sábado, 29 de junho de 2013
GRANDES PINTORES
GUSTAVE CAILLEBOTTE = França, 1848-1894
GUSTAVE CAILLEBOTTE = França, 1848-1894
GUSTAVE CAILLEBOTTE = França, 1848-1894
GUSTAVE CAILLEBOTTE = França, 1848-1894
GUSTAVE CAILLEBOTTE = França, 1848-1894
GUSTAVE CAILLEBOTTE = França, 1848-1894
GUSTAVE CAILLEBOTTE = França, 1848-1894
GUSTAVE CAILLEBOTTE = França, 1848-1894
PIADA
O pintor vai até a galeria de arte onde estão expostos os seus
quadros
e pergunta ao gerente:
— E aí, vendeu algum?
— Fala primeiro a boa!
— A boa é que uma pessoa comprou todos os seus quadros!
— Nossa! Que ótimo! Então não pode ter notícia ruim! Quem
comprou?
— Um cara que perguntou se, depois da morte do autor, o preço
dos
quadros sobe. Eu respondi que sim e ele comprou todos!
— E qual é a má notícia?
— É que esse comprador é o doutor Pedro, seu médico.
CONTO
HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886 – 1934
Barba De Bode
Foi recolhida,
segunda-feira última, no Hospício Nacional, vítima de uma erva erroneamente
receitada por um herbanário dos subúrbios, a encantadora senhorita Carmélia
Passos, filha única e inteligentíssima da viúva Carlota Passos, proprietária
nesta capital.
Eu desconhecia
ainda este caso, e já aplaudia com todo o meu coração a atitude da Saúde
Pública, perseguindo, punindo, combatendo com as armas da lei a praga dos
curandeiros. E aplaudia-a com a lembrança, apenas, de um episódio doloroso, que
me fora narrado, semanas antes, pelo meu prestimoso amigo o Sr. senador Elói de
Souza.
O coronel
Raimundo de Araújo, comerciante em Natal, capital do Rio Grande do Norte, havia
entrado na casa dos sessenta anos quando, após quatorze de viuvez, entendeu de
contrair novas núpcias com uma sólida moçoila de São Gonçalo. Pedida, porém, a
rapariga, começaram as complicações, as dificuldades, os obstáculos e, com
eles, o adiamento da cerimônia. Homem de idade avançada, sujeito, portanto, ao
efeito das emoções violentas, o coronel, assim que ficou noivo, começou a
declinar de forças, de coragem, de saúde, e de tal forma que, após um mês de
noivado, parecia haver envelhecido dez anos. Aflito, impressionado, combalido,
o abastado comerciante recorreu, e sempre inutilmente, a todos os médicos da
cidade. E já estava quase desiludido da cura e da vida, quando um seu compadre,
o capitão Ferreira, tabelião aposentado, a quem participara a sua infelicidade,
lhe perguntou, interessado:
- O compadre
já usou chá de barba de bode?
- Barba de
bode? - indagou o outro, espantado.
- Sim. Pega-se
todo o dia um punhado de barba de bode, faz-se um chá bem forte, e toma-se três
vezes por dia.
E acentuou,
sincero:
- É um santo
remédio, compadre!
Animado com a
nova esperança; o coronel Araújo mandou chamar à sua casa de negócio um caboclo
de Currais Novos, o Antônio Severo, grande criador de caprinos naquela parte do
sertão, e, sem lhe dizer para que era a encomenda, pediu que lhe mandasse na
primeira oportunidade, e a qualquer preço, um saco com barbas de bode.
- Que
quantidade, coronéo? - indagou o sertanejo.
- Uns dez
quilos.
Duas semanas
depois recebia o coronel Araújo a sua encomenda, entrando, de pronto, no uso da
medicina receitada. À medida, porém, que tomava o chá, sentia efeitos
exatamente opostos àquele que esperava: uma vontade doida de chorar, de berrar,
de bodejar lamentosamente, e, sobretudo, um desejo irresistível de fugir às
mulheres. No fim de um mês, a situação do enfermo era, mesmo, desesperadora:
magro, nervoso, espumando pelo canto da boca, passava as noites na rua,
encostando-se às paredes, às arvores, às pedras das estradas, nas proximidades
do porto, do mercado e do quartel, e em estado tal de desmoralização que os
amigos, penalizados com a sua infelicidade, tiveram de mandá-lo internar, com
recomendações especiais do Dr. Ferreira Chaves, então governador do Estado, em
uma casa de saúde de Pernambuco!
