BASTOS TIGRE
RECIFE-PE = 1882-1957
Narciso E O Regato
Sobre um tema de Oscar Wilde
Morreu Narciso. A triste nova
Correu, veloz, vale e colina,
Em luto, as flores todas da campina,
De pesar como prova,
Choraram longamente a morte de Narciso.
De repente, cessou o alegre riso
Que enchia o campo todas as manhãs.
Narciso era a beleza
Que iluminava a Natureza
E espalhava no espaço harmonias pagãs.
Por isso as flores todas da campina
Choraram tanto, tanto,
Que já não tinha gotas a neblina
Com que pudesse alimentar o pranto
Das desoladas flores.
Resolveram pedir a linfa cristalina
Do regato, um bocado de sua água;
E falaram-lhe assim: — Narciso é
morto!
À nossa dor à nossa funda mágoa
O pranto falta que nos dê conforto.
Dá-nos uma pouco de tua água pura.
Mas o regato retorquiu: — Não posso…
Meu sofrimento inda é maior que o vosso!
A água que tenho não me basta
Para afogar a minha própria dor…
Sabeis? Narciso a sua face linda
Mirava, todo o dia, em minha face…
– E amavas tanto vê-lo? interroga uma
flor
– Não é que o não amasse
(Volve o regato) mas o meu desgosto
Aqui vo-lo revelo,
Não é a falta de lhe ver o rosto
Mas porque, quando em mim se contemplava,
Nos olhos de Narciso eu me mirava
E me achava tão belo! E me achava tão
belo!
Em: Antologia Poética, Bastos
Tigre, vol. I, Rio de Janeiro, Editora Francisco Alves: 1982
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