MOACYR SCLIAR
PORTO ALEGRE-RS =
1937-2011
Os Turistas Secretos
Havia um casal que tinha uma inveja terrível dos amigos turistas – especialmente dos que faziam turismo no exterior. Ele, pequeno funcionário de uma grande firma, ela, professora primária, jamais tinham conseguido juntar o suficiente para viajar. Quando dava para as prestações das passagens não chegava para os dólares, e vice-versa; e assim, ano após ano, acabavam ficando em casa. Economizavam, compravam menos roupa, andavam só de ônibus, comiam menos – mas não conseguiam viajar para o exterior. Às vezes passavam uns dias na praia. E era tudo.
Contudo, tamanha era a vontade que tinham de contar para os
amigos sobre as maravilhas da Europa, que acabaram bolando um plano. Todos os
anos, no fim de janeiro, telefonavam aos amigos: estavam se despedindo,
viajavam para o Velho Mundo. De fato, alguns dias depois começavam a chegar
postais de cidades europeias, Roma, Veneza, Florença; e ao fim de um mês eles
estavam de volta, convidando os amigos para verem os 'slides' da viagem. E as
coisas interessantes que contavam! Até dividiam os assuntos: a ele cabia
comentar os hotéis, os serviços aéreos, a cotação das moedas, e também o lado
pitoresco das viagens; a ela tocava o lado erudito: comentários sobre os museus
e locais históricos, peças teatrais que tinham visto. O filho, de dez anos, não
contava nada, mas confirmava tudo; e suspirava quando os pais diziam:
- Como fomos felizes em Florença!
O que os amigos não conseguiam descobrir é de onde saíra o
dinheiro para a viagem; um, mais indiscreto, chegou a perguntar. Os dois
sorriram, misteriosos, falaram numa herança e desconversaram.
Depois é que ficou se sabendo.
Não viajavam coisa nenhuma. Nem saíam da cidade. Ficavam
trancados em casa durante todo o mês de férias. Ela ficava estudando os
folhetos das companhias de turismo, sobre – por exemplo – a cidade de Florença:
a história de Florença, os museus de Florença, os monumentos de Florença. Ele,
num pequeno laboratório fotográfico, montava 'slides' em que as imagens deles
estavam superpostas a imagens de Florença. Escrevia os cartões-postais, colava
neles selos usados com carimbos falsificados. Quanto ao menino, decorava as
histórias contadas pelos pais para confirmá-las se necessário.
Só saíam de casa tarde da noite. O menino, para fazer um
pouco de exercício; ela, para fazer compras num supermercado distante; e ele,
para depositar nas caixas de correspondência dos amigos os postais.
Poderia ter durado muito e muitos anos, esta história. Foi
ela quem estragou tudo. Lá pelas tantas, cansou de ter um marido pobre, que só
lhe proporcionava excursões fingidas. Apaixonou-se por um piloto, que lhe
prometeu muitas viagens, para os lugares mais exóticos. E acabou pedindo o
divórcio.
Beijaram-se pela última vez ao sair do escritório do
advogado.
- A verdade – disse ele – é que me diverti muito com a
história toda.
- Eu também me diverti muito – ela disse.
- Fomos muito felizes em Florença – suspirou ele.
- É verdade – ela disse, com lágrimas nos olhos. E
prometeu-se que nunca mais iria a Florença.
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