Esse desfecho
de uma vida honrada e laboriosa impressionou, como era natural, o meio em que
vivia o conhecido negociante. Quem, entretanto, mais pensava naquele infortúnio
era o seu compadre Ferreira, autor da receita. Preocupado com o caso, e sem
encontrar para ele uma explicação aceitável, ia o velho tabelião um dia pela
praça do mercado quando sentiu, de repente, uma pancada no ombro. Era o Antônio
Severo, de Currais Novos, que havia chegado naquele dia com uma partida de
couros. A figura do sertanejo avivou-lhe, naquele momento, uma lembrança; e
como esta fosse teimosa, forte, renitente, o velho Ferreira não se conteve, e
indagou:
- Diga-me uma
coisa, Severo: o coronel Araújo não lhe fez, quando você esteve aqui da última
vez, uma encomenda de barba de bode?
- Fez, sim,
senhor; e eu mandei, logo que cheguei lá.
- E você tem
certeza de que era, mesmo, barba de bode?
Ante essa
insistência, o matuto sorriu, cuspiu longe, por entre os dentes, e, com a sua
vozinha de ingênuo e de esperto, confessou:
- Home,
"seu" capitão, garantir eu não garanto. O coronéo me encomendou, é
verdade, dez quilos de barba de bode. Mas porém, onde eu ia achar bode p'ra
tanta barba? E como pensei que desse tudo na mesma coisa, mandei mesmo de
cabra!
POESIA
PABLO
NERUDA
CHILE = 1904-1973
Mãos
De Camponês
Mãos
rústicas e honradas. Mãos bondosas
que adormecem na tarde, milagrosas
sob o incentivo bom da lua cheia
a abençoar os seios de uma esposa.
que adormecem na tarde, milagrosas
sob o incentivo bom da lua cheia
a abençoar os seios de uma esposa.
E
adormecem cansadas da tarefa cumprida
rudemente - em silêncio - como que sob o encanto
de possuir nos músculos rosas encalecidas
de ter lavrado muito e ter semeado tanto!
rudemente - em silêncio - como que sob o encanto
de possuir nos músculos rosas encalecidas
de ter lavrado muito e ter semeado tanto!
Santificadas sejam em toda litânia,
nos dão o trigo de ouro e o pão de cada dia
e seguem os preceitos que lhes deu o Senhor.
nos dão o trigo de ouro e o pão de cada dia
e seguem os preceitos que lhes deu o Senhor.
Haveria
que enchê-las de flores e de gemas
as mãos de camponês que são todo um poema
nos quais os versos cheiram a terra e a suor!
as mãos de camponês que são todo um poema
nos quais os versos cheiram a terra e a suor!
POESIA
OLEGÁRIO MARIANO
RECIFE-PE = 1889-1958
Nordeste
Pleno nordeste. Sol a pino. A vida
Sem sonho como uma árvores sem fronde.
Retine uma araponga, outra responde
Como o grito da terra comburida.
A criatura de Deus, fraca e vencida.
Leva o destino sem saber para onde,
E ergue os olhos pedindo a água escondida
Nalguma nuvem que no céu se esconde.
Córregos secos, montes se arrastando...
Cansaço e solidão... terra que corta...
E, no céu desolado, a quando e quando,
Bandos loucos de avoantes forasteiras,
Alvoroçando na paisagem morta
O ar cansado e infeliz das carnaubeiras.
CONTO = Graciliano Ramos
GRACILIANO RAMOS
QUEBRANGULO-AL = 1892-1953
Naquela noite
de lua cheia estavam acocorados os vizinhos na sala pequena de Alexandre: seu
Libório, cantador de emboladas, o cego preto Firmino e Mestre Gaudêncio
curandeiro, que rezava contra mordedura de cobras. Das Dores benzedeira de
quebranto e afilhada do casal, agachava-se na esteira cochichando com Cesária.
— Vou contar
aos senhores… principiou Alexandre amarrando o cigarro de palha.
Os amigos
abriram os ouvidos e Das Dores interrompeu o cochicho:
— Conte, meu
padrinho.
Alexandre
acendeu o cigarro ao candeeiro de folha, escanchou-se na rede e perguntou:
— Os senhores
já sabem porque é que eu tenho um olho torto?
Mestre
Gaudêncio respondeu que não sabia e acomodou-se num cepo que servia de cadeira.
