Um Don Juan de Província
Quando fui pela primeira vez
àquela patriarcal cidade de província, o Linhares, que eu chamava primo, por
ser filho da primeira mulher de meu pai, não quis que eu ficasse no hotel, e levou-me
para sua casa, onde havia um quarto de hóspedes.
Durante os dias que ali me
demorei fui carinhosamente tratado, e ainda hoje sou reconhecido aos favores do
primo Linhares e de sua família, senhora e cinco senhoritas casadeiras.
Eu não fazia outra coisa todos os
dias senão passear pela cidade, e à tarde, depois de jantar, o primo Linhares
mandava colocar sete cadeiras no passeio, à porta da rua, e ele, a senhora, as
senhoritas e eu sentavam-nos ao ar livre, e conversávamos até ao escurecer. Era
muito divertido.
Numa das tardes em que estávamos
assim, perambulando sobre os mais variados assuntos, surgiu de uma esquina, a
cem passos do lugar em que nos achávamos, o vulto esguio de um rapaz moreno, de
grandes bigodes, envolto numa capa espanhola e com a cabeça coberta por um
grande chapéu desabado.
O primo Linhares, mal que o viu,
ergueu-se e disse imperiosamente às senhoritas:
- Meninas, vão para dentro: vem
ali o Flávio Antunes!...
As cinco senhoritas levantaram-se
e desapareceram, correndo no interior da casa.
E o primo Linhares explicou-me:
- Aquele Flávio Antunes é um
patife, um sedutor de senhoras casadas, um Don Juan!... Não consinto que as
pequenas olhem para ele!... Não há nesta cidade sujeito mais desmoralizado!
Nenhum pai de família honrado o recebe em casa!
E como o tal Flávio Antunes se
aproximasse:
- Olhe para aquele todo! Veja! -
o tipo completo do conquistador!...
E o transeunte, que era,
efetivamente, um rapagão, passou fazendo ao primo Linhares um cumprimento, que
não foi correspondido.
* * *
Um ano depois, o primo veio ao
Rio de Janeiro. Fui recebê-lo na estação da Estrada de Ferro, e tratei logo de
perguntar pela família.
- Estão todos bons. A minha
pequena mais velha foi pedida à semana passada.
- Por quem?
- Por um excelente rapaz - o
Flávio Antunes.
- Perdão... mas o Flávio Antunes
não era...
- Era sim! mas que quer você? Com
aquela coisa de mandar as meninas para dentro todas as vezes que ele passava lá
por casa, fiz-lhe um extraordinário reclame! Todas elas gostavam dele, e ele
gostou da mais velha!
- Ora! Hão de ser muito felizes.
- Sim, mesmo porque, melhor
informado, me convenci de que a má reputação do pobre rapaz era unicamente
devida àquela capa espanhola e aquele chapéu desabado!
- Deveras?
- Eram mais as nozes que as
vozes, e se algumas falcatruas fez ele, coitado, foi em conseqüência do reclame
que lhe fazíamos, eu e outros pais de família.
ARTHUR
AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA = 1855-1908
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