Carlos Drummond De Andrade
3/7/1963
Eu nunca
tinha visto Carlos Drummond de Andrade. Eu o amava, mas nunca o tinha visto.
Meus migos, todos eles já o tinham visto e alguns eram seus amigos. Uma vez lhe
telefonei pedindo licença para musicar uns versos seus; licença que ele me deu
correndo, encurtando a conversa. Depois, quando estive mais doente, lendo seu
livro de crônicas A bolsa ou a vida, porque suas crônicas me fizeram
prazer ou, simplesmente, porque eu estava doente, mandei-lhe um bilhete
contendo meu carinho, onde, é bem possível, havia, houvesse - discretamente,
disfarçadamente – as minhas despedidas. Sei lá, tudo o que eu dizia naqueles
tempos era adeus.
Mas domingo, de tarde, eu passava por Ipanema, quando vi
Carlos Drummond de Andrade! Ia pela calçada da praia, andava, parava, andava de
novo, com uma pressa enorme de não sair do lugar. Parei meu carro, apeei-me e
caminhei até ele, estendendo-lhe a mão.
- Eu sou Antonio Maria e tinha uma vontade enorme de
conhecê-lo... (fui por aí, feliz e humildemente).
O poeta, como todos os homens decentes, ficou muito
encabulado. Mas eu entendo como é aflitivo conhecer mais uma pessoa. Ser
conhecido por mais uma pessoa. A vida tem um dia em que a gente diz: “Chega,
vou parar aqui. Mesmo que seja no prejuízo”. E não compra o segundo “cacife”.
Ademais, a minha humildade era ameaçadora. Drummond tinha todo o direito de
imaginar: Ihhh!... esse homem é capaz de se meter em minha casa. Quem sabe, um
dia irá me telefonar, ihhh!...
A minha presença é, em si, desagradável. Eu seria, pela
aparência, o homem que se meteria em casa de Drummond e lhe perguntaria com a
mais ingênua agressividade:
-
Drummond, entre Verlaine e Rimbaud?
Ou então:
- Drummond, você acha que o Vinícius de Moraes já foi mais
Vinícius de Moraes?
E, quem sabe, eu perguntasse:
- E se você fosse à Lua e pudesse levar três pessoas, que
pessoas você escolheria? Olha, a família não vale, Drummond!
O poeta Drummond é o homem que se porta com perfeição no
primeiro encontro. Timidamente, com aquela cara de quem deseja, com toda razão,
que seja o primeiro e o último. Drummond, como toda pessoa psicologicamente
equilibrada, acha que todo primeiro encontro deveria ser o último.
Que maravilha haver ainda gente que se dê ao respeito! Não
sei de ninguém que se dê tanto ao respeito quanto Carlos Drummond de andrade!
Com a mulher, os filhos, os netos pode (e deve) ser um tarado. Mas as outras
pessoas, os intrusos, os aparteadores de suas caminhadas pela praia, com esses,
todo retraimento é pouco.
Quanto a mim, ganhei meu dia. A frase tem que ser esta,
desculpe. Ganhei meu dia!. Tome um abraço.
ANTÔNIO MARIA
RECIFE-PE = 1921-1964
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