— Pois eu
digo, continuou Alexandre. Mas talvez nem possa escorrer tudo hoje, porque essa
história nasce de outra, e é preciso encaixar as coisas direito. Querem ouvir?
Se não querem, sejam francos: não gosto de cacetear ninguém.
Seu Libório
cantador e o cego preto Firmino juraram que estavam atentos. E Alexandre abriu
a torneira:
— Meu pai,
homem de boa família, possuía fortuna grossa, como não ignoram. A nossa fazenda
ia de ribeira a ribeira, o gado não tinha conta e dinheiro lá em casa era cama
de gato. Não era, Cesária?
— Era,
Alexandre, concordou Cesária. Quando os escravos se forraram, foi um
desmantelo, mas ainda sobraram alguns baús com moedas de ouro. Sumiu-se tudo.
Suspirou e
apontou desgostosa a mala de couro cru onde seu Libório se sentava:
— Hoje é isto.
Você se lembra do nosso casamento, Alexandre?
— Sem dúvida,
gritou o marido. Uma festa que durou sete dias. Agora não se faz festa como
aquela. Mas o casamento foi depois. É bom não atrapalhar.
— Está certo,
resmungou mestre Gaudêncio curandeiro. É bom não atrapalhar.
— Então
escutem, prosseguiu Alexandre. Um domingo eu estava no copiar, esgaravatando
unhas com a faca de ponta, quando meu pai chegou e disse:
— “Xandu, você
nos seus passeios não achou roteiro da égua pampa?” E eu respondi: — “Não
achei, nhor não.” — “Pois dê umas voltas por aí, tornou meu pai Veja se
encontra a égua.” — “Nhor sim.” Peguei um cabresto e saí de casa antes do
almoço, andei, virei, mexi, procurando rastos nos caminhos e nas veredas. A
égua pampa era um animal que não tinha agüentado ferro no quarto nem sela no
lombo. Devia estar braba, metida nas brenhas, com medo de gente. Difícil topar
na catinga um bicho assim”. Entretido, esqueci o almoço e à tardinha descansei
no bebedouro, vendo o gado enterrar os pés na lama. Apareceram bois, cavalos e
miunça, mas da égua pampa nem sinal. Anoiteceu, um pedaço de lua branqueou os
xiquexiques e os mandacarus, e eu me estirei na ribanceira do rio, de papo para
o ar, olhando o céu, fui-me amadornando devagarinho, peguei no sono, com o
pensamento em Cesária. Não sei quanto tempo dormi, sonhando com Cesária.
Acordei numa escuridão medonha. Nem pedaço de lua nem estrelas, só se via o
carreiro de Sant’lago. E tudo calado, tão calado que se ouvia perfeitamente uma
formiga mexer nos garranchos e uma folha cair. Bacuraus doidos faziam às vezes
um barulho grande, e os olhos deles brilhavam como brasas. Vinha de novo a
escuridão, os talos secos buliam, as folhinhas das catingueiras voavam. Tive
desejo de voltar para casa, mas o corpo morrinhento não me ajudou. Continuei
deitado, de barriga para cima, espiando o carreiro de Sant’lago e prestando
atenção ao trabalho das formigas. De repente. conheci que bebiam água ali
perto. Virei-me, estirei o pescoço e avistei lá embaixo dois vultos malhados,
um grande e um pequeno, junto da cerca do bebedouro. A princípio não pude
vê-los direito, mas firmando a vista consegui distingui-las por causa das
malhas brancas. — “Vão ver que é a égua pampa, foi o que eu disse. Não é senão
ela. Deu cria no mato e só vem ao bebedouro de noite.” Muito ruim o animal
aparecer àquela hora. Se fosse de dia e eu tivesse uma corda, podia laçá-lo num
instante. Mas desprevenido, no escuro, levantei-me azuretado, com o cabresto na
mão, procurando meio de sair daquela dificuldade. A égua ia escapar, na certa.
Foi aí que a idéia me chegou.
— Que foi que
o senhor fez? perguntou Das Dores curiosa.
Alexandre
chupou o cigarro, o olho torto arregalado, fixo na parede. Voltou para Das
Dores o olho bom e explicou-se:
— Fiz tenção
de saltar no lombo do bicho e largar-me com ele na catinga. Era o jeito. Se não
saltasse, adeus égua pampa. E que história ia contar a meu pai? Hem? Que
história ia contar a meu pai, Das Dores?
