EUSTÓRGIO WANDERLEY
Padre Machado
Não há muitos anos havia no
Recife uma figura inconfundível de sacerdote que se tornou popularíssima: era a
do padre Machado. Aliás, padre Manuel Machado. Poucas pessoas, entretanto, lhe
sabiam o nome de batismo. Era conhecido apenas pelo nome de família. E ele
costumava dizer, com o largo sorriso que lhe entreabria sempre os lábios
grossos da boca franca das pessoas generosas e joviais:
- Eu sou um machado
que não corta lenha. Salvo se for para botar no fogão dos pobres que não tenham
com que ferver a água para o seu ralo cafezinho...
E assim era. Nesses
momentos ele seria até capaz de se transformar de machado em lenha
contanto que socorresse a um pobre.
JAMAIS TEVE DINHEIRO SEU
Sem ser franciscano, parece
haver feito o voto de absoluta pobreza, nada tendo de seu, ou antes: o que
tinha - o que lhe davam - pertencia aos necessitados. Por mais de uma vez,
recebendo em envelope fechado a espórtula da missa que havia celebrado, a
entregava toda, sem mesmo averiguar quanto continha - ao primeiro pobre que lhe
pedisse uma esmola!
Os motoristas dos
automóveis, que o conheciam e o estimavam, não lhe cobravam as viagens e, ao
contrário, quando o encontravam a pé pelas ruas - sobraçando pesados embrulhos
de mantimentos, de roupas usadas que ele pedia para distribuir aos pobres - o
convidavam para tomar lugar nos seus carros. Igualmente os condutores dos
bondes não lhe cobravam a passagem. Quando algum, não o conhecendo ainda, fazia
a cobrança, o padre Machado depois de procurar em vão, nos bolsos da velha
batina, dizia, sinceramente surpreso:
- E, não é que me esqueci
do dinheiro?!... Vou descer do bonde...
E o condutor não consentia
que ele descesse. Mesmo algum passageiro - e, às vezes, até mais de um - fazia
questão de pagar a passagem do querido padre Machado, sempre despreocupado de
si mesmo, tão grande era sua preocupação com a sorte dos infelizes.
Prevendo esses
esquecimentos do filho, sua veneranda genitora lhe punha sempre no bolso alguns
níqueis. Acontece, porém, que ele, chegando à rua e ouvindo o tilintar das
moedas, as entregava aos primeiros pedintes que lhe estendessem a mão...
LEVANDO A EXTREMA-UNÇÃO
Certa vez, alta noite, um
grupo de rapazes boêmios o viu entrar em um sobrado... suspeito, na rua da
Moeda. Esperaram que ele saísse para o pilheriarem.
E assim o fizeram. Padre
Machado os ouviu em silêncio.
Chegando mais adiante,
encontrou um guarda-noturno e pediu:
- Senhor guarda: Faça-me o
obséquio de me acompanhar e mais alguns moços a um sobrado ali adiante...
O guarda o acompanhou. O
grupo dos boêmios ainda ali estava, comentando, desprimorosa e maliciosamente,
a entrada do reverendo naquele sobrado de má fama...
Aproximando-se do grupo lhe
diz o padre:
- Quero pedir aos meus
jovens amigos o favor de me acompanharem até lá em cima.
Os rapazes o acompanharam.
Lá em cima depararam com uma pobre mulher morta, enquanto suas companheiras,
ajoelhadas em volta do leito mortuário, rezavam, chorando... Apontando aquela
cena pungente explicou o virtuoso padre:
- Vêem os nobres amigos?
Vim aqui trazer Jesus Cristo, na extrema-unção, àquela pobre pecadora que acaba
de falecer.
Os jovens boêmios não riram
mais do padre Machado e, arrependidos do mau juízo que haviam feito, lhe
pediram, humildemente, perdão.
(Wanderley, Eustórgio. Tipos populares do Recife antigo. 1ª e 2ª série, 2ª ed. Recife, Colégio Moderno, 1953-195
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