HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886 / 1934
Capítulo
LVII
A
Santa
Com
aqueles olhos doloridos e agonizantes, que dormiam e acordavam de minuto em
minuto na pálida alcova daquele rosto moreno, Dona Casemira tornara-se o culto
da graciosa cidade nortista. Cabelo partido ao meio, e repuxado sobre o crânio
como o de Rosita Rodrigo, toda ela era simplicidade elegante, singeleza
tentadora, um misto, enfim, de candura e de pecado. Casada aos dezoito,
fora-lhe o marido para o Amazonas dois anos depois, não voltara mais. E estava
já com vinte e quatro, quando os homens, que não eram seu marido, começaram a
rondar-lhe a casa modesta, transformando-a, de refúgio da miséria, em secreto
manancial de fartura.
Em
breve, toda a gente em Fortaleza sabia da mudança operada, repentinamente, na
vida da Casemira. Às olheiras pela renúncia haviam sucedido as olheiras pela
abundância. E eram essas olheiras, exatamente, que enganavam frei Manoel da
Pacificação, superior dos Carmelitas, o qual não se cansava de dizer, com a piedade
no coração:
— É
uma santa, a Dona Casemira; uma verdadeira santa!
Por
três anos as beatas ouviram, sem protesto, aquele elogio do frade. Até que, um
dia, à sua repetição, à porta do confessionário, uma resolveu protestar:
—
Santa, não, frei Manoel! Isso é até um sacrilégio! Toda a gente sabe que
Casemira vive hoje, ora com um, ora com outro!
Frei
Manoel era, porém, desses homens teimosos, que nunca se deixam converter.
—
Pois, é por isso mesmo que eu a chamo santa, filha! — exclamou, para não dar as
mãos à palmatória.
—
Diga-me uma coisa: a pia d'água-benta é santa?
— É,
sim, senhor, frei Manoel, — confirmou a devota.
E o
frade, vitorioso:
— E a
pia não é um lugar onde todos metem o dedo?
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