A benzedeira
de quebranto não deu palpite, e Alexandre mentalmente pulou nas costas do
animal:
— Foi o que eu
fiz. Ainda bem não me tinha resolvido, já estava escanchado. Um desespero, seu
Libório, carreira como aquela só se vendo. Nunca houve outra igual. O vento
zumbia nas minhas orelhas, zumbia como corda de viola. E eu então… Eu então
pensava, na tropelia desembestada: — “A cria, miúda, naturalmente ficou atrás e
se perde, que não pode acompanhar a mãe, mas esta amanhã está ferrada e
arreada.” Passei o cabresto no focinho da bicha e, os calcanhares presos nos
vazios, deitei-me, grudei-me com ela, mas antes levei muita pancada de galho e
muito arranhão de espinho rasga-beiço. Fui cair numa touceira cheia de espetos,
um deles esfolou-me a cara, e nem senti a ferida: num aperto tão grande não ia
ocupar-me com semelhante ninharia. Botei-me para fora dali, a custo, bem
maltratado. Não sabia a natureza do estrago, mas pareceu-me que devia estar com
a roupa em tiras e o rosto lanhado. Foi o que me pareceu. Escapulindo-se do
espinheiro, a diaba ganhou de novo a catinga, saltando bancos de macambira e
derrubando paus, como se tivesse azougue nas veias. Fazia um barulhão com as
ventas, eu estava espantado, porque nunca tinha ouvido égua soprar daquele
jeito. Afinal subjuguei-a, quebrei-lhe as forças e, com puxavantes de cabresto,
murros na cabeça e pancadas nos queixos, levei-a para a estrada. Ai ela
compreendeu que não valia a pena teimar e entregou os pontos. Acreditam
vossemecês que era um vivente de bom coração? Pois era. Com tão pouco ensino,
deu para esquipar. E eu, notando que a infeliz estava disposta a aprender,
puxei por ela, que acabou na pisada baixa e num galopezinho macio em cima da
mão. Saibam os amigos que nunca me desoriento. Depois de termos comido um bando
de léguas naquele pretume de meter o dedo no olho, andando para aqui e para
acolá, num rolo do inferno, percebi que estávamos perto do bebedouro. Sim
senhores. Zoada tão grande, um despotismo de quem quer derrubar o mundo — e
agora a pobre se arrastava quase no lugar da saída, num chouto cansado. Tomei o
caminho de casa. O céu se desenferrujou, o sol estava com vontade de aparecer.
Um galo cantou, houve nos ramos um rebuliço de penas. Quando entrei no pátio da
fazenda, meu pai e os negros iam começando o ofício de Nossa Senhora. Apeei-me,
fui ao curral, amarrei o animal no mourão, cheguei-me à casa, sentei-me no
copiar. A reza acabou lá dentro, e ouvi a fala de meu pai: — “Vocês não viram
por aí o Xandu?” — “Estou aqui, nhor sim, respondi cá de fora” — “Homem, você
me dá cabelos brancos, disse meu pai abrindo a porta. Desde ontem sumido!” —
“Vossemecê não me mandou procurar a égua pampa?” —”Mandei, tornou o velho. Mas
não mandei que você dormisse no mato, criatura dos meus pecados. E achou
roteiro dela?” — “Roteiro não achei, mas vim montado num bicho. Talvez seja a
égua pampa, porque tem malhas. Não sei, nhor não, só se vendo. O que sei é que
é bom de verdade: com umas voltas que deu ficou pisando baixo, meio a galope. E
parece que deu cria: estava com outro pequeno.” Aí a barra apareceu, o dia
clareou. Meu pai, minha mãe, os escravos e meu irmão mais novo, que depois
vestiu farda e chegou a tenente de polícia, foram ver a égua pampa. Foram, mas
não entraram no curral: ficaram na porteira, olhando uns para os outros, lesos,
de boca aberta. E eu também me admirei, pois não.
Alexandre
levantou-se, deu uns passos e esfregou as mãos, parou em frente de mestre
Gaudêncio, falando alto, gesticulando:
— Tive medo,
vi que tinha feito uma doidice. Vossemecês adivinham o que estava amarrado no
mourão? Uma onça-pintada, enorme, da altura de um cavalo. Foi por causa das
pintas brancas que eu, no escuro, tomei aquela desgraçada pela égua pampa.
FRASES CÉLEBRES
Deve-se temer mais o amor de uma
mulher,
do que o ódio de um homem.
