Colaboração
Rio, 24 de dezembro
de 1883
Há uma cousa verdadeiramente horrorosa para
todo o desgraçado em cujos dedos a triste sorte enfiou uma pena, ainda mesmo
quando essa pena seja tão desatilada e tão romba como a minha - é a obrigação
de concorrer com algum produto de sua lavra sempre que os amigos se lembram de
realizar qualquer empresa ou empreender qualquer negócio.
Essa pequenina obrigação, que vista
isoladamente não tem o mínimo valor, transforma-se todavia em um compromisso
grave, em um martírio implacável, desde que ela representa a promessa de vinte,
trinta, cem, mil artigos, destinados aos fins mais diversos e mais
desencontrados.
E a graça é que não se pode a gente recusar
a nenhum dos amigos, porque todos eles querem muito pouco: "Duas palavrinhas!
Apenas duas palavrinhas, com o nosso nome por baixo!..." Ou então querem
uma simples carta, uma simples notícia, um ligeiro pensamento, uma frase, um
verso, uma palavra.
Este deseja que lhe escrevamos um anúncio
de gosto, com que ele possa chamar a atenção do público sobre os seus queijos
ou sobre os seus chapéus de pêlo: aquele quer apenas que lhe façamos uma boa
resposta a uma certa carta que lhe enviou certa e determinada pessoa; estoutro
não exige de nós senão uma página no seu álbum; aqueloutro contenta-se com um
discurso que ele tem de pronunciar por ocasião do aniversário natalício de seu
sócio; aqui é uma reclamaçãozinha pela imprensa a respeito dos escândalos que
se dão em tal rua; ali uma introdução para o livro de um amigo e colega que vai
estrear; mais adiante um artiguinho para encher o número do jornal, que nesse
dia está fraco. Hoje - a poliantéia do senhor fulano; amanhã - o número
especial da folha do Dr. Beltrano; depois - folhetim sobre os trabalhos de
cicrano, rodapé pr'a cá, artigo de fundo p'ra lá, crônica para acolá.
Uf! É um nunca terminar de pequeninas
maçadas que, reunidas são o bastante para nos amargurar a existência.
Chega-se a perder o gosto de sair de casa,
de procurar os amigos de fazer a sua palestra; porque a cada passo surge-nos um
dos tais credores de artiguinhos e pensamentos filosóficos.
"Então, fulano, aquilo!..."
"Aposto que ainda não fizeste o que te
pedi!..."
"Trouxeste o artigo que prometeste?...
"
"Quando estarás disposto a dar um
passeio pelas nossas colunas?..."
"Queres ou não queres aprontar a
correspondência?..."
E cada um, por que pede muito pouco,
entende que não merecemos ser desculpados pela demora.
- Oh! Duas linhas! Duas linhas escrevem-se
em três minutos!
- Mas filho! é que me falta a idéia! Estou
seco, não sei o que te escreva!
- Qualquer cousa, homem!
- Enche aí duas tiras. Seja o que for.
- Seja o que for?... Pois bem, ora espera!
Vais ver como te ensino!
ALUÍSIO AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA =
1857-1913
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