domingo, 8 de novembro de 2015

CARLOS EDUARDO NOVAES





   Sem dinheiro, trabalhei como um pé-de-boi, fiz meu pé de meia, tirei o pé da lama e botei o pé na estrada. Voltei com a certeza que, no extremo Sul do corpo feminino, nenhuma mulher chega aos pés das brasileiras, é fato não raro tal fixação, que me faz sofrer mais do que pé de cego.
   Recordo de uma festa em Petrópolis, era verão, caía um daqueles pé-d’água que quase nos obriga a usar pé de pato. Percebi um par de pés esculturais evoluindo no salão, eles sofriam atropelados por um pé de cana, que mal se aguentava em pé. Aguardei o intervalo e, rápido como um busca-pé, tirei-a para dançar, mesmo não sendo um pé de valsa. De cara, tive ímpeto de implorar dá o pé, loura, mas preferi perguntar se era casada ao pé do ouvido, tinha que tomar pé da situação. Ela respondeu que era solteira, e isso nos deixava em pé de igualdade. Emocionado, passei a dizer coisas sem pé nem cabeça e creio que meti os pés pelas mãos, porque ela disse que minha conversa estava um pé no saco. Por um momento perdi o pé, quando ela se afastou. Súbito, mas recomposto, fui atrás, decidido a ficar no pé dela, que me disse que precisava ir para casa, seu pai estava mal, com o pé na cova. Não acreditei, ela jurou de pé junto, não resisti e declarei o meu amor aos seus pés. Ela me olhou com o pé atrás, então disfarcei disse que ela não precisa levar a declaração ao pé da letra, disse que não era louco, que tinha os pés na terra e sugeri levá-la em casa, iríamos num pé e voltaríamos no outro. Ela, delicada, pediu para eu largar do seu pé, mas insisti sem arredar o pé, se tivesse que cair cairia de pé. Ela saiu apressada, apertando o pé poderia alcançá-la com o pé nas costas, mas preferi não assustá-la e a segui pé ante pé. Ela morava numa casa antiga dessas de pé-direito alto, depois que entrou, toquei a campainha e, como não apareceu ninguém, pensei em usar um pé-de-cabra. Resolvi enfiar o pé na porta, ela surgiu no alto da escada numa expressão de mulher em pé de guerra, e apontou-me o olho da rua. Bati o pé, disse que não saia, que não era um pé-frio, ela não poderia me tratar como um pé de chinelo e que gostaria de tê-la ao meu lado ao pé do altar. Tomando pé das minhas intenções, ela sorriu e foi descendo, sedutora, degrau por degrau, parou quase ao pé da escada, estendeu-me o pé direito, peguei-o carinhoso com as duas mãos, e quando ia começar a beijá-lo, percebi a presença daquela micose conhecida como pé de atleta. Recuei, olhei nos seus olhos e observei seus pés-de-galinha e, sem saber o que fazer, ofereci-lhe um pé de moleque. Girei meus calcanhares, dei no pé, mas disse antes: seja feliz!

CARLOS EDUARDO NOVAES
RIO DE JANEIRO-RJ, 1940

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