O Mato
(Novembro,
1952)
Veio o vento frio, e depois o temporal noturno, e
depois da lenta chuva que passou toda a manhã caindo e ainda voltou algumas
vezes durante o dia, a cidade entardeceu em brumas. Então o homem esqueceu o
trabalho e as promissórias, esqueceu a condução e o telefone e o asfalto, e
saiu andando lentamente por aquele morro coberto de um mato viçoso, perto de
sua casa. O capim cheio de água molhava seu sapato e as pernas da calça; o mato
escurecia sem vagalumes nem grilos. Pôs a mão no tronco de uma
árvore pequena, sacudiu um pouco, e recebeu nos cabelos e na cara as gotas de
água como se fosse uma bênção. Ali perto mesmo a cidade murmurava, estalava com
seus ruídos vespertinos, ranger de bondes, buzinar impaciente de carros, vozes
indistintas; mas ele via apenas algumas árvores, um canto de mato, uma pedra
escura. Ali perto, dentro de uma casa fechada, um telefone batia, silenciava,
batia outra vez, interminável, paciente, melancólico. Alguém com certeza já sem
esperança, insistia em querer falar com alguém.
Por um instante, o homem voltou seu pensamento para
a cidade e sua vida. Aquele telefone tocando em vão era um dos milhões de atos
falhados da vida urbana. Pensou no desgaste nervoso dessa vida, nos
desencontros, nas incertezas, no jogo de ambições e vaidades, na procura de
amor e de importância, na caça ao dinheiro e aos prazeres. Ainda bem que de
todas as grandes cidades do mundo o Rio é a única a permitir a evasão fácil
para o mar e a floresta. Ele estava ali num desses limites entre a cidade dos
homens e a natureza pura; ainda pensava em seus problemas urbanos — mas um
camaleão correu de súbito, um passarinho piou triste em algum ramo, e o homem
ficou atento àquela humilde vida animal e também à vida silenciosa e úmida das
árvores, e à pedra escura, com sua pele de musgo e seu misterioso coração
mineral.
E pouco a pouco ele foi sentindo uma paz naquele
começo de escuridão, sentiu vontade de deitar e dormir entre a erva úmida, de
se tornar um confuso ser vegetal, num grande sossego, farto de terra e de água;
ficaria verde, emitiria raízes e folhas, seu tronco seria um tronco escuro,
grosso, seus ramos formariam copa densa, e ele seria, sem angústia nem amor,
sem desejo nem tristeza, forte, quieto, imóvel, feliz.
CACHOEIRO DE
ITAPEMIRIM-ES,1913-1990
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