sábado, 25 de agosto de 2012

CRÔNICA - Urariano Mota

URARIANO MOTA

Para Onde Foi O Bar Savoy?



Na Avenida Guararapes, 147, onde sempre se encontrou o Savoy, agora reside a Farmácia dos Pobres. Estivéssemos a brincar, diríamos que analgésicos e antibióticos agora substituem o chope, a cerveja, as coxinhas quentes e saborosas que matavam de emoção os suburbanos. Mas não dá para brincar, fazer broma, tão leviano, com os lugares por onde andou o coração da gente. Por isso, continuo, e falo somente a verdade, nada mais que a verdade. Por isso digo, e assim foi que perguntei ao vendedor, no balcão: - Para onde foi o Bar Savoy, você sabe?

Ele não sabe, nem imagina, que esta prosaica interrogação apenas esconde o que temos vergonha de perguntar, “amigo, para onde foi uma parte do Recife que amei?”. Por isso me aponta o gerente, que por cima dos ombros mal responde: - Está ali ao lado... pela entrada da edifício.

O “ali” é a sobreloja do Edifício Sigismundo Cabral. E o que era Savoy se tornou simplesmente O Canto do Poeta. Por favor, isto não é graça. É desse modo irônico que o mundo anda. Esse recanto, que já existia como uma opção aos freqüentadores do bar lá embaixo, agora é sua última morada. Pergunto a um empregado: - O Savoy agora é isto!? Para onde foram os garçons?

O empregado me sorri, como se pedisse desculpa. Olho em volta e não vejo: com fotos de Edmond Dansot, o longo e imortal poema de Carlos Pena Filho, Guia Prático da Cidade do Recife, se espalhava pelas paredes:



“No ponto onde o mar se extingue / e as areias se levantam / cavaram seus alicerces / na surda sombra da terra / e levantaram seus muros / do frio sono das pedras. / Depois armaram seus flancos: / trinta bandeiras azuis / plantadas no litoral. / Hoje, serena, flutua, / metade roubada ao mar, / metade à imaginação, / pois é do sonho dos homens / que uma cidade se inventa...”



E por não mais encontrar nas paredes o “Mas como a gente não pode / fazer o que tem vontade, / o jeito é mudar a vida / num diabólico festim”, pergunto: - Onde estão os versos de Carlos Pena? Também acabaram?

A resposta que ouço é a do português, dono do velho bar, que vem chegando: - O nome Savoy também está à venda. Se quiser comprar ..

Ele faz graça, deboche.

- Um lugar como o Savoy não é só propriedade privada, eu lhe respondo. E continuo: - Este lugar faz parte da memória da gente... (Vejo a sua cara de pedra, como as paredes sem versos.)

E por não ter dinheiro para expulsar a farmácia e lá repor o Savoy, e por não ter o poder público, que não consegue deter a degradação do centro do Recife, eu lhe digo:

- Saiba o senhor que existe a memória das pessoas. Saiba que a memória não pode ser privatizada! Digo isto, e me dirijo ao empregado, às mesas vazias, e ameaço começar um discurso, inútil, quixotesco, louco, maluco. O empregado, entre endossar minhas palavras e o desemprego, sorri, enigmaticamente.

- Poesia, romantismo... o português responde. – Poesia, romantismo... e faz um gesto com os dedos, eloqüente, que diz: - E dinheiro que é bom, nada? Poesia, romantismo....

Desço pelas escadas, para respirar na avenida. Desço, desço, poesia, romantismo....

Há um quadro de Van Gogh, “Terraço do Café na Place du Fórum”. Nele há um azul escuro, com pontos brancos de estrelas, como um fundo à luz forte, amarela, que sai de um Café com mesas na calçada. O quadro é belo pelo contraste, pelo forte amarelo na noite, como um sonho. Como um Café, como um Bar ideal. Nesse bar do quadro, algum dia ali reencontraremos os amigos. E lá, iluminados pelo amarelo de Van Gogh, aos versos de Carlos Pena, acrescentaremos: Somente na memória a cidade que amamos se alevanta.









Nenhum comentário: