HUMBERTO DE
CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886
/ 1934
A
Valorização Da Família
Mãos para trás, nervoso,
colete desabotoado, a camisa aberta no pescoço taurino, o velho Jacinto, o
sapateiro, andava de um lado para outro, com o inferno no coração. Nunca pensara
que lhe acontecesse semelhante desastre. Aquela filha, que era seu encanto, o
consolo da sua vida, deixar-se cair no infortúnio, entregando a sua honra a um
indivíduo que ela não sabia, sequer, quem era!...
E vinham-lhe à imaginação os
vinte anos passados, a infância da pequena, tão miúda, tão risonha, tão
rechonchuda, com aqueles braços muito alvos, muito roliços, e aquelas duas
covinhas no rosto.
Sentada na velha cama de
gente pobre, Dona Januária fazia o seu "crochet" manejando a agulha
com lentidão. A indignação do marido não lhe chegava à alma, que parecia
tranqüila, serena, alheia à tempestade que abalava o companheiro. O que
sucedera, parecia-lhe natural, esperado, inevitável. A Carminha era bonita e
nova. Foi tentada e sucumbiu. Que havia de novo, nisso? E foi pensando assim,
que pediu ao esposo:
— Sossega, Jacinto! Depois, o
rapaz não foi ingrato: deu-lhe um anel de brilhantes que vale quase quinhentos
mil réis!
— Quinhentos mil réis?... —
fez o velho, com ironia. — Quinhentos mil réis pela honra de uma donzela!...
A essas vozes, Dona Januária
atirou o "crochet" para um lado:
— Você acha pouco? Hein?...
Você acha pouco?
E, de pé, as mãos nas
cadeiras:
— Você não se lembra que só
me deu, por muito favor, um par de sapatos, que não valia nem dez?
Capítulo LXXII
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