A amizade é uma predisposição
recíproca
que torna dois seres igualmente ciosos
da felicidade um do outro.
Transportai um punhado de terra todos
os dias e fareis uma montanha.
O ideal no casamento é que a mulher
seja cega e o homem surdo.
Para quê preocuparmo-nos com a morte?
A vida tem
tantos problemas que temos de resolver
primeiro.
De todos os animais selvagens, o homem
jovem é o mais difícil de domar.
As pessoas dividem-se entre aquelas
que poupam
como se vivessem para sempre e aquelas
que
gastam como se fossem morrer amanhã.
Quem não sabe o que é a vida, como
poderá saber o que é a morte?
POESIA
MANUEL BANDEIRA
RECIFE-PE =
1886-1968
Canção Do Vento
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
vento varria as flores....
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas
O Vento varria as luzes
o vento varria as músicas,
O vento varria os aromas....
E a minha vida ficava
mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.
o vento varria as músicas,
O vento varria os aromas....
E a minha vida ficava
mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.
O vento varria os sonhos
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
de afetos e de mulheres.
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
de afetos e de mulheres.
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos....
O vento varria tudo!!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
E varria os teus sorrisos....
O vento varria tudo!!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
CRÔNICA
BELO
HORIZONTE-MG = 1923-2004
Vinho De Missa
Era domingo e o
navio prosseguia viagem. Os passageiros iam sendo convocados para a missa de
bordo.
- Vamos à missa?
convidou Ovalle.
O passageiro a
seu lado no convés recusou-se com inesperada veemência:
- Missa, eu?
Deus me livre de missa.
- Não entendo –
tornou Ovalle, intrigado:
- O senhor pede
justamente a Deus que o livre da missa?
- No meu tempo
de menino eu ia à missa. Mas deixei de ir por causa de um episódio no colégio
interno, há mais de trinta anos. Colégio de padre – isso explica tudo, o senhor
não acha?
Ele achou que
não explicava nada e pediu ao homem que contasse.
- Pois olha, vou
lhe contar: imagine o senhor que havia no colégio um barbeiro, para fazer a
barba dos padres e o cabelo dos alunos. Vai um dia o barbeiro me seduz com a
idéia de furtar o vinho de missa, que era guardado numa adega. Me ensinou um
jeito de entrar na adega – e um dia eu fiz uma incursão ao tonel de vinho. Mas
fui infeliz: deixei a torneira pingando, descobriram a travessura e no dia
seguinte o padre-diretor reunia todos os alunos do colégio, intimando o culpado
a se denunciar. Ia haver comunhão geral e quem comungasse com tão horrenda
culpa mereceria danação eterna. Está visto que não me denunciei: busquei um
confessor, tendo o cuidado de escolher um padre que gozava entre nós da fama de
ser mais camarada: “Padre, como é que eu saio desta? Eu pequei, fui eu que bebi
o vinho. Mas se deixar de comungar, o padre-diretor descobre tudo, vou ser
castigado.” Ele então me tranqüilizou, invocando o segredo confessional, me
absolveu e pude receber a comunhão. Pois muito bem: no mesmo dia todo mundo
sabia que tinha sido eu e eu era suspenso do colégio. O homem respirou fundo e
acrescentou, irritado:
- Como é que o
senhor quer que eu ainda tenha fé nessa espécie de gente?
Ovalle ouvia
calado, os olhos perdidos na amplidão do mar. Sem se voltar para o outro,
comentou:
- O senhor,
certamente, achou que o confessor saiu dali e foi direitinho contar ao diretor.
- Isso mesmo.
Foi o que aconteceu.
- O vinho era
bom?
- Como?
- Pergunto se o
senhor achou o vinho bom.
O homem sorriu,
intrigado:
- Creio que sim.
Tanto tempo, não me lembro mais… Mas devia ser: vinho de missa!
Então Ovalle se
voltou para o homem, ergueu o punho com veemência:
- E o senhor,
depois de beber o seu bom vinho de missa, me passa trinta anos acreditando
nessa asneira? O homem o olhava, boquiaberto:
- Asneira? Que
asneira?
- Será possível
que ainda não percebeu? Foi o barbeiro, idiota!
- O barbeiro? –
balbuciou o outro:
- É verdade… O
barbeiro! Como é que na época não me ocorreu…
– Vamos para a
missa – ordenou Ovalle, tomando-o pelo braço.
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