Sem dinheiro, trabalhei como um pé-de-boi,
fiz meu pé de meia, tirei o pé da lama e botei o pé na estrada.
Voltei com a certeza que, no extremo Sul do corpo feminino, nenhuma mulher chega
aos pés das brasileiras, é fato não raro tal fixação, que me faz sofrer
mais do que pé de cego.
Recordo de uma festa em Petrópolis,
era verão, caía um daqueles pé-d’água que quase nos obriga a usar pé
de pato. Percebi um par de pés esculturais evoluindo no salão, eles
sofriam atropelados por um pé de cana, que mal se aguentava em pé.
Aguardei o intervalo e, rápido como um busca-pé, tirei-a para dançar,
mesmo não sendo um pé de valsa. De cara, tive ímpeto de implorar dá o
pé, loura, mas preferi perguntar se era casada ao pé do ouvido,
tinha que tomar pé da situação. Ela respondeu que era solteira, e isso
nos deixava em pé de igualdade. Emocionado, passei a dizer coisas sem
pé nem cabeça e creio que meti os pés pelas mãos, porque ela disse
que minha conversa estava um pé no saco. Por um momento perdi o pé,
quando ela se afastou. Súbito, mas recomposto, fui atrás, decidido a ficar no
pé dela, que me disse que precisava ir para casa, seu pai estava mal, com o
pé na cova. Não acreditei, ela jurou de pé junto, não
resisti e declarei o meu amor aos seus pés. Ela me olhou com o pé
atrás, então disfarcei disse que ela não precisa levar a declaração ao
pé da letra, disse que não era louco, que tinha os pés na terra e
sugeri levá-la em casa, iríamos num pé e voltaríamos no outro. Ela,
delicada, pediu para eu largar do seu pé, mas insisti sem arredar o
pé, se tivesse que cair cairia de pé. Ela saiu apressada, apertando
o pé poderia alcançá-la com o pé nas costas, mas preferi não
assustá-la e a segui pé ante pé. Ela morava numa casa antiga dessas de pé-direito
alto, depois que entrou, toquei a campainha e, como não apareceu
ninguém, pensei em usar um pé-de-cabra. Resolvi enfiar o pé na porta,
ela surgiu no alto da escada numa expressão de mulher em pé de guerra, e
apontou-me o olho da rua. Bati o pé, disse que não saia, que não era um
pé-frio, ela não poderia me tratar como um pé de chinelo e que
gostaria de tê-la ao meu lado ao pé do altar. Tomando pé das
minhas intenções, ela sorriu e foi descendo, sedutora, degrau por degrau, parou
quase ao pé da escada, estendeu-me o pé direito, peguei-o
carinhoso com as duas mãos, e quando ia começar a beijá-lo, percebi a presença
daquela micose conhecida como pé de atleta. Recuei, olhei nos seus olhos
e observei seus pés-de-galinha e, sem saber o que fazer, ofereci-lhe um pé
de moleque. Girei meus calcanhares, dei no pé, mas disse antes: seja
feliz!
CARLOS
EDUARDO NOVAES
RIO DE
JANEIRO-RJ, 1940
Nenhum comentário:
Postar um comentário