Gosto Se Discute
23.01.2007
23.01.2007
Vivemos apregoando como se fosse um
axioma que “gosto não se discute”, e nada mais discutíveis do que nossas
preferências políticas, culturais,
sexuais, amorosas. A gente passa grande parte da vida batendo boca por causa de
divergências de opinião, que cada um tem a sua e não abre mão dela. Há, como se
sabe, dois gostos: um bom, que é o nosso, e um mau, que é o dos outros. Até
parece que tudo isso é para introduzir um grande debate filosófico, quando é
apenas para tratar de um assunto tido como fútil e trivial: a moda, ou o que a
moda está fazendo com as mulheres. Pessoalmente, não gosto delas muito magras,
mas pelo que se vê na mídia eu é que estou fora de moda.
Disse que o assunto é tido como
fútil porque desde os anos 60, quando tomei conhecimento dos estudos de Roland
Barthes, um dos pais da semiologia (“O sistema da moda”), aprendi que o tema é
sério, já que as roupas, além de objetos de uso, são signos, ou seja,
significam e revelam muito mais do que a simples função. Em outras palavras,
por trás das roupas (sem duplo sentido, por favor) há estruturas simbólicas
inesgotáveis. Mas não é sobre isso que quero falar, e sim sobre uma doença que
deveria preocupar os pais das meninas que estão escolhendo a carreira de
modelo: a anorexia.
Outro dia falei mal das formas
esqueléticas que são hoje o padrão estético das “manequins”, como se dizia no
meu tempo, e fui alvo de irados protestos. É bem verdade que peguei pesado. Ao
descrever uma foto do Fashion Rio publicada no Globo, eu disse: “ela exibe
quatro pares de pernas tão finas e assimétricas que devem correr o risco de se
partirem ao desfilar, sem falar nos joelhos, frágeis articulações de ossos
cobertas apenas por uma tênue pele. E as coxas? Ah, as coxas! Em alguns casos,
não se sabe onde elas começam, se é que começam”. E mais adiante: “O mesmo
gosto que prefere formas descarnadas da cintura para baixo infla os seios de
tal maneira que, se caírem no chão, são capazes de quicar feito bola de vôlei”.
Além da grosseria, meu erro foi me
meter a falar de gosto estético da moda, quando meu objetivo era chamar a
atenção para um problema de saúde pública. O que eu queria era perguntar
quantas dessas garotas precisam morrer para que seja feita alguma coisa? Não há
mais dúvida de que a anorexia é uma doença, e que a sociedade e o mercado a
estimulam. Li alguns depoimentos, e em um deles a top Letícia Birkheuer
denunciava as agências de modelos. “Não conheço uma que tome cuidado”. Segundo
ela, as meninas são tiradas das casas dos pais aos 13 anos e jogadas num
apartamento. “Ninguém vê se estão fazendo regimes loucos, usando drogas,
chegando às 5hs”.
A ex-modelo Luisa Pontes
acrescentava: “A moda quer aquele tipo andrógino, da menina que mal começou a
menstruar”. Ela própria tinha 15 anos, 1,74m e 54 kg. quando foi contratada
por uma agência. Logo passou a pesar 46kg e ficou anoréxica. Entre os 18 e 19
anos, só menstruava com medicamento. Hoje, aos 21, está curada e usa sua
história como lição para as mais novas. Já Gisele Bündchen, que não tem nada de
anoréxica, acha que são outros os culpados. “Os responsáveis são os pais e não
a moda”, declarou, se dando como exemplo: “nunca enfrentei esse problema porque
tive uma base familiar muito forte”.
Seja de quem fora a responsabilidade
pelo excesso de magreza vigente, deve haver algo de errado com um mundo que
confunde doença com padrão de beleza.
Tolerância não é silenciar diante da
divergência, mas respeitá-las. Eu era ainda adolescente quando li essa afirmação
de Voltaire: “Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até
a morte o vosso direito de dizê-lo”. Portador de amnésia crônica, incapaz de
decorar um poema inteiro de meus poetas preferidos (Bandeira, Pessoa, Drummond,
Lorca, Camões, Cabral), guardei essas quase 20 palavras como se as tivesse
acabado. E olha que a construção é com o pernóstico pronome “vós”.
ZUENIR VENTURA
ALÉM PARAÍBA-MG,
1931
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