Frases
Dos
vendedores ambulantes que freqüentavam a Rua da União, dois me interessavam
particularmente: a preta das bananas, com o seu vistoso xale de pano da Costa,
e o homem dos sapatos. Este chegava com o seu grande baú de folha-de-flandres,
abria-o na saleta de entrada e ficava esperando pela freguesia, que eram as
senhoras de casa e da vizinhança. Eu gostava de olhar aquela confusão de
borzeguins, chinelas e sapatos rasos. Mas, um dia, o sujeito, que era robusto e
falava grosso, me interpelou: —Já vai ao colégio? Estuda Geografia? Qual é a
Capital do Espírito Santo?
Embatuquei, e o sapateiro tripudiou: —
Ignora?
O que eu esperava, o que eu ouvia
dizer em tais ocasiões era: — “Não sabe?” Aquele “ignora”, que eu jamais
ouvira, soou-me duro. Senti-me insultado, afastei-me do baú, nunca mais me
aproximei do homem. E até hoje implico com esse inocente verbo “ignorar”,
sobretudo no singular do presente do indicativo.
Outro dia foi meu tio Antonico que me
surpreendeu, dizendo ao amigo Fiúza: — Quando você ia colher os cajus, eu já
voltava com as castanhas!
Surpresa maior, porém, foi o que disse
à minha avó uma sua amiga, ouvindo-lhe queixas de achaques que não cediam aos
remédios: — Minha Dona França, deixe a natureza obrar!
Essas foram frases ouvidas na infância
e então me soaram insólitas e inexplicáveis. Adulto, ouvi outras, sem nenhum
mistério, mas igualmente surpreendentes. Assim, a de uma dessas pretinhas de
Copacabana, cabelizadas e maquiladas, que tratava emprego com a senhora:
— A que horas a senhora janta?
— Às oito horas.
— Não pode ser às sete?
— Quem marca o horário das refeições
em minha casa sou eu, não a cozinheira.
A pretinha então, muito gentil:
A pretinha então, muito gentil:
— Claro, não leve a mal que eu
pergunte: não vê que eu sou mulher da vida e tenho de noite o meu trabalho lá
fora?
MANUEL
BANDEIRA
RECIFE-PE = 1886-1968
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