Farmácias De
Antigamente
[1972]
Houve tempo
no velho Recife em que a medicina homeopática teve muito prestígio. Tinturas,
glóbulos, águas chegaram a inspirar enorme confiança às pessoas doentes e
seus familiares.
Conforme a moléstia
empregava-se o acônito, a beladona, a ipecaconha, a noz-vômica, o eucalipto,
as águas especiais de fórmulas indianas ou indígenas, etc. Um tal doutor
Casanova, por exemplo, anunciava em 1860 que em sua farmácia, na rua das
Cruzes (hoje Diário de Pernambuco), número 30, encontrava-se "um
sortimento volumoso de medicamentos em tinturas e glóbulos e os mais novos e
bem preparados elementos homeopáticos".
Ficou
célebre em todo o Nordeste, e ainda hoje existe, embora modestamente, uma
farmácia com o seu nome, o homeopata recifense Olegário Ludgero Sabino Pinho,
que freqüentava constantemente os grandes centros europeus, de lá trazendo
para sua procurada botica, na antiga Camboa do Carmo, os mais novos elementos
da homeopatia. Enquanto nos princípios do nosso século ganhou muita fama o
homeopata Militão Bivar, vendendo ervas e águas numa farmácia localizada em
um primeiro andar na rua da Aurora.
No tempo em
que iam aparecendo as primeiras farmácias da cidade, até os fins do século
XIX, e simplesmente chamadas de boticas, foi seu pioneiro um francês chamado
Pierre Rouquyarol, que fundou na antiga rua dos Judeus (depois, com reformas,
transformada na rua do Bom Jesus) a muito conhecida Botica Francesa, que
resistiu até cerca uns dez anos passados, quando foi destruída por um
incêndio.
Velhas
farmácias onde predominava a manipulação do remédio em fórmulas feitas pelos
médicos. O tempo das injeções, dos comprimidos, dos analgésicos, dos remédios
fabricados em série nas fábricas, ainda não havia chegado. E o usual era a
manipulação do medicamento no fundo das farmácias, de acordo com a fórmula
médica dos canhés, das poções, dos purgantes de maná-e-sena, das jalapas para
as congestões (hoje se chama derrame cerebral) e assim por diante.
Uma presença
inconfundível na velha cidade. Nos balcões largos se viam invariavelmente
duas ou três grandes ânforas de vidro claro, cheias de álcool colorido de
verde, amarelo, encarnado ou azul. Era a marca inalterada das velhas
farmácias. Nenhuma, nenhuma mesmo, até as mais modestas, que só podiam
oferecer um vidro colorido, deixava de se apresentar assim, com as grandes
ânforas no seu balcão de frente.
E por trás
delas o farmacêutico-prático, um médico em miniatura, conhecedor a fundo das
dosagens certas postas nas receitas, dos quininos, do agrião, do bicarbonato,
do sulfato de sódio e outros alcalóides e produtos químicos-farmacêuticos do
tempo. Atendia com muito carinho a quem o procurasse:
- Seu
Benevides, mamãe mandou pedir um remédio para o Juquinha, que amanheceu
vomitando muito...
E logo ia o
caché indicado ou a poção aplicável, com a clássica recomendação:
- Diga a
Dona Nanu que se ela não melhorar mande chamar o doutor Bandeira.
Mas na mor
das vezes o remédio dava certo.
Contudo, até
isso foi desaparecendo da poesia recifense. Hoje não há mais botica. O
farmacêutico sumiu. Só aparecem as drogarias ou as grandes farmácias. Não
mais se vêem os grandes vidros coloridos nos balcões, e seus caixeiros são
iguais aos das lojas de bijuterias, tecidos, etc. Vendem uma caixa de injeção,
um envelope de comprimido, um vidro de remédio importado com a mesma
disposição e serenidade com que venderia um corte de tecido, um carretel de
linha, meio metro de elástico. São mecânicos. Desconhecem a importância e a
utilização terapêutica do que vendem. São bem diferentes dos antigos
farmacêuticos, aqueles que Mário Sette tão bem analisou na figura humana de
Seu Candinho da Farmácia.
|
FLÁVIO GUERRA
RECIFE-PE, 1910-1989
Nenhum comentário:
Postar um comentário