ARTUR DE AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA - 1855 / 1908
Ingenuidade
O
Vaz desejava a Ernestina Friandes, não porque ela não tivesse todas as
aparências de uma senhora honesta; desejava-a, porque o marido, o Friandes, era
um pax vobis, que estava mesmo a pedir que o enganassem.
Quando,
após quatro meses de perseguições incessantes, o sedutor conseguiu a promessa
de uma entrevista, ficou muito atrapalhado, por não saber aonde levar a moça.
Em casa dela era impossível um encontro: havia a tia Chiquinha Friandes, velhinha
esperta e desconfiada; em casa dele também não podia ser, porque ele não tinha
casa; apesar dos seus trinta anos, vivia ainda sob o teto e às sopas do pai.
*
* *
O
nosso herói lembrou-se, afinal, de um amigalhaço muito dado a cavalarias altas;
foi ter com ele, expôs-lhe a situação e pediu-lhe que lhe arranjasse um ninho.
-
Tu compreendes! Não posso nem devo levá-la a uma dessas casas de alugar
quartos, que toda a gente conhece! Seria abusar da sua inocência!
-
Então a pequena é tão inocente assim?
-
Se é! Não fala senão de pálpebras caídas, e qualquer coisa lhe faz subir o
rubor às faces! Sou o seu primeiro amante!
-
Deixa-te dessas pretensões! A gente nunca é o primeiro amante!
-
Falas assim porque não a conheces.
-
Vou indicar-te um lugar aonde podes levá-la com toda a segurança, porque é uma
casa que ainda não está conhecida. Rua tal, número tantos. Vai até lá e procura
de minha parte a D. Efigênia, que te servirá perfeitamente. Olha, leva-lhe o
meu cartão.
O
Vaz foi à casa indicada e obteve o que desejava: um bom quarto, espaçoso, bem
mobiliado, arejado, com todos os requisitos, inclusive o de ficar logo no topo
da escada, de modo que ele e a Ernestina poderiam entrar sem ser vistos.
*
* *
No
dia da entrevista, correu tudo às mil maravilhas. O Vaz esperou a sua presa na
esquina; ele entrou primeiro, ela depois, e lá se demoraram perto de hora e
meia.
Por
que tanto tempo? Por que uma virtude não cai com a mesma facilidade que as
paredes do Hospital da Penitência!
Arrependida
de haver subido aquela escada infame, a Ernestina resistiu quanto pôde.
-
Não! Não! Não!... eu quero conservar-me fiel aos meus deveres!... Que juízo
estará o senhor a fazer de mim?...
O
Vaz - justiça se lhe faça - não respondeu como Pedro I, que era um bruto.
-
E o Friandes?... e o meu pobre Friandes que tem tanta confiança em mim?...
*
* *
A
Ernestina saiu primeiro. O Vaz ainda ficou, e D. Efigênia veio perguntar-lhe
com o mais amável dos seus sorrisos:
-
Então?, agradou-lhe o quarto?
-
Muito e, se a senhora quisesse, eu ficaria com ele só para mim.
-
Ah!, isso não pode ser.
-
Por quê?
-
Porque há um cavalheiro e uma dama que têm este cômodo tomado para todas as
quartas e sábados, às quatro horas. Não sendo nesses dias e a essa hora, o
quarto é seu.
-
Bom.
O
Vaz pagou generosamente a hospedagem e saiu.
*
* *
No
dia seguinte lembrou-se que era sábado, e, sendo um desocupado, sentiu desejos
de conhecer a dama e o cavalheiro das 4 horas. Para isso, postou-se, no momento
aprazado, bem defronte da casa hospitaleira, arranjando, por trás de uma árvore
um magnífico posto de observação.
O
cavalheiro foi o primeiro a chegar. Era um velho com todas as aparências de
respeitável.
A
dama pouco se demorou: era a própria Ernestina Friandes. Imaginem a surpresa do
Vaz, que daquele momento em diante, convencido de que o ingênuo fora ele, nunca
mais se fiou na ingenuidade das mulheres.
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