domingo, 10 de dezembro de 2017
POESIA = Fernando Pessoa
Natal
O sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
FERNANDO PESSOA
PORTUGAL,
1888-1935
CONTO = Ivan Turgueniev
O
Cachorro
Nós
dois no quarto: meu cachorro e eu. Lá fora, a tempestade uiva, desenfreada,
assustadora. O cachorro está sentado à minha frente -e me olha direto nos
olhos. Eu também olho para os olhos dele. Parece que quer me dizer alguma
coisa. É mudo, sem fala, nem entende a si mesmo -mas eu o entendo. Entendo que
neste instante, nele e em mim, vive o mesmo sentimento e entre nós não existe a
menor diferença. Somos idênticos; em cada um, arde e brilha a mesma chama,
pequena e trêmula. A morte virá voando, vai abanar sobre essa chama suas asas
frias e largas...
E fim! Depois, quem
poderá distinguir que chama ardeu em cada um de nós? Não! Não são um animal e
um homem que se olham...
São dois pares de
olhos idênticos, concentrados um no outro. E em cada ar de olhos, no animal e
no homem, a mesma vida assustada tenta se agarrar no outro.
RÚSSIA, 1818-1883
POESIA = Manuel Bandeira
Felicidade
A doce tarde morre. E tão mansa
Ela esmorece
Tão lentamente no céu de prece,
Que assim parece, toda repouso,
Como um suspiro de extinto gozo
De uma profunda, longa esperança
Que, enfim, cumprida, morre, descansa ...
E enquanto a mansa tarde agoniza,
Por entre a névoa fria do mar
Toda a minhalma foge na brisa:
Tenho vontade de me matar!
Oh, ter vontade de se matar!
Bem sei é coisa que não se diz.
Que mais a vida me pode dar?
Sou tão feliz!
- Vem, noite mansa ...
MANUEL BANDEIRA
RECIFE-PE
= 1886-1968
POESIA = Alberto da Cunha Melo
Nordestinos Fazendo
Feio
Sou besta, muito besta:
basta alguém prometer
algum horizonte
de terra molhada,
e já me domina
toda a eternidade:
isso não é coisa
que homem do norte,
homem de armas
pesadas, homem
com espinho velho
de facheiro nos pulsos
possa confessar.
basta alguém prometer
algum horizonte
de terra molhada,
e já me domina
toda a eternidade:
isso não é coisa
que homem do norte,
homem de armas
pesadas, homem
com espinho velho
de facheiro nos pulsos
possa confessar.
ALBERTO DA CUNHA MELO
JABOATÃO DOS
GUARARAPES-PE = 1942-2007
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