÕES SOBRE O POETA ASCENSO FERREIRA
“...quem não ouviu Ascenso
dizer, cantar, declamar, rezar, cuspir, dançar, arrotar
os seus poemas, não pode fazer
idéia das virtualidades verbais neles
contidas, do movimento lírico
que lhes imprime o autor.”
(MANUEL BANDEIRA)
“Quem não ouviu falar, nas rodas intelectuais do Brasil, de Ascenso Ferreira,
(MANUEL BANDEIRA)
“Quem não ouviu falar, nas rodas intelectuais do Brasil, de Ascenso Ferreira,
rei dos mestres, que aprendeu
sem se ensinar ? É a própria voz do
Nordeste, tão autêntica, tão
pura, que certos poemas seus
já se tornaram anônimos, já viraram
folclore.”
(SÉRGIO MILLIET)
“O ritmo novo que Ascenso Ferreira veio cantar para nós, era, além de novo,
(SÉRGIO MILLIET)
“O ritmo novo que Ascenso Ferreira veio cantar para nós, era, além de novo,
emocionante. Por causa da bonita
força lírica do poeta e o cheiro
profundo de terra e de povo que
o poema trazia.”
(MÁRIO DE ANDRADE)
“Ascenso, primeiro que outro no Brasil, incluiu no recitativo um trecho
(MÁRIO DE ANDRADE)
“Ascenso, primeiro que outro no Brasil, incluiu no recitativo um trecho
musical popular, um refrão, um
trecho de embolada, como
impressão sonora de cor e
ambientação local.”
(LUÍS DA CÂMARA CASCUDO)
“Aliando a intuição à ciência, ele realizou algo muito difícil, a poesia
(LUÍS DA CÂMARA CASCUDO)
“Aliando a intuição à ciência, ele realizou algo muito difícil, a poesia
popular. Pois note-se que o povo
não faz poesia popular ou faz
uma cópia má da poesia dos
burgueses...”
(ROGER BASTIDE)
“... as coleções de A NOTÍCIA, excelente e valiosíssima fonte de informação,
(ROGER BASTIDE)
“... as coleções de A NOTÍCIA, excelente e valiosíssima fonte de informação,
retrato vivo da
terra dos Palmares, de sua vida, de seu povo. E foi
folheando esse jornal que descobri o Ascenso Ferreira parnasiano,
adolescente ainda, dando seus
primeiros passos na vida literária.”
(JESSIVA SABINO DE OLIVEIRA)
“Grande poeta do povo, cantador das alegrias e das tragédias sociais da zona do açúcar...”
(PAULO CAVALCANTI)
“Ascenso Ferreira é, afinal, o mais expressivo nome do movimento
(JESSIVA SABINO DE OLIVEIRA)
“Grande poeta do povo, cantador das alegrias e das tragédias sociais da zona do açúcar...”
(PAULO CAVALCANTI)
“Ascenso Ferreira é, afinal, o mais expressivo nome do movimento
modernista no Nordeste. Nem o esquecimento, nem a fama
injusta de folclórico, embaçam o
brilho dos seus versos.”
(JOSÉ CASTELO)
(JOSÉ CASTELO)
POESIA = Jorge de Lima
JORGE DE LIMA
UNIÃO DOS PLMARES-AL, 1893-1953
Tarde Oculta No
Tempo
O andarilho sem destino
reparou então
que seus sapatos tinham a poeira
indiferente
de todas as pátrias pitorescas;
e que seus olhos conservavam as
noites e os dias
dos climas mais vários do
universo;
e que suas mãos se agitaram em
adeuses
e milhares de cais sem saudades
e amigos;
e que todo o seu corpo tinha
conhecido
as mil mulheres que Salomão
deixou.
E o andarilho sem destino viu
que não acontecia a Tarde que
está oculta no tempo
sem paisagens terrenas, sem
turismos, sem povos,
mas com a vastidão infinita onde
os horizontes
são nuvens que fogem.
