Os
Bombeiros
Os sinos começavam a tocar espaçada e
repetidamente. A princípio uma igreja só cujo toque era logo reconhecido pelos
moradores do bairro. Em seguida outra, mais outra. Por fim diversas. Umas
próximas. Umas distantes. Badaladas vagarosas, impertinentes, monótonas.
Todos contavam:
— Uma, duas, três, quatro, cinco... É
no Recife.
— Que nada, Marocas. É em São José.
Sete...
— Conte direito. Foram cinco.
Recontam e concordam em ser incêndio
na freguesia do Recife.
— É mesmo. Aonde será, minha gente?
Fora de Portas? Manezinho tem um armazém de algodão na rua de São Jorge.
As ruas se enchem de golpe. Correm
criaturas de todas as partes. Esvaziam-se casas e becos se os estivessem
espremendo. Quem cochila, acorda; quem come, pára; quem descansa, esperta; quem
conversa, cala-se. Vão todos ver o fogo. Uns receosos, a maioria por folguedo.
Na vida calma do Recife um incêndio era uma novidade, um divertimento, um ponto
de maledicências, de namoros, de chamegos, de conquistas.
Acudiam tipos de todas as classes,
cores, idades e sexos.
O armazenário, o lojista, o polícia, o
bilontra, o farrista, o moleque, a família, a mulher-dama, a criada, o
geladeiro, a boleira...
Rumores de botas, chinelos, tamancos
nas calçadas...
E os sinos a insistir no toque de
rebate.
Agora, a corneta dos quartéis.
— É no 14.
— E na cavalaria também. Repare o
clarim.
Correrias. Uma velha, na janela,
indaga de um transeunte:
— Já soube aonde é o fogo, meu senhor?
— Na caixa d’água...
Outro transeunte, mais atencioso,
explica:
— Ouvi dizer que é um armazém de
álcool do cais do Apolo.
— Minha Nossa Senhora! Logo álcool!
Vai tudo embora. E minha sobrinha Teté que mora na rua do Vigário. Vou rezar o Magnífica.
Avistam-se chamas por cima dos
telhados. Ouvem-se explosões. Sente-se o cheiro da fumaça.
De súbito uma campainha. Um tropel.
São os bombeiros. Vêm do cais do Capiberibe e trazem archotes. Eles mesmos
puxam as carretas com as bombas encolhidas, as escadas aos pedaços, a
ferramenta profissional. Correm de ponte afora.
— Coitados! Quando chegarem lá já
estão cansados.
— Deviam ter cavalos para puxar os
carros. Como no Rio.
Um velho, assistindo ao incêndio:
— Hoje inda há bombeiros. E no meu
tempo? Era o povo que ajudava a apagar. Cada um com seu balde indo encher no
chafariz mais perto. Uma vez ajudei a acabar com um, brabo, no beco da Cacimba.
Na casa de um fogueteiro, imagine. Eu era balanceiro da Alfândega.
— Por falar em Alfândega. Fogo danado
foi aquele outro dia lá, heim? Lambeu tudo. Até os torreões.
— Antigamente era o povo sozinho que
apagava. Depois começaram a auxiliar as bombas dos meninos do arsenal de guerra
e dos imperiais marinheiros. Sempre serviam. Hoje é uma beleza com esses
bombeiros.
De quando enquando um enorme estouro e
as labaredas se avivam. Paredes ruíam. O telhado abatera desde o começo. O povo
com medo não se aproximava. Reuniam-se todos nas imediações da ponte Buarque de
Macedo, do arco da Conceição ou mesmo no cais do Abacaxi, de outro lado.
A cavalaria rondava abaixo e acima de
rifle em punho.
Já havia quem fosse voltando às casas.
Negociantes mais sossegados por saber
que a desgraça não os atingira. Famílias saciadas de curiosidade. Pequenas
contentes do pretexto em umas olhadelas com os coiós. Rapazolas acompanhando as
moradoras do brejo...
E o comentário:
— Pobre do dono!
— Pobre?! Seguro de 200 contos!...
(Sette, Mário. Maxambombas
e maracatus. 3ª ed. Rio de Janeiro, Casa do Estudante Brasileiro,
1958, p.103-105)
MÁRIO
SETTE
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