A
Promessa De Manuel
A
notícia chegou cedo. Era um domingo. O menino passara no vestibular. Acabava de
ler no “Diário de Pernambuco”.
Por pouco não caiu de alegria.
Lembrou-se, então da promessa, feita em segredo. Urgia cumprí-la. Ia
fazê-lo naquele instante mesmo. E não era sem uma imensa satisfação.
Realizado, enfim, o seu mais ardente desejo. Tão ardente e tão dominador que, a despeito de protestante,
prometeu à Senhora do Rosário, a padroeira, prometeu... Não o impossível, que o
impossível não se promete a santa daquela alta hierarquia celeste. Não o
impossível, mas o burlesco a que vamos assistir.
Despiu o paletó, descalçou os sapatos
e as meias e, pés no chão, sem gravata, saiu rua fora, com grande espanto de
Lúcia, a esposa, a qual, se não fosse o temperamento fleugmático com que
nascera, teria corrido atrás dele, e apenas lhe perguntou:
- Para onde vai você, Manuel?
Pergunta essa que não mereceu resposta
de quem ia como um sonâmbulo, levado do afã de – homem de palavra, que sempre
fora – ainda uma vez zelá-la...
Dessarte, transpôs a Rua do Amparo, onde morava perto da velha e
inestética igreja; saiu na Praça João Pessoa ao pé do obelisco; enfiou pela
Travessa do Fonseca; varou transversalmente a Rua Direita; avançou pelo Beco
das Pedras; dobrou na Rua do Meio à esquerda, e foi parar na Rua da Ponte, onde
outrora tivera armazém de côcos, sal e albardas.
Aí penetrou na bodega de Valdomiro, pediu aguardente e tomou um gole,
dispensando o tira-gosto. Como dos
estilos, deitou fora o resto da cachaça; pagou, e ia a sair, quando foi visto
por velho e bisbilhoteiro conhecido seu, que entrava na tasca.
- Oxente, sô Manel, que é isso! Tava bebendo?
Manuel não deu trela. Descalço, em mangas de camisa, o peito desabotoado
pondo-lhe à mostra o tórax cabeludo, fez-se de volta à casa, duplamente
satisfeito: por te o filho vencido a maratona que já era o vestibular de todo e
qualquer curso universitário, e por haver cumprido a promessa feita para que
fosse o descendente bem sucedido. Promessa, como se vê, das mais duras de
cumprir, em se tratando de um sujeito de compostura e nisso de posto abstêmio.
No trajeto ia suscitando a curiosidade de quantos com ele cruzavam. De
notar que era a hora em que nas ruas se apinhavam os fiéis saídos do santo
sacrifício da missa.
Ensandeceu, pensavam talvez. E era nada mais que a promessa votiva de um
dissidente do credo católico, o qual obtivera a graça almejada. Um missa-seca, segundo a gíria da terra.
De que não é capaz o amor paterno, o amor de um pai pelo filho, ou
simplesmente o amor, que assim como no aspecto carnal pode arrancar-nos a
vergonha, nesse outro aspecto espiritual conduz-nos à prática de atos como
esse, em cujo burlesco irresistível descobre-se de mistura o patético!
GOUVEIA MARINHO
LUÍS TAVARES DE GOUVEIA MARINHO
GOIANA-PE = 1901-1983
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