domingo, 20 de março de 2016
POESIA = João Cabral de Melo Neto
Pregão Turístico Do
Recife
Aqui o mar é uma montanha
regular, redonda e azul,
mais alta que os arrecifes
e os mangues rasos ao sul.
Do mar extrair podeis,
do mar deste litoral,
um fio de luz precisa,
matemática ou metal.
Na cidade propriamente
velhos sobrados esguios
apertam ombros calcários
de cada lado de um rio.
Com os sobrados podeis
aprender lição madura:
um certo equilíbrio leve,
na escrita, da arquitetura.
E neste rio indigente,
sangue-lama que circula
entre cimento e esclerose
com sua marcha quase nula,
e na gente que se estagna
nas mucosas deste rio,
morrendo de apodrecer
vidas inteiras a fio,
podeis aprender que o homem
é sempre a melhor medida.
Mais: que a medida do homem
não é a morte mas a vida.
regular, redonda e azul,
mais alta que os arrecifes
e os mangues rasos ao sul.
Do mar extrair podeis,
do mar deste litoral,
um fio de luz precisa,
matemática ou metal.
Na cidade propriamente
velhos sobrados esguios
apertam ombros calcários
de cada lado de um rio.
Com os sobrados podeis
aprender lição madura:
um certo equilíbrio leve,
na escrita, da arquitetura.
E neste rio indigente,
sangue-lama que circula
entre cimento e esclerose
com sua marcha quase nula,
e na gente que se estagna
nas mucosas deste rio,
morrendo de apodrecer
vidas inteiras a fio,
podeis aprender que o homem
é sempre a melhor medida.
Mais: que a medida do homem
não é a morte mas a vida.
JOÃO CABRAL DE MELO
NETO
RECIFE-PE =
1920-1999
POESIA = Olegário Mariano
A Mania Do
Antiquário
Gosta de
trastes velhos o antiquário.
Tem um
museu em casa. A vida toda
Ficou
sendo o feliz depositário
De tudo
aquilo que passou de moda.
Enquanto
gira o tempo e a vida roda,
Ele, a quem
chamam de retardatário,
Vê na
mania que a outros incomoda
A alegria
de um gozo extraordinário.
Casou-se.
Foi seu ultimo castigo.
Apesar da
mulher ser bem bonita,
Ele contou
sorrindo a certo amigo
O fim da
derradeira transação:
—Procurei
uma viúva... Era da escrita:
Gosto dos
moveis de segunda mão...
OLEGÁRIO
MARIANO
RECIFE-PE
= 1889-1958
CONTO = Fernando sabino
O Homem Nu
Ao acordar, disse para a mulher:
-- Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar
a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas
acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
-- Explique isso ao homem -- ponderou a
mulher.
-- Não gosto dessas coisas. Dá
um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações.
Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para
ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar -- amanhã eu
pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama,
dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá
dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a
ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse
completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de
arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o
mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém.
Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com
estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a campainha
e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor.
Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas
ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da
televisão. Bateu com o nó dos dedos:
-- Maria! Abre aí,
Maria. Sou eu -- chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá
dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do
elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares... Desta
vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no
lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou
para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho
de pão:
-- Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu
passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de
pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão,
parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada
se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador,
apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada
passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele
respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se
fecha e ele começa a descer.
-- Ah, isso é que não! -- fez o homem
nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo
abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum
vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez
para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de
Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do
Terror!
-- Isso é que não -- repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com
força entre os andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo,
fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava.
Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam
a chamar o elevador. Antes de mais nada: "Emergência:
parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou
descer? Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta,
enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
-- Maria! Abre esta porta! -- gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si. Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
-- Maria! Abre esta porta! -- gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si. Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
-- Bom dia, minha senhora -- disse ele, confuso.
-- Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para
cima, soltou um grito:
-- Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a
radiopatrulha:
-- Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram
ver o que se passava:
-- É um tarado!
-- Olha, que horror!
-- Não olha não! Já pra dentro, minha
filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente
a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se
precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois,
restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
-- Deve ser a polícia -- disse ele, ainda
ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.
FERNANDO SABINO
BELO
HORIZONTE-MG = 1923-2004
PIADA
O Papa E O Motorista
Depois de arrumar
toda a bagagem do Papa, o motorista reparou que este ainda se encontrava no
exterior da limusine.
-
"Desculpe-me Vossa Santidade", disse o motorista, "Não se
importa de ocupar o seu lugar para que possamos seguir?".
-
"Bem, para dizer a verdade", diz o Papa, "no Vaticano nunca me
deixavam dirigir quando era Cardeal, como Papa ainda menos, e eu queria ver
como é dirigir uma limusine!".
-
"Desculpe-me Santidade, mas não posso fazer isso. Perderia o meu emprego!
E se acontecesse alguma coisa?" protestou o motorista, desejando não ter
ido trabalhar naquela manhã.
- "E
quem é que vai contar?, diz o Papa com um sorriso.
Relutantemente, o
motorista senta-se atrás, enquanto o Papa ocupa o lugar ao volante.
O motorista
imediatamente se arrepende pois, mal deixam o aeroporto e o Papa pisa fundo,
acelerando a limusine e alcançando 200km/h.
- "Por
favor, Santidade!", implora o preocupado motorista; mas o Papa continua
empolgado na direção, com o pé no acelerador, até que se ouvem sirenes.
- "Oh,
meu Deus, vou perder a minha habilitação e o emprego!", soluçava o
motorista.
O Papa
encosta a limusine e abaixa o vidro quando o polícia se aproxima;
Quando este
olha para ele, regressa à moto e faz contato pelo rádio com a Central.
- "Preciso
de falar com o Chefe", informa ao operador.
O Chefe responde
e o guarda diz-lhe que mandou parar uma limusine que seguia a 200km/h.
-"Então
aplique-lhe a multa", diz o Chefe.
-"Acho que
não vai dar pra fazer isso, o cara é muito importante", diz o polícia.
O Chefe exclama,
"Por isso mesmo, multa o sacana!"
- "Não, é
que é MESMO importante", insiste o guarda.
Então o Chefe
pergunta, "Quem você tem aí, o Presidente da Câmara?"
E o polícia:
"Mais importante".
O Chefe: "Um
deputado?"
Polícia:
"Mais importante".
Chefe: "Um
senador?".
Polícia:
"Muito mais!".
Chefe: "Mas
então quem é?!".
O polícia:
"Acho que é Deus!".
O Chefe fica
atrapalhado, "E o que te leva a pensar que seja Deus?".
Polícia: "É que o
motorista dele ... é o Papa!".
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