domingo, 2 de outubro de 2016

CONTO = Humberto de Campos



A Cavalo
(George Auriol)


No tempo em que era apenas noivo da sua esposa de hoje, o capitão Lundstrteon residia na cidade de Kungsback (onde, diz ele, há uma velha fortaleza magnífica) e costumava ir visitar a sua futura, que morava três ou quatro milhas mais longe, em uma povoação denominada Jonsered. Quando fazia bom tempo, o velho pai de Elsa, a moça, lhe dizia:
— Lundstreon, meu amigo, o dia está convidando a gente a dar um passeio ao lado de quem se quer bem; não é
verdade? Beba comigo um copo de vinho...
Sko!... Sko!... (à nossa saúde!) e vá! Você é um excelente rapaz!
Lundstreon alugava então uma pequena carriola, e saía a passeio com a rapariga, contente um, e contente outro, porque, assim, se podiam beijar à vontade.
Certo dia, tomou ele a carruagem, mas o dono dos cavalos explicou-lhe:
— Eu não posso dar hoje o pônei de costume. Está doente. Vou atrelar, porém, meu cavalo castanho. É um animal roceiro mas, no resto, um bom animal.
— Não há dúvida, — concordou Lundstreon; — desde que ele ande, vai tudo bem.
E partiu, imediatamente, com a sua Elsa, pelas campinas floridas.
A certa altura, porém, o maldito cavalo castanho começou a fazer barulho por trás. Os senhores compreendem o que quero dizer; não? É um vocábulo difícil de proferir; uma expressão vil; um termo de se lhe torcer o nariz. Primeiro... segundo... terceiro... décimo... E Lundstreon cada vez mais aborrecido com esse inconveniente, que, com franqueza, tirava
toda a poesia do ­­passeio.
A princípio, pensou que fosse apenas por um momento; mas, quanto mais o cavalo corria, mais estalava. Parecia ter na barriga uma metralhadora.
Lundestreon não sabia o que dissesse, não ousando, mesmo, olhar a noiva, até que teve uma idéia: parar num albergue. Desceu, apeou também a moça e, tomando-lhe do braço, começou, visivelmente confuso:
— Minha querida, eu estou envergonhadíssimo... Perdoa-me todo esse inconveniente... esses rumores que tu vinhas escutando...
Elsa tornou-se vermelha como um galo.
— Ora, para que você me disse isso?!... — gemeu, irritada.
E como quem sente uma desilusão:
— Eu pensei que era o cavalo...

­­HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA  =  1886-1934

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