Um Bilhete
(In “A
Estação”, 28 de fevereiro de 1885)
Antes mesmo que acabasse o baile, Maria Adelaide dizia à
mãe que não queria ficar um minuto mais que fosse.
– Que é isso? disse-lhe a mãe. Deu uma hora agora
mesmo.
– Não quero saber. Vamo-nos embora.
– Ora, meu Deus!
– Vamos, vamos.
Não havia que dizer; a mãe era governada pela filha, e
perderia o lugar no céu, se tanto fosse preciso, para não desgostá-la. Note-se
que não cedia pouco desta vez; cedia e cedia, que era excelente, e a boa viúva
professava esta filosofia: - que as ceias excelentes são preferíveis às boas,
as boas às más e as más às que não tem existência. Sacrificava a melhor parte
do baile; mas, enfim, com tanto que a filha não padecesse.
Padecer, padecia. No carro, logo que as duas entraram,
Maria Adelaide começou a ralhar com tudo, com o carro, com a capa, com o calor,
com pó, com a mãe e consigo mesma. A mãe entendeu logo: era algum desgosto que
o Chico Alves lhe dera. Realmente, lembrou-se que o Chico Alves, indo
despedir-se delas, nem alcançou que Maria Adelaide olhasse para ele. A moça
deu-lhe os dedos, a pontinha apenas, e falou-lhe de costas; naturalmente
estavam brigados.
A viagem foi atribulada. Nunca o mau humor da moça foi
tamanho nem tão explosivo. A mãe pagou pelo namorado, mas como era prudente e
estava com fome, preferiu não dizer nada.
Em casa, continuou o mau humor. A pobre criada da moça
padeceu como nunca. Maria Adelaide entrou para os seus aposentos, furiosa,
despiu-se às tontas, dizendo coisas duras, rasgando uma das mangas do vestido,
atirando as flores ao chão, raivosa e indignada sem causa aparente. No fim,
disse à criada que se fosse embora, e ficando só rebentaram-lhe as lágrimas.
Assim mesmo sozinha, ia falando, mordendo os lábios, dando punhadas no joelho.
Depois arrancou da cadeira, foi à secretaria e escreveu este bilhete:
“Nunca pensei que o senhor fosse tão pérfido. Nunca
imaginei que pudesse proceder como fez no baile; creia que não manifestei o meu
desgosto, por dois motivos: - o primeiro, porque ainda tive força de me
dominar; segundo, porque depois do que o senhor me fez, nada pode haver mais
entre nós. Case-se com a viúva, se quer. Mande as minhas cartas e adeus. Esta
determinação é irrevogável. Qualquer tentativa de reconciliação obrigar-me-á ao
que não quero”.
Tinha dado expansão à cólera, deitou-se para dormir. O sono
não veio logo; a raiva agitou a pobre moça, e só quando começou a madrugada foi
que ela pode dormir um pouco. No dia seguinte, o Chico Alves recebia este
bilhete:
“Desculpa algumas palavras que te disse ontem no baile. Vem
hoje tomar chá, e eu te explico tudo”.
Z. Z. Z.
MACHADO DE ASSIS
RIO DE JANEIRO-RJ = 1839-1908
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