domingo, 3 de maio de 2015

CRÔNICA = Mário Prata






Imagem da editoria ou anuncio. Já pensou nisso? Você tem parado para pensar na Vida? Há quanto tempo você não pára e pensa: vou pensar na Vida. Não me interrompam. Não estou para ninguém. Desmarquem tudo. Digam que estou em reunião. Com a Vida.
Há quanto tempo, não é mesmo? Quando a gente era moleque e adolescente a gente não fazia outra coisa na Vida a não ser pensar na Vida. O que é que eu vou ser quando crescer? Deus existe? Meu, como a gente pensava nesse tal de Deus. Caso com ela ou não caso? A gente tinha tempo na Vida para pensar nela, a Vida, minhas queridas Angélica, Carolina e Manuela.
Aí a gente cresce, cai na Vida e nunca mais pensa nela, a Vida. A gente vai tocando a Vida sem pensar. Já pensou nisso? A gente vai, cada vez mais, aceitando a Vida. A Vida toma conta da gente. Domina. Apesar de ser nossa, ela é quem manda. A gente perde o controle. Por quê? Porque a gente não pensa mais nela, vovó Maria.
Não pense que, a esta altura do campeonato, é assim fácil pensar na Vida. Ela, a Vida, faz tudo para que você não pense mais nela. Claro, ela está na dela e não na sua. Ela não quer ser mudada de uma hora para a outra. Não é fácil mudar a Vida da gente assim sem mais nem menos, Selma.
É necessário que se marque hora para isso. E saiba que, para pensar nela, você vai ter de estar sozinho. Não há a menor possibilidade de pensar na Vida em companhia de alguém. É peso pesado. Você e ela. Não tem de ter mulher, filho, terapeuta, melhor amigo do lado. É um duelo de titãs. Em alguns casos, de tantãs.
Antes do embate você tem de fazer umas anotações sobre os itens principais que você quer pensar. Por exemplo: um dia você pensou em Deus. Resolveu acreditar nele ou não. Você tinha 10, 18 anos, sei lá. Depois você nunca mais pensou nisso. Mas hoje você não tem mais 10, 18 anos, Fabiana.
O seu conceito de casamento é de quantos anos atrás? E de fidelidade? Ou você acha, Sol, melhor não pensar nesse aspecto da Vida? Você é quem sabe. E a sua relação com os seus filhos? É aquela mesma que você aprendeu dos seus pais, quando você ainda pensava na Vida? E nunca mais mudou, evoluiu, pensou no caso novamente, Lucila?
Quando você ainda pensava na Vida (quanto tempo tem isso?) você escolheu uma profissão. Já parou para pensar se era isso mesmo? Ou o trabalho continua sendo um sofrimento para você, que fica contando os anos que faltam para se aposentar e virar um vagabundo, Fernandinho?
Essa roupa que você está usando agora. Esse estilo de roupa. Há quanto tempo você não pára para pensar se é isso mesmo que você deve vestir? Dá uma olhadinha no espelho. E o penteado que você faz igual todo dia. Pense nele.
Você tem certeza de que não gosta de jiló? Você não gostava de jiló quando era garotinha. Já pensou em experimentar um jiló amanhã? Já pensou, se gostar?
Esse negócio de você beber todo dia, Ulbaldo, já parou para pensar nisso? Fica sem beber um dia e dedique o dia para pensar nisso. Mas cuidado, João, que a Vida, às vezes, não deixa a gente pensar nela. Já disse isso lá atrás.
É bom pensar na Vida, de vez em quando.
Tem dia de tudo aqui no Brasil. Devia ter o Dia-de-Pensar-na-Vida. Nesse dia ninguém faria nada. Absolutamente nada. Pensaria na Vida. O dia inteiro. Sozinho. Você com ela, a sua Vida.
Enquanto é tempo, porque quando a gente menos espera, começa a pensar na Morte. Aí é um horror você perceber que passou a vida toda sem pensar na Vida.
Viver é bom, alguém me disse, mesmo sabendo que “no caminho da oficina, há um bar em cada esquina”, viu Ubaldo?

MÁRIO PRATA
UBERABA-MG, 1946

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