A FOFOQUEIRA
(Crônica
de Humor)
Durante três dias, Raquel, a fofoqueira do bairro, observou
a vizinha Valéria que morava na casa antiga, na frente da sua. Rua sem saída.
Os vizinhos comentavam que Valéria havia enlouquecido.
Fazia três anos que perdera o marido e um ano da morte da
mãe. Valéria passou muito tempo de luto e tristeza. Dois meses atrás, havia se
aventurado numa viagem turística ao Nordeste, junto com uma prima. Voltou de
bom humor, mas nos últimos dias falava sozinha, gesticulava, ria... Teria
alguma visita?
Nesta tarde de sábado, Valéria ria muito.
- Ela enlouqueceu!.. - gritou Raquel. - Venha, querido,
venha e olhe... O marido relutou um pouco, mas como a esposa continuava:
Venha... venha... ele deixou o jornal e levantou-se, com dificuldade, da
poltrona onde estava esparramado. Aproximou-se da janela. Olhe lá, olhe, João,
parece que está falando com alguém.. mas Valéria está sozinha desde que a mãe
morreu. Falarei com ela. Talvez precise de um médico... de um psiquiatra... de
terapia...
Raquel pegou o telefone: - Olá,Valéria? Você está bem?
Raquel pegou o telefone: - Olá,Valéria? Você está bem?
- Feliz com meu noivo nordestino – respondeu rindo Valéria.
Raquel, curiosa, continuou a espiar pela janela. Querido,
venha, venha ver... venha, por favor... O marido
ovamente deixa o jornal de lado e se aproxima a passos
vagarosos até a janela.
- Olhe, disse a mulher... Valéria fala e ri...
sozinha....
- Sozinha, não! Com seu noivo imaginário, ironiza o marido.
Volta a sentar-se na poltrona e pega o jornal.
- Eu vou falar com ela – enfatiza Raquel.
Minutos depois, Raquel aperta com força a campainha. A
porta se abre.
– Este é Armando, meu noivo... - grita Valéria da cozinha.
Só nesse momento Raquel repara no anão de pijama azul, na ponta dos pés,
segurando-se na maçaneta da porta. Sorridente, o anão a convida a entrar.
Raquel fica paralisada ao lado da porta.
Armando insiste. - Sente-se, vizinha, pode pegar um pedaço
de bolo. Eu mesmo fiz...
- Aqui está o chá mate!... – disse contente Valéria.
Coloca a chaleira na mesa, agacha-se e abraça o anão. Ele,
sempre sorridente, dá um beijão na boca da namorada. Depois sobe na escadinha
que está ao lado da mesa e serve um pedaço de bolo para dona Raquel.
Raquel, sem palavras, senta-se na cadeira e pega o pratinho
com o bolo, acanhada, não sabe o que dizer. Os três ficam em silêncio.
Raquel, tentando ser agradável pergunta: - É bolo de
laranja?
No dia seguinte, Raquel falava com Adelaide, a velhinha do
sobradinho amarelo, quando vê passar, Valéria, de mãos dadas com Armando. Os
dois, sorridentes, cumprimentam e continuam seu passeio.
Sem poder conter-se, Raquel murmura para Adelaide: Como ela
pode sair com um homem tão pequeno?
A velhinha, muito jocosa, emenda: Segundo ouvi dizer,
Armando é pequeno só de estatura, dona Raquel, só de estatura...
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO
ALEGRE-RS, 1936
Nenhum comentário:
Postar um comentário