Imagem da editoria ou anuncio. Já pensou nisso?
Você tem parado para pensar na Vida? Há quanto tempo você não pára e pensa: vou
pensar na Vida. Não me interrompam. Não estou para ninguém. Desmarquem tudo.
Digam que estou em reunião. Com a Vida.
Há quanto tempo, não é mesmo? Quando a gente era
moleque e adolescente a gente não fazia outra coisa na Vida a não ser pensar na
Vida. O que é que eu vou ser quando crescer? Deus existe? Meu, como a gente
pensava nesse tal de Deus. Caso com ela ou não caso? A gente tinha tempo na
Vida para pensar nela, a Vida, minhas queridas Angélica, Carolina e Manuela.
Aí a gente cresce, cai na Vida e nunca mais pensa
nela, a Vida. A gente vai tocando a Vida sem pensar. Já pensou nisso? A gente
vai, cada vez mais, aceitando a Vida. A Vida toma conta da gente. Domina.
Apesar de ser nossa, ela é quem manda. A gente perde o controle. Por quê?
Porque a gente não pensa mais nela, vovó Maria.
Não pense que, a esta altura do campeonato, é
assim fácil pensar na Vida. Ela, a Vida, faz tudo para que você não pense mais
nela. Claro, ela está na dela e não na sua. Ela não quer ser mudada de uma hora
para a outra. Não é fácil mudar a Vida da gente assim sem mais nem menos,
Selma.
É necessário que se marque hora para isso. E saiba
que, para pensar nela, você vai ter de estar sozinho. Não há a menor
possibilidade de pensar na Vida em companhia de alguém. É peso pesado. Você e
ela. Não tem de ter mulher, filho, terapeuta, melhor amigo do lado. É um duelo
de titãs. Em alguns casos, de tantãs.
Antes do embate você tem de fazer umas anotações
sobre os itens principais que você quer pensar. Por exemplo: um dia você pensou
em Deus. Resolveu acreditar nele ou não. Você tinha 10, 18 anos, sei lá. Depois
você nunca mais pensou nisso. Mas hoje você não tem mais 10, 18 anos, Fabiana.
O seu conceito de casamento é de quantos anos
atrás? E de fidelidade? Ou você acha, Sol, melhor não pensar nesse aspecto da
Vida? Você é quem sabe. E a sua relação com os seus filhos? É aquela mesma que
você aprendeu dos seus pais, quando você ainda pensava na Vida? E nunca mais
mudou, evoluiu, pensou no caso novamente, Lucila?
Quando você ainda pensava na Vida (quanto tempo
tem isso?) você escolheu uma profissão. Já parou para pensar se era isso mesmo?
Ou o trabalho continua sendo um sofrimento para você, que fica contando os anos
que faltam para se aposentar e virar um vagabundo, Fernandinho?
Essa roupa que você está usando agora. Esse estilo
de roupa. Há quanto tempo você não pára para pensar se é isso mesmo que você
deve vestir? Dá uma olhadinha no espelho. E o penteado que você faz igual todo
dia. Pense nele.
Você tem certeza de que não gosta de jiló? Você
não gostava de jiló quando era garotinha. Já pensou em experimentar um jiló
amanhã? Já pensou, se gostar?
Esse negócio de você beber todo dia, Ulbaldo, já
parou para pensar nisso? Fica sem beber um dia e dedique o dia para pensar
nisso. Mas cuidado, João, que a Vida, às vezes, não deixa a gente pensar nela.
Já disse isso lá atrás.
É bom pensar na Vida, de vez em quando.
Tem dia de tudo aqui no Brasil. Devia ter o
Dia-de-Pensar-na-Vida. Nesse dia ninguém faria nada. Absolutamente nada.
Pensaria na Vida. O dia inteiro. Sozinho. Você com ela, a sua Vida.
Enquanto é tempo, porque quando a gente menos
espera, começa a pensar na Morte. Aí é um horror você perceber que passou a
vida toda sem pensar na Vida.
Viver é bom, alguém me disse, mesmo sabendo que
“no caminho da oficina, há um bar em cada esquina”, viu Ubaldo?
MÁRIO PRATA
UBERABA-MG,
1946
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