NÃO SUPORTOU mais e foi
procurar o amigo escritor. Era amizade antiga, mas distante. De há muito o
considerava um péssimo caráter, capaz de cometer qualquer miséria desde que
tivesse lucro com uma mulher ou com um assunto que lhe desse inspiração. Aproveitava-lhe
a sabedoria, mas evitava contagiar-se com a devassidão de sua vida abominável.
Ele desejava mudar o nome do
prédio onde morava (Babilônia), aconselhara-se com o amigo, haveria uma reunião
de condomínio e o escritor incentivou-o, que fosse formidando ao fazer a
proposta.
- Formidando? Quê que é isso?
- Uma expressão clássica, Raul
Pompéia usava muito em "O Ateneu", o professor Aristarco era
formidando. Significa formidável, feroz, tonitruante.
- É isso aí! Serei formidando!
A reunião foi numa sexta-feira,
à noite, nada teve de formidanda. No sábado, ele voltou ao amigo.
- Como é? Você foi formidando?
- Formidando uma ova! Foi um
desastre!
- Mas por que diabo você quer
mudar o nome do prédio?
Abriu-se. Pela primeira vez na
vida, abria-se.
Tinha medo de ser traído. Sabia
que as mulheres depois de certa idade sofriam crises, as tentações eram muitas.
Ele achava que o nome "Babilônia" era um péssimo agouro. Mas
reconhecia que não adiantava mudar o nome do prédio.
- É. Não resolve mesmo, admitiu
o amigo.
- Você seria capaz de dar em
cima da minha mulher?
A pergunta, à queima-roupa,
desorientou o escritor, que apesar de cínico não estava preparado para ela.
- Não. Ela é muito magra.
- Era. Agora engordou um pouco.
Para ser fiel ao papel de
cínico, o amigo novamente admitiu:
- Bem, se está no ponto, por
que não?
- Você gosta de mulher gorda?
- Nada disso. Mas mulher magra
foi uma impostura dos costureiros, dos modistas. São, em geral, pederastas.
Odeiam a mulher. Querem os homens todos para eles e o melhor modo de eliminar a
concorrência é obrigar a mulher a ficar ossuda, sem carnes. As idiotas fazem
regime, ficam com as pernas que parecem palitos, a bunda vira uma tábua. Não é
à toa que os homossexuais terminam levando vantagens. Agora, veja, as fêmeas
bíblicas, a mulher das Escrituras, as mulheres de Renoir, de Rubens, as
madonas, a "Fornarina" de Rafael...
- Bem, eu não entendo muito
disso, mas acho que você tem razão.
- Uma porrada de razão! Os
homens gostam e se casam com mulheres magras para a exibição, o jogo social. Na
hora de rebolar na cama, preferem as gordinhas, as falsas magras...Todas as
amantes dos meus amigos são assim...
- Eu não tenho amantes, Otávia
me basta.
O amigo ia dizer qualquer
coisa, freou-se a tempo.
- Você acha que sua mulher
seria capaz de um adultério?
- Sei lá.
- Bom, em princípio todas as mulheres são capazes disso. Elas têm a matéria-prima do adultério: o sexo e o marido. Falta apenas o beneficiamento, que é o terceiro elemento, o amante, que não é difícil de encontrar. Mas fique sabendo, nenhuma mulher nasce adúltera, como os poetas que nascem poetas. Ela se faz, como os oradores. Ou melhor, o marido é que a faz adúltera.
- Bom, em princípio todas as mulheres são capazes disso. Elas têm a matéria-prima do adultério: o sexo e o marido. Falta apenas o beneficiamento, que é o terceiro elemento, o amante, que não é difícil de encontrar. Mas fique sabendo, nenhuma mulher nasce adúltera, como os poetas que nascem poetas. Ela se faz, como os oradores. Ou melhor, o marido é que a faz adúltera.
- Você já cometeu adultério?
O amigo fingiu que não ouvira
bem, mesmo assim tirou o corpo fora:
- Eu sou solteiro!
- Não é isso que quero dizer.
Pergunto se você já cometeu adultério com alguma mulher casada?
- Que eu saiba, não. Não gosto
de adultérios. Eles precisam de hotéis sórdidos, exigem códigos ridículos,
praticam ritos abomináveis, dificilmente se comete adultério em paz de
espírito.
- Isso é necessário? Essa paz
de espírito?
- Tanta mulher no mundo, porque
escolher uma que pode dar problema?
- O problema pode compensar.
Calaram-se por um tempo. O
escritor ofereceu um uísque.
- Bem, por hoje chega. Aprendi
bastante. Outro dia apareço.
- Você tem lido meus livros? -a
pergunta foi também à queima-roupa.
- Não. Otávia acha-os
indecentes e eu termino escondendo-os. Na última mudança, sumiram.
- Ainda bem. Qualquer que seja a solução do seu caso, mantenha-me informado. Você pode me dar bom assunto.
- Ainda bem. Qualquer que seja a solução do seu caso, mantenha-me informado. Você pode me dar bom assunto.
CARLOS HEITOR CONY
RIO DE JANEIRO-RJ, 1926
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