PIADAS
PIADAS
Um dia, a Rosa encontrou a Couve-flor e disse:
- Que petulância chamarem-te flor! Vê a tua pele: áspera
e rude, enquanto a minha é lisa e sedosa.
Vê o teu cheiro: desagradável e repulsivo, enquanto o meu
perfume é sensual e envolvente...
Vê o teu corpo: grosseiro e feio, enquanto o meu é delicado e
elegante. Eu, sim, sou uma flor!
E a couve-flor respondeu:
- HELLOOOOO!!! QUERIDAAAA!!! ACORDAAAAAAA!!! De que
adianta ser tão linda, se ninguém te come???
= = = = =
Duas senhoras encontram-se após um tempo sem se verem. Uma
pergunta à outra:
- Como vão os teus dois filhos... a Rosa e o Francisco?
- Ah! querida... a Rosa casou-se muito bem. Tem um marido
maravilhoso. É ele que se levanta de madrugada para trocar as fraldas do meu
netinho, faz o pequeno-almoço, lava a louça e ajuda a limpar a casa. Só depois
é que sai para trabalhar. Um amor de genro! Benza-o, ó Deus!
- Que bom, amiga! E o seu filho, o Francisco? Casou também?
- Casou sim, querida. Mas tadinho dele. Casou-se muito mal... Imagina que ele tem de se levantar de madrugada para trocar as fraldas da minha netinha, fazer o pequeno-almoço, lavar a louça e ainda tem ajudar a limpar a casa! E depois de tudo isso ainda sai para trabalhar, para sustentar a preguiçosa da minha nora!
- Casou sim, querida. Mas tadinho dele. Casou-se muito mal... Imagina que ele tem de se levantar de madrugada para trocar as fraldas da minha netinha, fazer o pequeno-almoço, lavar a louça e ainda tem ajudar a limpar a casa! E depois de tudo isso ainda sai para trabalhar, para sustentar a preguiçosa da minha nora!
CONTO = Humberto de Campos
HUMBERTO
DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886
/ 1934
Uma Rapariga
Apressada
(CATULLE MENDES)
A
honesta avozinha começou primeiro por dar um par de bofetadas na pequena
desavergonhada, e, depois, enquanto a rapariga chorava a bom chorar; vermelha
como uma papoula, fez-lhe este discurso:
-
É, pois, verdade, teres um amante? E confessas, ousas confessar? Um amante! E
só com dezesseis anos! Com os olhos baixos, o arzinho modesto, parece que não
quebras um prato, e chegaste já a esse ponto no deboche e no cinismo! Quem te
visse julgaria só em bonecas ou num bebê japonês e, afinal, a boneca que a
menina tinha na cabeça é um homem! Que vergonha! É para uma pessoa fugir,
meter-se pelo chão a baixo! Como? Foi essa a educação que recebeste? Não tendo
na família senão bons e virtuosos exemplos, como pudeste cometer uma falta tão
grande? É preciso, palavra de honra, que tivesses o diabo no corpo!
Mas
o que mais exasperava a avó era ter a Luizinha conseguido enganá-la, apesar da
vigilância que sobre ela tinha exercido.
-
Porque, enfim, posso dizê-lo afoitamente, eu guardava-te noite e dia! Há três
anos que estás na minha companhia, e nunca saíste sozinha senão duas vezes: a
primeira, há oito dias, durante cinco minutos para comprar linha e agulhas, e a
segunda anteontem, durante uma hora, para ires a Batignolles ver a tua tia que
está doente. E uma hora só foi bastante para te aniquilares! As mais doidas,
esperam que lhes façam a corte, resistem um mês, seis meses, mesmo um ano, mas
tu, não, tu estavas muito apressada! Ah! brejeira! Numa hora, tu...
Mas
a rapariga, que, mesmo chorando, era bonita, interrompeu:
-
Não avozinha, não; estás enganada; não foi dessa vez.
E
desatando em choro:
-
Foi da primeira...
sábado, 11 de janeiro de 2014
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